Autodesenvolvimento, Carreira

Coaching ou Counseling? Uma leitura sistêmica

As comparações que faremos a seguir das atividades de coaching e counseling consideram e se restringem ao contexto organizacional, onde as funções gerenciais possuem contornos específicos.

coaching é uma atribuição gerencial e a ela se associa papel similar ao papel do técnico esportivo, o coach. Sua ação envolve não apenas o domínio técnico como também o comportamental, atitudinal e de competências dos liderados. É uma atribuição não-delegável para alguém externo, pois o coach se compromete com o desempenho e com todos os fatores que o afetam.

Voltaremos a isso daqui a pouco e antes, gostaria de dizer que de acordo com Gillian Stamp, existem três atividades gerenciais essenciais, que articuladas resultam numa prática ótima:

  • Tasking (atribuir responsabilidades)
  • Trusting (confiar no julgamento)
  • Tending (nutrir o desenvolvimento)

Figura 1 – Tripod of Work

Entenda-se aqui que essas atividades são comportamentos de um líder gerencial na relação com as pessoas de sua equipe. E são carregadas de importantes intencionalidades.

  • Por meio do tasking, a liderança expressa o que deve ser feito, estabelecendo o quê deve ser feito, para quando e com qual padrão.
  • Pelo trusting, a liderança confia a uma pessoa o uso de suas habilidades e julgamentos para realizar o trabalho.
  • tending é monitorar sem interferir, checando os recursos, prioridades e o progresso do trabalho.

O que acontece quando essa prática está ausente ou não é aplicada de forma ideal?

Provavelmente as relações líder-liderado estarão marcadas ou pela rigidez ou pela difusão. Pela sua rigidez a liderança gerencial exercerá demasiado controle, agindo por meio de pressão, desconfiança e policiamento e isso traz, como consequência, uma grande dose de frustração, paralisia e até alienação. Pela sua difusão na forma de atribuir tarefas a liderança gerencial renuncia a seu papel de delegar corretamente transferindo essa responsabilidade ao subordinado. A consequência é que as pessoas são afetadas de forma a tentarem adivinhar o que se espera delas, surpreendem-se posteriormente com avaliações de desempenho e o líder é visto como uma incógnita.

Agora, vamos pensar num determinado contexto para continuarmos nossa análise.

Imagine que você é um gestor e que o seu líder imediato o está avaliando. E ainda, que a conclusão dele é que você não consegue obter o melhor de seus liderados.

Aqui você também se perguntará: por que meus liderados não alcançam os objetivos atribuídos?

Isso certamente emoldura uma situação onde você, como gestor, não está agindo como o coach dos seus liderados e, portanto, eles não estão realizando plenamente o que poderiam realizar.

É bem razoável imaginar que pessoas de sua equipe não estejam bem capacitadas e que resolver isso, exigirá que você se envolva diretamente para garantir que elas possuam conhecimentos e habilidades suficientes. Pode implicar ainda na revisão de certos comportamentos seus, como líder, que possam estar afetando o bom uso do julgamento por parte das pessoas de sua equipe, resultando na má utilização de recursos para alcançar os objetivos.

Penso que deixamos claro que o coaching é uma responsabilidade gerencial porque não exime o gestor como parte do problema.

Senão, vejamos.

Ao contratar uma pessoa para a liderança gerencial, a empresa confia a ela um grupo de pessoas, e espera que sejam conduzidas dentro de princípios que favoreçam o crescimento mútuo na busca dos objetivos, formando uma equipe criativa e receptiva à liderança. De sua parte, a pessoa contratada, aceita assumir o grupo e assim dedicar parte do seu trabalho no balanceamento de seu tempo entre certas funções específicas e a coordenação de pessoas. É algo indissociável na função gerencial e se isso não acontece, onde está a causa desse problema? Respondemos que está na ausência ou precária demonstração das atividades gerenciais denominadas anteriormente como Tasking, Trusting e Tending.

Podemos fazer a pergunta para o gestor. Mas também podemos fazer a pergunta para a organização, olhando para as suas políticas de desenvolvimento gerencial. Desenvolver o liderado sempre envolve desenvolver a liderança gerencial.

Por exemplo, como a organização declara o que se espera dela?

Como a organização declara que o gestor é o responsável pelo output de seus liderados?

Portanto, a liderança  precisará de coaching quando suas habilidades não garantem as práticas gerenciais esperadas. E uma pessoa que lhe é subordinada, precisará de coaching quando suas habilidades em geral (para coisas e pessoas) não corresponderem ao tamanho de um determinado desafio que lhe é proposto.

 Agora vejamos algumas circunstâncias típicas que demandam do líder esse papel de coach.

  1. Ocorrerá nos trabalhos de indução de um novo colaborador, para facilitar a compreensão do contexto de trabalho. A autoridade gerencial legítima é um fator psicológico importante na relação que se constrói entre líder e liderado. Existem expectativas mútuas fortes. Um gerente contrata alguém para compor a sua equipe, que, por sua vez, tem expectativas sobre o novo membro. A pessoa contratada espera fazer parte de um grupo e parte do sucesso é ter um papel claro e reconhecido por todos os membros do grupo. Em última análise, um gerente trará para sua equipe um novo colaborador porque será capaz de confiar nele.
  2. Ocorrerá sempre, constantemente, como uma atividade de nutrição do desenvolvimento dos liderados, para que eles definam os melhores caminhos para alcançar as responsabilidades que lhes foram atribuídas. Este é um ponto sutil, pois envolve COMO o conhecimento é aplicado. Não se trata apenas do domínio técnico, mas também comportamental, no sentido de que todo comportamento está impregnado de valores. Cabe ao líder gerencial dizer os PORQUÊS, O QUE e o PARA QUANDO, ou seja, estabelecer as metas esclarecendo contextos e propósitos. E ainda, na medida em que cada situação requisitar, dialogar sobre COMO os planos apresentados serão conduzidos.
  3. Ocorrerá quando algo, em especial, não vai bem. Quando um liderado não consegue resolver problemas e ‘entregar’ o que é esperado, o gerente intervém e sua ação é a de compreender o que afeta o desempenho. Um desempenho ineficiente é de responsabilidade da liderança. Um líder deverá discernir quando um desempenho ineficiente tem causas em variáveis que pode lidar ou quando o problema demandaria a ação do counselor. Opa, aqui começamos a falar de aconselhamento. O processo de counseling requer pessoas especializadas em alguma dimensão e envolve questões comportamentais que transcendem as habilidades gerenciais. É importante reforçar que o aconselhamento transcende o papel do líder coach e, quase sempre, é feito por pessoa externa à organização.

Então, o que é mesmo esse Counseling?

Observe que quando um gerente sente que não pode lidar com aspectos que envolvem transcendem sua ação de coach, poderá ter o apoio de um counselor.

Trabalhos de  aconselhamento envolvem a colaboração mínima entre 3 pessoas que exercem os seguintes papéis: a liderança gerencial, a pessoa em foco, e a pessoa que fará o aconselhamento. É a ação integrada para tratar de questões que a ação gerencial não tem dado conta. Em geral envolvem aspectos comportamentais, motivacionais ou de outra natureza que não a de conhecimentos especializados. Um counselor não tem conhecimento específico, técnico, que afeta o desempenho. Essa variável cabe ao líder coach. O aconselhador poderá ter extremo valor para o gestor e liderado por captar outras variáveis e orientar ações pertinentes. questões que afetam o momento. Nesse sentido, o aconselhamento pode abranger tanto o liderado quanto o próprio líder, uma vez que foi escolhido ou aceito como facilitador de reflexões sobre a carreira e o desempenho, sobre o impacto de novas decisões, ou quando novos insights são necessários.

Também existem algumas circunstâncias típicas que demandam o aconselhamento externo

  1. Quando os profissionais estão fora de flow (Fig. 2), isto é, existem tensões evidentes na relação entre as pessoas, ou aquelas decorrentes da insuficiência de suas capacidades para lidar com as demandas do ambiente. Tensões no sentido de decisões adiadas, perdas com custos ou desperdícios, algum tipo de sofrimento, por stress, por apreensão mais profunda. Também, quando forte apatia e mau uso do julgamento estejam presentes. Pessoas fora de flow, em geral, refletem alguma distância entre complexidade do trabalho e a sua capacidade.

Figura 2 – Flow, a experiência no trabalho

  1. Quando há conflitos no campo dos valores e das expectativas. Em geral envolvem questões que afetam novas decisões em torno de carreira, futuro e melhor uso das capacidades potenciais.
  2. Novas decisões estão sendo procuradas por parte da pessoa. Isto pode refletir um momento particular, onde as questões estão além do desempenho.
  3. Pode haver questões comportamentais específicas, como lidar com particularidades da própria personalidade, tais como agressividade, egocentrismo, arrogância, inacessibilidade, interferência, que podem ter causas numa dimensão pessoal, nem sempre acessível ao gestor.
  4. Quando um conhecimento especializado é fundamental para reverter um padrão comportamental.
  5. Quando alguém, devido a uma promoção, pode não antever ou compreender especificamente o escopo de seu trabalho.
  6. Quando novas decisões de carreira estão sendo consideradas.

O gestor é fundamental no desenvolvimento de sua equipe. Porém, há casos em que o gestor não tem as habilidades de coach. É uma oportunidade interessante para que alguém externo faça o aconselhamento e desenvolva as habilidades de coach fazendo com que estes completem suas de habilidades.

Formar a liderança em processos de coaching potencializa os resultados do papel gerencial. A dependência de uma assessoria externa para substituir o líder no seu papel de coach, não e saudável. O líder gerencial pode não ter habilidades específicas. Mas isto pode ser desenvolvido. Porém, é contra a natureza essencial do gerenciamento retirar do gestor a responsabilidade por este papel.

Do ponto de vista do liderado, ações combinadas de coaching e counseling podem ter alto valor agregado. Enquanto o coaching busca reverter as dificuldades de desempenho, o counseling facilitará o desenvolvimento de insights, expandindo a consciência do aconselhado para que ele encontre e utilize os seus recursos na direção necessária.

Muitas vezes, questões de desempenho são explicadas e superadas por reflexões acerca da história pessoal e por sua contextualização em novas perspectivas, favorecendo novas escolhas. Uma visão retrospectiva, como também uma contextualização em relação ao futuro farão enorme diferença.

Nesse aspecto, o Pieron tem uma atuação diferenciada no mercado, pois os aconselhamentos que promove consideram dentre outras coisas o diálogo sobre estimativas de capacidade potencial futura, ou seja, olhando o longo prazo.

Em geral, as pessoas durante os aconselhamentos mostram que conhecem muito bem suas competências. Porém, pode faltar-lhes perspectiva ou recursos para uma reflexão motivadora acerca do tamanho de ambiente em que querem atuar e com qual grau de turbulências estarão confortáveis. Sempre há aprendizado importante durante esses trabalhos.

Ninguém muda caso não queira. Coaching e counseling estão fundamentados num profundo interesse e respeito entre as partes. Tudo isso tem a ver com mútua aceitação. Implica em confiança recíproca e ausência de manipulação ou instrumentalização das relações.

Esse é o grande desafio para a eficácia dos trabalhos de coaching e counseling: assentar-se em bases de confiança mútua e possibilidade de crescimento.

Referências: Stamp, Gillian. Material interno do Bioss International e Instituto Pieron. Maturana, H; e outros. Formação humana e capacitação.

Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

Clique aqui para ouvir no Spotify.

Read More
Autodesenvolvimento, Carreira

Gerações, Gestão, Criatividade e Inovação

Um dos temas sempre presentes na gestão de RH tem sido o das gerações, suas diferenças e potenciais conflitos entre elas. Pergunto-me se há uma espécie de contraponto a isso. Como esta questão é tratada principalmente realçando diferenças, olhando-se retrospectivamente pode-se identificar padrões constantes que trazem outras maneiras de abordar o tema.

Por exemplo, em Mind Set, Naisbitt discute o tema ‘mudar e mudanças’ na perspectiva do que muda efetivamente e o que permanece constante.

Sob o impacto da mídia, a nossa sensação de que tudo muda rapidamente está definida e sustentada pelos distintos meios de comunicação e relacionamento, além de inúmeras publicações. De outro lado, acompanhando Naisbitt, muito permanece constante.

A maioria das empresas ainda permanece estável; Amazon já passou dos 20 anos, e vem junto Facebook, Google, Apple é ainda mais longeva, além de marcas centenárias. Casas, carros e roupas inteligentes já estão por aí…

Mas, pergunta Naisbitt, estamos fazendo apenas de modo diferente, com mais alcance, com mais qualidade aquilo que já fazíamos antes?

E ainda, qual é a essência deste viver que aparenta constante mudança?

Vamos à escola, casamos e temos filhos que vão à escola, fisicamente ou à distância, escola esta que, sabemos, pouco muda (apesar dos apelos às reformas).

Casa, lar, família, trabalho, escola, saúde, lazer, relacionamentos afetivos, amorosos, continuam os mesmos. Filhos continuam tendo dificuldades com os pais, líderes e liderados continuam tendo problemas de relacionamento, o stress continua no trabalho.

Menores continuam se engravidando, meninas ainda sonham com príncipes, jovens querem novidades. Pessoas vão a templos religiosos, compram carros, roubam, matam, drogam-se. Ídolos da juventude continuam a morrer de overdose. Trabalhamos como sempre trabalhamos.

A vida nas fazendas pouco mudou, mas se modernizou; as estações determinam o ritmo da vida ali, agora com equipamentos e tecnologias eficientes. Enfim, há que se pensar nas mudanças em termos “do que muda’ e do ‘como muda’.

Gerações

Nesta linha de raciocínio, pergunto-me pelo que há de comum ou constante entre as gerações e as mudanças no QUE ou no COMO.

É comum entre as gerações, a necessidade do jovem questionar, mostrar-se ‘DIFERENTE’ e avançado em relação a seu tempo. Os valores anteriores já não servem mais. A busca de autoafirmação se dá contestando o que está estabelecido. Mas é comum, por exemplo, a atração pela tecnologia em todas as gerações. Nós nos deslumbrávamos com a geladeira nova nos anos 50, assim como com a luz elétrica anos antes. Os jovens dos anos 60 trouxeram o valor de uma juventude menos reprimida e socialmente engajada.

Então, é comum que a geração atual questione a anterior, como também será questionada pela posterior.

É comum que cada geração produza aquelas poucas (muito poucas) transformações dos padrões comuns das nossas vidas, com inventos, novos conceitos, novas filosofias, novos negócios. Mas, considerando-se os bilhões de humanos que somos, sempre foram – e provavelmente serão poucos, muito poucos – aqueles que transformam padrões sociais amplos.

Mas, é padrão de cada geração produzir rupturas nos ‘COMOS’ e nos “O QUÊS” por meio daqueles poucos, que acabamos elegendo como nossos referenciais, modelos ou líderes ideais.

Os “O QUÊS” de nossas vidas e trabalho continuam parecidos, na essência do que fazemos. Sempre trabalhamos…

Por mais que procuremos mudar as organizações com fortes críticas aos padrões ‘hierárquicos’, o que fazemos é contestar as relações de poder. TODAS as gerações fazem isso.

As empresas admiradas atualmente são hierárquicas, mas com outros valores de relações pessoais: elas melhoraram o “como”. Entretanto, continuamos a trabalhar em organizações hierárquicas, O ÚNICO MODO de organizar o trabalho que o ser humano conseguiu produzir, há mais de 2.000 anos.

As novas tecnologias provocaram grandes mudanças. Mas todas as gerações sempre ansiaram por novas tecnologias, novos ‘COMOS’para melhorar e ‘modernizar’.

O que mudou de uma geração para outra não seria, de fato, mudanças no COMO se faz – ao invés de mudanças essenciais no QUE se faz?

Vimos mudanças essenciais no FAZER das chamadas gerações X, Y, Z, ou quaisquer outras?

As novidades observáveis são mudanças na forma “COMO” nos movemos, “como” compramos, “como” nos comunicamos, “como” aprendemos ou estudamos.

Os velhos e os antigos de hoje, foram os jovens do passado. Os jovens de hoje, serão os velhos e os antigos do futuro.

Seria um erro julgar o futuro com os valores de hoje, pois as próximas gerações trarão os mesmos padrões de críticas das gerações anteriores.

Pensando em tudo isso, qual seria o impacto para a gestão de gerações?

Se é esperado que uma geração entrante vá mostrar padrões previsíveis, tal como questionar a geração anterior´, então, procuremos refletir sobre alguns pontos, sobre outros critérios.

  • Velocidade e ambição de rapidamente crescer na carreira? Não creio que todas as pessoas, de qualquer geração, tivessem ou tenham a ambição de serem CEOs. Não creio que os mais jovens entrantes possam ser rapidamente conduzidos a tomarem decisões estratégicas e conduzir o futuro de um negócio. Alguns, sim, mas poucos. Afinal, a maioria das start-ups morrem cedo.
  • Equilíbrio entre vida pessoal e profissional? Aí está um valor pelo que vale a pena brigar. Será novo? Um novo ‘o que’ ou um novo ‘como’? Mais ócio criativo? Mas, quem organizará a sociedade para garantir tudo isso? Talvez os jovens aspirem a menos “emprego” e mais “trabalho”? Mais autorrealização? Sim, há uma potencial mudança para o “como”, mas como mudar A ESSÊNCIA da vida produtiva, do trabalho?
    • Tenho conhecimento de jovens da geração Y ou até Z, que já trabalham 12 horas por dia.
  • Hoje, a adolescência está se estendendo, em casos até os 30 anos; tende a ser um padrão de jovens que preferem viver em casa: o quarto é o habitat social alimentado pelas redes. É uma mudança no o quê? Esses será o novo padrão da vida social? Difícil dizer que sim. A vida sem relações sociais não parece ter muito significado.
  • A tecnologia parece estar criando um outro tipo de padrão de convívio familiar e a necessidade de questionar os “mais velhos” toma a forma de uma rebeldia dos filhos contra os, que querem que seus eles saiam dos seus quartos e da tela de acesso “ao mundo”, agora virtual. Mantém-se o “como” atualizado para o século XXI?

Olhando através das muitas gerações e o mundo que foi construído por meio do trabalho, aparentemente fomos competentes em lidar com as diferenças. ‘Novos’ sucederam os ‘velhos’, os velhos deixaram legados e os novos de então outros legados. Se a nova geração expressa ansiedade por se afirmar e abrir espaço para suas necessidades, isso não é novidade, sempre aconteceu.

No final da década de 60, estudantes se organizavam para contestar. Hoje, a facilidade da comunicação eletrônica pode tornar esta atitude ainda mais intensa, senão poderosa. O que mudou?  Apenas o “como”.

Se há resistências de uma geração para o que é apresentado pela nova, é importante ressaltar que resistência a mudanças sempre fez parte das relações entre grupos: mesmo entre jovens existe a intolerância, a não aceitação das diferenças…

Organizações se debatem com a constante “gestão da mudança”, com a necessidade de serem criativas e inovadoras. A competição sempre foi uma constante na vida organizacional.

Não há a meu ver, uma NOVIDADE na busca do vamos criar, vamos fazer diferente, etc, que a nova geração parece trazer, até porque mudança e necessidade criativa são padrões humanos. E falando novamente no contexto organizacional, incerteza e imprevisibilidade sempre foram os pressupostos e contextos para a liderança gerencial.

Aqueles que criaram rupturas criaram novas bifurcações, novos ‘o quês’, que afetam e afetarão as atuais e as novas gerações.

Mudança é um padrão constante; há que se viver com ela. Novos ‘comos’ devem ser bem-vindos e o ambiente organizacional deveria estar sempre preparado para surpresas, novidades, rupturas, readaptações. Nem sempre é o caso, mas isto também é uma constante, e independe de qual é a geração. Grande parte das organizações sobrevivem por décadas, e sempre conviveram com os conflitos de gerações.

Mundo aberto e em transformação é matéria-prima para inovações e elas vêm pela intuição de poucos, que criam tais rupturas. Quem são as pessoas da geração atual que farão isso? Que farão os rompimentos com O QUE se FAZ atualmente?

Não nos parece que mais “Facebook”, “Twitter”, “Google”, “Uber”, “Deliveries”, sejam de fato soluções criativas.

As organizações estão trazendo para dentro de si personagens estereotipados das mudanças no COMO FAZER ou estão identificando talentos capazes de reorganizar e redefinir o QUE FAZER, de redefinir PROPÓSITOS?

Como voltamos a falar de talento, vamos pensar um pouco na sua demografia e escassez.

Demografia do talento

A disputa por ‘talentos’ sempre foi uma constante através de todas as gerações. A arte de os atrair e manter também é uma constante, variando apenas o COMO FAZER, sempre adaptados aos contextos e condições atuais.

Em geral a criatividade está nos ‘comos’, pois podemos reorganizar e recombinar as coisas, os conhecimentos e as práticas.

A inovação – e algo da genialidade – está no rompimento com os ‘o quês’. Claro, numa organização talvez não precisemos de ‘Einsteins, Galileus ou Newtons’. Não creio que estas “genialidades” sejam atributos específicos de alguma geração. Contudo as novas gerações terão desafios globais ainda mais significativos, pois os impactos das ‘grandes decisões’ atuais (governos, tecnologia, iniciativa privada e grupos sociais) afetarão sobremaneira não mais a relação específica entre um líder e um liderado em si, mas nos exporão a questões que exigirão grandes rupturas nos ‘o quês’. Saltos qualitativos nos padrões de questionamento dos ‘o quês’ serão muito bem-vindos, até porque podem representar a continuidade saudável dos conflitos entre gerações.

A escassez dos talentos

Sempre foi uma constante. Elliott Jaques nos dá uma ideia disto pela extrapolação de seus estudos longitudinais sobre capacidade potencial, ou seja, o uso do julgamento e discernimento em condições de incerteza (fig.1).

Enquanto as novidades DAS FORMAS trazidas pelas novas gerações referem-se a novos valores e comportamentos, os desafios de conduzir negócios alinhados com a realização de seu propósito estratégico, demandarão capacidades que poucos trarão. Capacidades como visão corporativa, de sociedades emergentes, condições ambientais, mercados futuros, novos valores para as próximas gerações. Uma visão pessimista? Não parece ser.

Não é incomum a sensação de que estamos com lacunas de lideranças. Na sociedade e nas empresas. Igualmente para as organizações locais, a escassez é uma realidade que deve ser encarada não apenas sob olhar educacional ou das especialidades. A condução dos negócios por meio de uma liderança focada em capacidade humana, e menos em tarefa, é escassa. A gestão e busca do talento é uma realidade com limitação demográfica – e os processos seletivos não deveriam confundir habilidade criativa com capacidade inovadora.

Na perspectiva de Elliot Jaques a capacidade potencial, sendo o uso do julgamento e discernimento, não é treinável. Por isso mesmo, é um fator de desequilíbrio qualitativo importante, que pode significar ganhos em competitividade. É esta capacidade de julgamento e discernimento que tem a ver com o antever, ‘enxergar’ caminhos à frente, explorar a ausência de conhecimento, pois o conhecido é acessível a todos.

Parece óbvio que isto tem que ir além dos questionamentos em relação aos ‘comos’ e prosperar por meio de novidades disruptivas com os ‘o quês’. É a questão empreendedora, que transcende e atravessa as gerações.

Nesta perspectiva, bem-vindas as novas gerações que continuam a gerar a constância das mudanças significativas, assim como fizeram todas as outras.

É necessário cuidar para não limitar as expressões das gerações atuais, de forma que as repetições das resistências não impeçam o florescer dos novos talentos. Dessa forma, é preciso investir no semear caminhos para que aqueles significativos poucos possam produzir mudanças qualitativamente transformadoras.

As novas organizações deveriam se inspirar nos princípios de Organizações Generativas, tendo como um de seus pilares formar e cuidar das próximas gerações.

Figura 1


Clique aqui para ouvir no Spotify.

Read More
Autodesenvolvimento, Capacidade, Carreira

Desempenho pessoal – cognição, emoção e flow

Os fatores ‘internos’ do desempenho são dependentes da pessoa, e são tratados segundo seus ‘recursos’, os quais, por sua vez, seguem o ponto de vista de seus “departamentos”: inteligência, emoções, aspectos ‘herdados’ – filogenética e ontogenética.O tema ‘desempenho pessoal’ é tratado de maneira desigual por diferentes linhas e pode ser didaticamente compreendido em duas categorias: fatores ‘externos’ e fatores ‘internos’. Os externos abrangem condições como ambiente, liderança, aspectos estruturais e contextuais da organização ou do negócio. Nosso interesse aqui é destacar os ‘fatores internos’ da pessoa, sem deixar de fazer considerações sobre os fatores ‘externos’.

A primeira compreensão do desempenho e do comportamento dividia as funções psicológicas em três categorias: emoção, conação ou vontade, e cognição (ou inteligência e raciocínio). Posteriormente, a Psicologia passou a usar vários dos sistemas de um organismo para fazer referência a diferentes áreas de desempenho: sensação, percepção, memória, emoções, inteligência, pensamento, imaginação, criatividade, cognição, necessidades e também personalidade. Uma terceira orientação, da psicanálise, construída por Freud, descreve um sistema dinâmico de relação entre ego, superego e id, e suas partes funcionais: consciente, pré-consciente e inconsciente. Depois de Freud o Homem já não mais é visto como plenamente consciente e racionalmente dono de si e de suas ações.

Desdobramentos mais recentes descrevem nossas mentes por entidades específicas e independentes, como inteligência emocional, diferentes inteligências como matemática, verbal, interpessoal, intrapessoal e competências.

O movimento das competências trouxe o questionamento sobre o Q.I. A neurociência tenta compreender o cérebro e suas funções. A inteligência emocional trouxe uma percepção sobre a importância das relações interpessoais, a estabilidade emocional e o autoconhecimento. As competências libertaram o julgamento sobre as pessoas das amarras do currículo e da escolaridade. Nenhuma das linhas, porém, define especificamente a capacidade do organismo (pessoa) para o trabalho (Jaques, 2002). A dicotomia entre cognição e emoção ainda persiste, em paralelo à visão do organismo como um todo, isto é, integração entre biologia e mente. Também há, ainda, aqueles que entendem que ‘inteligência emocional’ é a chave dos problemas de desempenho. Entendemos que não. A compreensão do ‘organismo como um todo’ requer mais do que encontrar as ‘partes’. Vamos acrescentar mais alguns pontos.

O que é trabalho humano? Trabalho humano é definido por Jaques (1996) como ‘o uso do julgamento e discernimento na produção de escolhas e tomada de decisão na busca de realização de uma intenção, um objetivo, que está definido num tempo futuro’. Para Jaques, a capacidade ‘trabalho’ varia de pessoa para pessoa. Cada um estará mais confortável com determinados horizontes de tempo para a realização de projetos. O humano é um ser sempre em ‘locomoção’, intencionado, orientado para o futuro, definindo metas, objetivos e projetos. Isto define a capacidade potencial de cada um. Daqui decorre nosso segundo conceito. Enquanto que processos de coleta de dados, análise e síntese são bem mais conscientes, o julgamento, que envolve escolha e decisão não o é. Julgamento é uma propriedade do organismo e seus processos não são diretamente acessíveis, isto é, a ‘decisão nos chega’.

Aqui chegamos num ponto em que os fatores ‘internos’ das pessoas em ação tem duas dimensões: a consciente e a inconsciente. Vejamos alguns elementos típicos e seus entendimentos:

Cognição. Envolve os processos pelos quais compreendemos o mundo, usando operações mentais como lógica, dedução, seleção de informações, hipóteses, categorização, estratificação da compreensão, conceituação ou abstração em relação ao mundo concreto, articulamos ideias, comunicamos, entre outras qualidades.

Emoção. E aqui o termo ganha várias interpretações. Entendemos como: ‘a experiência de um estado sustentado de atenção e prontidão para agir’ (Jaques, 2002). Estados de prontidão para agir aparecem, por exemplo, em situações em que um perigo é antecipado ou um ataque está para acontecer, como também emoções marcadas pelo amor. A prontidão é um estado no qual o sistema autônomo entra em ação, e nossa musculatura total está mais viva do que nunca. Não temos controle consciente sobre isto. É um exemplo da dimensão inconsciente de nossas ações.

O conceito de inteligência emocional (QE) é impreciso. O conceito de Q.I. fez um grande ‘desserviço’ na medida em que mais categorizou e pré-conceituou as pessoas do que ajudou a compreender a dinâmica delas em ação. E mais: nunca foi efetivamente validado e nunca mostrou correlação com o desempenho na vida prática (McClelland). O conceito de Q.E., em sua imprecisão, passa a ser usado para quaisquer atividades humanas não definidas pela cognição. Q.E. entra nos limites do psicopatológico, na medida em que faz referências a estados emocionais marcados por medo, raiva, depressão, entre outros (Goleman, 1999).

A inteligência emocional segue o mesmo caminho do QI. Na medida em que tenta explicar as diferenças no desempenho faz uso dos aspectos cognitivos e não emocionais em si – emoções não nos ajudam a compreender o mundo! A inteligência emocional consegue, sim, captar aspectos ‘negativos’ que podem interferir no desempenho. Resta saber se estes aspectos ‘negativos’ são decorrentes do ‘stress’ do organismo por estar ‘fora de flow’, comentado adiante. Este é nosso entendimento.

Psicopatologia. Está ligada ao conceito psicanalítico de repressão. Vários tipos de conflitos psicológicos não resolvidos são tratados pelos mecanismos de repressão. Como qualquer conhecimento consciente, o conhecimento (o que está) reprimido afeta o fluxo do trabalho orientado para objetivos. Faz isto fornecendo poderosos e atraentes objetivos (metas) – mas reprimidos – a serem escolhidos e que irão caracterizar comportamentos obsessivos, desilusões, ansiedades inexplicáveis, reações abruptas e outros comportamentos ‘irracionais’. Operam como estados de prontidão criando um contexto que está além da compreensão racional. Obviamente que tratar destas questões não é fácil. Do contrário, poderíamos ter simplesmente a possibilidade de escolher não ter ansiedade, como também parar imediatamente de fumar. Mas trazer à consciência estas questões nos capacita a ganhar mais controle na definição do foco consciente e nos limites do comportamento orientado para objetivos.

Estados emocionais dão assistência ao organismo em relação a seus objetivos, metas e desejos. Desta maneira, todo estado emocional precisa ser situacional e temporário. Estados emocionais que continuam além dos requerimentos situacionais se tornam um sério impedimento, colocando o organismo numa condição de risco, interferindo com sua capacidade de construir um efetivo e flexível campo de atenção. Tornam-se muito estranhas certas ofertas de ‘treinamento para inteligência emocional’ em um ou dois ‘cursos’, ou em grupo!

Metacognição. Desde o final dos anos 60, as ciências psicológicas passaram por grandes modificações. Uma das correntes mais importantes, representada por Luria, compreende o funcionamento mental através de quatro grandes processos cognitivos – o PASS – Planejamento, Atenção, Sequencial e Simultâneo.

Planejamento consiste na programação, regulação e verificação do comportamento. Trata de um conjunto de decisões ou estratégias que uma pessoa adota e modifica para resolver um problema e alcançar um objetivo (Das, Naglieri e Kirby, 1994).

Para estes autores, planejamento é caracterizado pelo propósito! A qualidade a ser destacada pelo planejamento é ‘a flexibilidade e avaliação’, não apenas da ação dos outros, mas, também, da própria ação e dos próprios sucessos e erros.

Um componente-chave do planejamento é a metacognição, que é a consciência e o conhecimento sobre os processos cognitivos. Planejamento e metacognição não são processos totalmente acessíveis à consciência. Contudo, sua ausência ou debilidade está sempre correlacionada ao fracasso de alguma maneira, fracasso ‘na instrução e na alocação dos recursos’ para a performance (Das, e outros, 1994). A metacognição tem dois aspectos muito importantes. Primeiro, está profundamente relacionada com a motivação: estratégias só se tornam efetivas quando combinadas a um propósito e uma necessidade. Segundo aspecto: o desenvolvimento desta faculdade acontece ‘aos saltos’, em etapas.

Metacognição tem a ver, então, com alocação de recursos nas atividades de planejamento de um comportamento ou ação de uma pessoa. Estes recursos são os conhecimentos (para coisas e pessoas), experiências, faculdades cognitivas, interesses e a compreensão dos estados emocionais.

O processo de desempenho.

O conceito de flow. De acordo com Stamp, adaptando ideias de Csíkszentmihalyi (1991), o desempenho numa tarefa, num cargo ou num projeto, é compreendido pelo conceito de ‘flow’ – uma interação adequada entre complexidade do trabalho e nossa capacidade. Quando estamos ‘in flow’, a experiência que temos do mundo e do trabalho pode ser comparada ao que os orientais definem como ‘nirvana’. Nossas decisões são eficazes e eficientes, usamos adequadamente os recursos, conseguimos considerar as diferentes variáveis afetando o escopo de nosso trabalho, e não comprometemos nem os recursos a nós depositados nem a nossa estabilidade. Estar ‘in flow’ envolve um bom encontro entre complexidade, capacidade e também o valor que atribuímos ao nosso trabalho. Se os dois primeiros estiverem adequados, mas não valorizarmos o que fazemos, nosso desempenho poderá cair. Complexidade de trabalho acima da capacidade gera ‘stress’, decisões adiadas, ansiedade e custos muitas vezes incalculáveis para a organização. A ideia de Flow descreve um organismo atuando numa experiência de ‘totalidade’, onde cognição, emoção e julgamento funcionam harmonicamente.

Como organismos orientados por objetivos e metas, estamos sempre definindo nosso campo de atenção, ou o teremos definido por alguém numa relação de trabalho, por exemplo, pela liderança.

Nossa ação será explicada, primeiro, pelas nossas decisões e escolhas. Nossas decisões e escolhas estão limitadas por nosso poder de julgamento em relação ao futuro. A manutenção, por algum tempo, de nosso poder de atenção e foco emocional depende da ausência de características emocionais negativas (e não positivas).

Somos, contudo, organismos estruturalmente determinados (Maturana, 2001) e, como tal, a quantidade de turbulência que conseguimos aceitar em relação ao ambiente está determinada por nossa estrutura. Isto é, organismos vivos são flexíveis enquanto sua estrutura consegue manter-se acoplada dinamicamente numa relação de troca com o ambiente. Não é qualquer meio que os organismos suportam. Turbulências além dos limites farão o organismo desprezar certa quantidade e qualidade de informação. É uma questão de sobrevivência.

Para entender o desempenho do ponto de vista do indivíduo precisamos considerar pelo menos duas dimensões: a horizontalidade e a verticalidade. Por verticalidade entendemos o ‘tamanho do projeto’, medido pelo horizonte de tempo de conclusão. Por horizontalidade, os atributos da capacidade humana. Estes atributos têm como limitador a capacidade das pessoas para considerar diferentes horizontes de tempo à frente. Aqui o conceito de flow é determinante. Na medida em que o horizonte de tempo aumenta em relação à capacidade do organismo, o indivíduo entra numa zona de turbulência acima de suas possibilidades. Nestas condições, os recursos metacognitivos, cognitivos e emocionais não serão suficientes para garantir desempenho. Se estiverem aquém, é provável que outros comportamentos inadequados surjam, mas não por ‘stress’ e, sim, desmotivação.

A responsabilidade do ambiente. Sendo organismos estruturalmente determinados, o ambiente – representado no trabalho pelas políticas de uma organização, liderança e condições de trabalho – tem fundamental importância. Organismos estruturalmente determinados podem ser comparados a máquinas. Toda máquina tem sua capacidade, seu limite. Podem até operar no limite, mas irão requerer pausas para manutenção ou substituição. Como seres vivos somos seres emocionais, persistentes, responsáveis. Muitas vezes, operamos aquém de nossas capacidades e nos sentimos inúteis. Muitas vezes, estamos felizes e satisfeitos, alegres e integrados. Estamos ‘in flow’. Em outras ocasiões, somos exigidos além da capacidade, fracassamos. Em muitos e insistentes casos, perdemos o trabalho, somos despedidos.

Infelizmente, muitas organizações ainda insistem no ‘princípio de Peter’ – todo mundo é promovido até o limite de sua capacidade. E perdem o emprego. É a forma empírica – e tardia de conhecer o potencial humano. Hoje, pelos trabalhos de Jaques, essa antecipação do conhecimento sobre a capacidade potencial humana está disponível. Não se justificam mais as políticas de desenvolvimento de pessoal desconsiderarem o conceito de ‘flow’. É uma questão de responsabilidade pelo conhecimento.

A responsabilidade do ambiente está em criar as condições contextuais que usem o melhor das pessoas para mantê-las tanto quanto possível dentro dos limites do flow. Isto requer conhecimento, por parte da organização e da liderança, das capacidades de cada um. E também envolve conhecimento por parte das pessoas sobre seus limites potenciais.

Os custos para as organizações e pessoas, de indivíduos fora de flow, são facilmente contabilizados. De um lado, para a pessoa, ansiedade, mal-estar, baixa autoestima, doenças, ‘stress’ e perda do trabalho. Para a organização, decisões adiadas ou malconduzidas, gastos, desperdícios, oportunidades perdidas, além de afastamentos, turnover indesejável, novas contratações.

Embora os aspectos determinantes da performance estejam em boa parte com as pessoas, elas estão inseridas num ambiente e este, pelo poder que lhe é conferido, tem vital responsabilidade pelo conhecimento sobre elas. É a função da liderança. Mas não há processo de coaching capaz de reverter condição de pessoas exigidas além dos limites de sua capacidade. Contudo, ainda se gasta muito dinheiro tentando reverter condições estruturalmente irreversíveis, pelo menos por um determinado período de tempo.

Leia mais

  • Csikszentmihalyi, Mihalyi. Flow. USA: Perenial. 1991.
  • Das,J.P; Naglieri, J.A; Kirby, J.R. Assessment of Cognitive Process. USA: Allyn and Bacon. 1994.
  • Jaques, E. Requisite Organization. USA: CasonHall. 1996.
  • Goleman, D; Trabalhando com a Inteligência Emocional. SP. Ed. Objetiva. 1999.
  • Maturana, H. Cognição, Ciência e Vida Cotidiana. MG: UFMG. 2001.
  • Jaques, E. Life and Behavior of Living Organisms. USA: Praeger. 2002.

Clique aqui para ouvir no Spotify.

Read More
Carreira

Carreira, Talento e Competências

Carreira

Do ponto de vista das pessoas, a carreira deve ser encarada como desafio individual, e não da organização. Quatro pontos são importantes para o planejamento da carreira: a provável curva de crescimento do potencial, os conhecimentos hábeis, os valores e os traços de personalidade.

Curva provável de crescimento do potencial

Aceitar os limites não é uma questão fácil. Por outro lado, existem as diferenças individuais e cruciais. Há muitos jogadores, mas não é sempre que Michael Jordans, Pelés e Kuertens estão disponíveis

Fato é que conviver com os limites não é simples, principalmente numa cultura em que se valoriza a competição e o chegar à frente. Contudo, a experiência mostra que as pessoas, ao longo do tempo, vão encontrando seu ritmo próprio, seu melhor caminho e aceitando melhor suas limitações. Em geral, isso é chamado de maturidade.

Quando conduzimos assessment e praticamos feedback e coaching, fica claro como as pessoas intuem sobre o seu futuro. Trazer essas informações para um nível articulável e consciente proporciona conforto, segurança e mais objetividade ao planejamento pessoal.

Hoje pode-se estimar as curvas prováveis de crescimento da capacidade das pessoas através do Career Path Appreciation®, com base nos trabalhos de Elliott Jaques. Assim, teremos uma perspectiva da direção e dos níveis de complexidade de Artigo trabalho mais prováveis que teremos condições de assumir ao longo do tempo, como também poderemos enxergar prováveis períodos de transição, e nos preparar para enfrentá-los. Quando nossas funções estão além ou aquém de nossa capacidade, existe ansiedade ou desmotivação, com consequentes danos para a pessoa e para a organização.

Conhecimentos hábeis

Dois grandes grupos de competências – coisas e pessoas – são os desafios gerais de um profissional em qualquer nível ou carreira.

O conhecimento para as coisas inclui idiomas, informática, complexos sistemas de logística, distribuição, operação, produção. Ao mesmo tempo que ter conhecimento é fundamental, mantê-lo atualizado e transformá-lo é imprescindível. Chama-se de flexibilidade de aprendizagem.

O conhecimento para as pessoas envolve desde relacionamentos simples, de convívio em grupo e em equipes, até poder de persuasão e influência, liderança e outros relacionados.

Os conhecimentos hábeis são treináveis e estão relacionados aos nossos valores.

Valores

O que valorizamos dá a direção de nosso investimento. Se você não valoriza trabalhar com pessoas, provavelmente não conseguirá adquirir conhecimentos hábeis nessa direção, e sua performance liderando um grupo pode ser pobre.

Os valores afetam diretamente a direção que damos para nossos pensamentos, decisões, aquisições, nosso planejamento pessoal.Dentro do assessment, pode-se identificar, por exemplo, preferências por atividades, tais como, implementadoras, analíticas, criativas, persuasivas, administrativas ou ainda de apoio e ajuda às pessoas. Compreender nossas preferências e inclinações é de fundamental importância.

Traços de personalidade

Os traços de personalidade são padrões estruturais de comportamento e, como tais, tendem a permanecer relativamente constantes. É responsabilidade do profissional ter consciência de seus traços, do grau de intensidade de suas manifestações e autocontrole. Não é responsabilidade da organização cuidar da agressividade, egocentrismo ou distanciamento entre as pessoas. Infelizmente, sob o apelo da ‘inteligência emocional’, tem-se brincado muito com a questão das mudanças pessoais, oferecendo-se treinamentos relâmpagos para trabalhar as emoções e características mais profundas e arraigadas e que não são simples de modificar. Confunde-se treinamento em conhecimentos hábeis com pessoas com mudanças emocionais. Contudo, a consciência e a percepção aliadas à maturidade fazem com que tenhamos mais controle e maior adaptabilidade. Esses são os quatro principais pilares de nossa performance. Os maiores conflitos costumam se estabelecer entre os valores e os projetos pessoais e os da organização. A cultura das organizações desenvolve-se em torno da natureza dos negócios (figura acima), e muitas vezes nossos valores absolutamente não combinam.

Em organizações voltadas para ideias e produtos, pode-se ter um ambiente no qual a informalidade, a genialidade e a geniosidade sejam padrões aceitos e naturalmente compartilhados. Para algumas pessoas, esses padrões podem simplesmente ser inaceitáveis. Enquanto a organização não quer mais exercer a tutela da carreira das pessoas (e talvez nunca tenha feito), a necessidade de selecionar bem e de promover acertadamente contam demais.

Competências e organização

De modo geral, a cultura das organizações em torno dos negócios irá valorizar determinadas competências específicas e, novamente, isto poderá estar contra ou a favor de nossos valores e traços de personalidade. No quadro abaixo há um exemplo dessas características.

Talento

O talento é medido pelo sistema Work Levels®, que explica diferentes graus do talento humano (sete níveis de complexidade).

imagem

Talento se expressa como criatividade quando a complexidade do trabalho está de acordo com a capacidade (potencial) das pessoas, em conjunção com valores e conhecimentos hábeis.

Planejamento de carreira

Embora o termo planejar uma carreira esteja desgastado, todos temos ambições, expectativas e necessidades. Esse conjunto nos pressiona de um modo ou de outro, consciente ou inconsciente, em determinada direção. As crises de meia idade são comuns entre os 37 e 42 anos. Muitos as vivem de modo criativo e renovado, outros deprimem-se, amarguram-se, e têm seu círculo de relacionamentos afetado. Planejar não significa tutelar a carreira passo a passo, mas dar uma direção, o que tem a ver com valores, personalidade, autoconhecimento. Do ponto de vista das organizações, enxergar o padrão de crescimento da capacidade das pessoas é fundamental para seu planejamento estratégico. As organizações têm ‘suas carreiras’, definidas por suas core competencies e visão de futuro. Desta forma, precisam das pessoas. Mais ainda, precisam do melhor de cada uma delas.

Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

Clique aqui para ouvir no Spotify.

Read More
Carreira

O papel ético e a responsabilidade social das profissões

Ao escolher uma profissão geralmente levamos em conta muitos fatores, como qual o campo de atuação, qual a remuneração média, quais as perspectivas de carreira, entre outros aspectos.  Mas será que em nossas reflexões aparecem as questões ligadas a qual é o papel ético e a responsabilidade social daquela profissão almejada?

Como Augusto Hortal Alonso comenta em seu livro ‘Ética das Profissões’, os profissionais não são apenas considerados pela especialidade que possuem, mas, também, por seu compromisso em prestar serviços de qualidade àqueles que o procuram.

Existem três níveis na responsabilidade do profissional, conforme Alonso comenta. O primeiro trata da aceitação ou recusa do papel profissional, o que implica em avaliar se o mesmo está alinhado aos seus valores. O segundo nível é seu compromisso com a excelência que se esperam do papel profissional. No terceiro está a responsabilidade em contribuir para o bem comum da sociedade, para melhorar as condições da vida humana individual e social.

Conforme esse autor cita em seu livro, “…o profissional, para ser um verdadeiro profissional, precisa assumir os compromissos que divide com seus colegas de profissão, os compromissos de procurar realizar, com competência e responsabilidade, as atividades e os serviços específicos atendendo aos padrões de excelência que em cada contexto são esperados de cada tipo de serviço profissional.” O profissional precisa, para a continuidade de sua atuação,  da confiança de quem procura o seu serviço, e por isso trabalhar com ética e responsabilidade social é fundamental.

É importante, tanto para o jovem que está escolhendo sua formação, quanto para as pessoas que querem mudar de profissão, considerar qual é o papel ético e a responsabilidade social da profissão escolhida. Se, por exemplo, alguém escolhe ser médico apenas porque é uma área de atuação que oferece certo status ou porque seu pai já tem um consultório montado, o que facilita sua vida, mas realmente não sente afinidade com essa carreira, o que poderá acontecer no exercício de sua profissão? Será que ele vai se dedicar ao estudo continuo de sua área? Será que exercerá com excelência sua profissão e, por consequência, criará uma relação de confiança com as pessoas que o procuram? Será que estará contribuindo com o individuo e com a sociedade na realização de seu papel profissional? Essas reflexões servem para qualquer profissão que escolhemos, seja como manicure, motorista, engenheiro, advogado, entre outras.

Gosto muito da definição que o filosofo Mario Sergio Cortella traz sobre ética: “Ética é o conjunto de valores e princípios que usamos para responder a três grandes questões da vida: quero?; devo?; posso? Nem tudo que eu quero eu posso; nem tudo que eu posso eu devo; e nem tudo que eu devo eu quero. Você tem paz de espírito quando aquilo que você quer é ao mesmo tempo o que você pode e o que você deve.”

Tomando a definição acima, a pessoa precisa pensar se o que ela quer realmente como profissão é o que ela pode e deve fazer para contribuir com as pessoas e com a sociedade. Como no exemplo citado acima, a pessoa pode refletir: “quero ser médico porque já existe um consultório montado pelo meu pai e fica cômodo para mim. Mas eu posso e devo, já que não tenho afinidade com essa escolha?”.

Depois que a pessoa escolhe sua profissão, ela terá que manter-se atualizada, renovar conhecimentos que são introduzidos para alcançar os objetivos que sua profissão se propõe. Assim, ao pensar na escolha profissional é preciso levar em conta que sua atuação terá impacto na vida das pessoas, e em consequência, na sociedade.

Claro que muitos de nós não tivemos ou temos a possibilidade da escolha da profissão, muitas são fruto do acaso ou da necessidade financeira do momento, mas, mesmo assim, podemos vivê-la como projeto próprio. O trabalho que realizamos pode responder em maior ou menor grau as nossas inclinações e capacidades, mas o trabalho pode ser um lugar onde se pode viver um sentido. É quando se otimiza o que a atividade que exercemos tem de contribuição à vida das pessoas e da sociedade.

Para aquelas pessoas que tem a possibilidade de escolher a profissão, o que pode ajudá-las, nesse momento, é conhecer qual é o papel de determinada profissão no contexto social e mergulhar em um processo de autoconhecimento, em que possa avaliar se os valores de determinada atuação estão alinhados aos seus, o que pode garantir maior dedicação à renovação dos conhecimentos ao longo da carreira e, desta forma, cumprir com ética e responsabilidade o seu papel profissional para contribuir com a sociedade.

Bibliografia:

Augusto Hortal Alonso; 2002. Ética das Profissões. São Paulo. 2002. Edições Loyola.

Read More
Autodesenvolvimento, Capacidade, Carreira

Carreira, Capacidade e Idade

A reportagem de capa da revista Exame, publicada no primeiro semestre deste ano, sobre a ‘Carreira Após os 40 Anos’ reflete a falta de conceitos com que se pensa o gerenciamento da capacidade humana para o trabalho e ainda mostra, paradoxalmente, as inconsequentes conclusões oriundas desta inconsciência. Ela traz danos às pessoas ao abordar assuntos vitais sem bases fundadas a respeito da natureza humana, trata a vida de maneira impulsiva e reflete um profundo engano acerca do talento humano, que teria sua melhor performance nos jovens.

Não somente a imprensa mostra inconsciência e carência de conceito, como também muitas empresas. Sem compreender muito bem a natureza da capacidade humana para o trabalho, a organização acaba definindo políticas que afastam as pessoas que vivem o melhor de seu potencial, quando se tornam mais ‘sábias’. Um exemplo freqüente é o estímulo à aposentadoria precoce.

Nossa experiência com organizações mostra claramente a necessidade de se ter uma concepção clara sobre a natureza da capacidade das pessoas. As empresas querem encontrar potenciais, visualizar o desenvolvimento das pessoas, incentivar o espírito empreendedor em todos. Elas afirmam em discursos que todos podem ser CEOs e assim por diante. Sem dúvida, são ações e intenções importantes e motivadoras. No entanto, como entender tudo isto dentro de um sistema gerencial voltado para resultados, para a competição, e também, por que não, para gerar oportunidades de realização pessoal?

Pretendo, à luz de teoria científica, validada e desenvolvida dentro de ambiente de trabalho, e pesquisada com profissionais que tomam decisões e participam dos destinos das organizações, esboçar algumas questões que podem dar alguma orientação para estas ações de gerenciamento de carreira, de capacidade humana, de desenvolvimento.

A escola americana de gerenciamento, essencialmente inspirada numa visão ‘behaviorista’ (comportamental) de pessoa humana, impregnou-nos de práticas que envolvem estimular comportamentos e recompensar respostas. Ainda nos debatemos com sistemas de ‘avaliação de desempenho’ (o eterno dilema, avaliar resultados?, como reconhecer o desempenho?, como remunerar o talento?), e, observem, parece que cada vez mais entramos num labirinto acerca do como conviver com a natureza humana no trabalho. Nos ensinaram a procurar no extrínseco os principais elementos para a gestão das pessoas e suas motivações. Nos ensinaram, ainda, a interagir pouco com as pessoas e sua natureza intrínseca, suas aspirações, seu autoconhecimento.

Minhas referências conceituais acerca da natureza humana têm outra fonte: uma visão cognitiva e auto-relizadora do ser humano – ou escola européia. Uma das principais referências desta escola são os trabalhos de Elliott Jaques (Tavistock Institute e Brunel University, Londres). Jaques, hoje, está para as teorias organizacionais, assim como Freud, para a Psicanálise e Adam Smith, para a Economia. Afinal, os únicos trabalhos científicos essencialmente longitudinais (20 – 30 anos, dados de mais de 15 países), centrados no estudo da complexidade do trabalho nas organizações e no da capacidade humana para o trabalho são dele e de sua equipe.

Jaques, entre outras coisas, pode ser considerado como ‘o pai do tempo’. Seus trabalhos levaram-nos a conhecer que uma das janelas mais importantes da atividade humana (ou cérebro, se preferir) é a janela do tempo. Seus trabalhos identificaram as ‘sete camadas de tempo’ para a organização do trabalho e das pessoas em torno do trabalho (Fig. 1). Ele descobriu que a maneira mais objetiva de se medir a complexidade de um trabalho é o tempo – a distância futuro na qual as pessoas conseguem se ver comprometidas com alguma coisa, ou o espaço de tempo futuro para o qual elas são capazes de formular metas e realizá-las. Bem, se conseguíssemos bater uma fotografia do horizonte de tempo com que os profissionais em uma organização estão trabalhando, provavelmente encontraríamos alguma distribuição parecida com a da figura 1.

Habilidades de construção de visões
Figura 1

Esta hipótese torna-se um dos pilares da concepção de Jaques sobre a natureza das estruturas hierárquicas e da capacidade humana para o trabalho. Ele constatou o que distingue um trabalho de outro, e conseqüentemente, a liderança, é o horizonte de tempo com que trabalhamos e projetamos ações no futuro. Por que os intervalos de tempo aumentam à medida que crescem as percepções de importância e responsabilidade, à medida em que o indivíduo desloca-se para níveis cada vez mais elevados nos sistemas executivos? Além disso, por que uma série regular de passos no nível da organização ocorre em determinados níveis de intervalos de tempo? Sua conclusão é a de que o intervalo de tempo máximo com o qual uma pessoa consegue lidar e alcançar mede e define o poder cognitivo dessa pessoa.1

Sete camadas de tempo, sete níveis máximos de complexidade para a gestão de um empreendimento (cinco para uma business-unit, sete para um empreendimento multinacional), sete níveis de capacidade das pessoas para conduzir ações no contexto do trabalho mundano.

Hoje, as pesquisas modernas com o cérebro estão confirmando e reafirmando as hipóteses de Jaques.2 Estas pesquisas falam de componentes biológicos específicos para o processamento e comando do futuro: os lobos pré-frontais, adiante da fissura de Rolando. Estudos sociológicos e antropológicos convergem. Outros sobre o desenvolvimento da cognição até o desenvolvimento moral sondam a mente como uma espécie de caixa do tempo: somos criaturas limitadas pelo tempo. Cada indivíduo, por sua natureza (autodeterminação) coloca-se limites sobre aquilo que irá se permitir fazer com o seu tempo, e, dentro desses limites, vive sua vida.

O desconhecimento dessa realidade fundamental gera boa parte da ansiedade profissional, que atinge qualquer organização, líder ou administrador. 3

Para Jaques, o alinhamento entre os horizontes temporais das tarefas e a capacidade das pessoas são a condição essencial para o pleno uso do potencial humano e o bem-estar no trabalho.4 Continuamos a tratar as pessoas como fornalha de carvão. Simplesmente abrimos as portas e atiramos um monte de tarefas sem atentar para o ‘horizonte de tempo’ de quem recebe essas atribuições. Depois nos perguntamos: por que os níveis de combustão da fornalha não atendem às expectativas?

Carreira, capacidade das pessoas e bem-estar no trabalho

Outro ponto fundamental do trabalho de Jaques é sua visão otimista e bem diferenciada da cultura tradicional de inteligência e ‘QI’. Com base em suas pesquisas ‘on-the-job’, cientificamente validadas, a capacidade das pessoas para o trabalho e para lidar com diferentes níveis de complexidade cresce ao longo do tempo. Durante mais de três décadas Jaques andou pelos corredores de numerosas organizações, observando e medindo o fator temporal como determinante do sucesso do gerenciamento de tarefas. Basicamente, suas conclusões apontam para diferenças significativas nas capacidades das pessoas, e estas têm a ver essencialmente com lidar com a incerteza e a ambigüidade, as quais formam um outro pilar de sua concepção.

Trabalhando com diferentes horizontes de tempo, as empresas conseguem se organizar para lidar com diferentes níveis de incerteza e, assim, integrar ações de gestão direta com ações tipicamente estratégicas e que demorarão muitos anos para frutificar (vide Fig. 1). Naquelas diferentes camadas de tempo, nós mostramos diferentes competências para lidar com a incerteza e a ambigüidade. Assim, dentro da organização, quando trabalhando com os diferentes horizontes de tempo alinhados, podem-se observar capacidade e competência no gerenciamento de fatores tais como:

  • Capacidade para considerar a incerteza como um recurso;
  • Capacidade para pensar além das regras;
  • Disposição para produzir teorias;
  • Uso de informações contraditórias;
  • Receptividade para todos os recursos;
  • Habilidade para ouvir o não dito;
  • Habilidade para procurar respostas divergentes e contraditórias, e conviver com a ambigüidade delas;
  • Habilidade para prestar atenção no que é, não é, e no que poderia ser;
  • Capacidade para conviver com o conhecimento, o desconhecimento, e também com aquilo que talvez nunca será desvendado;
  • Maior capacidade para conviver com processos de desenvolvimento, e menos com eventos.

Eu tenho convicção de que vocês, ao lerem estes fatores, poderão identificar em si mesmos maior ou menor tolerância ou habilidade de trânsito por eles. O que faz o tempo tão diferente de uma pessoa para outra ainda não tem uma explicação definitiva. Mas é possível o gerenciamento destas qualidades.

Jaques e sua equipe desenvolveram sistemas que conseguem identificar o ‘horizonte temporal’ das pessoas e das organizações, e a maneira de usar esta informação para o benefício mútuo. Para Jaques, a injustiça está em não reconhecer estas diferenças e apostar cegamente em processos de delegação que poderão causar perplexidade, ansiedade, decisões retardas, impróprias, sob a crença de que podemos fazer qualquer coisa em qualquer momento. Ele acha isto injusto, inadequado, e comprova o mau gerenciamento.5 (Fig 2)

Experiência dos sistemas
Figura 2

 

Todos evoluem para um nível além do atual. Contudo, como esta informação pode ser mais útil? Antes teremos que vencer um importante tabu. Se, de um lado, nossa capacidade cresce ao longo do tempo, existem diferenças individuais neste crescimento. Sem dúvida que para a empresa conhecer estes limites é fundamental, para que possa adequar a capacidade de acordo com os níveis de complexidade de trabalho. Mas, e a pessoa? Como reage, eventualmente, se tiver uma informação do tipo, ‘o melhor investimento de sua capacidade nos próximos 5/10 anos, com base no modelo Work Levels®, parece ser em atividades em que possa se responsabilizar pela condução de projetos, tarefas, com horizontes de tempo entre um e dois anos’ (tarefas assim são de gerentes de departamento, vendas, desenvolvimento, na carreira gerencial; ou assessores e consultores internos, na carreira ‘solo’). Contudo, para muitas pessoas, este ‘horizonte de tempo’ tende a se expandir no futuro (idade). E muitos podem experimentar mais uma, duas, três, quatro transições significativas na capacidade de condução do trabalho.

Entendemos que esta qualidade de informação traz mais benefícios do que prejuízos. Assim, as pessoas se fortalecem e podem pensar mais seriamente sobre o seu próprio destino. Este controle deve estar com o profissional que, sem dúvida, obterá benefícios por isso. Tudo isso tende a aumentar a probabilidade de sucesso da pessoa em trabalhos de equipe, grupos ou organizações.

Tudo depende ainda do grau de confiabilidade das políticas organizacionais. Em nossa experiência com milhares de feedbacks abordando a questão da capacidade humana e seu crescimento, e o como poderiam usar sua capacidade para o trabalho, observamos que muitas pessoas temem ser discriminadas por não ter grandes ambições como quer o senso comum. Averiguamos que muitas pessoas ficariam muito satisfeitas se as empresas aceitassem que estão felizes em determinados níveis de trabalho mesmo sendo intermediários. A crença de que todo subordinado quer o cargo de seu chefe nem sempre é verdadeira.

O conceito de trabalho que Jaques utiliza está associado ao uso do julgamento (trabalho humano não é medido pelo esforço ou energia empregada). Para ele, capacidade tem a ver com ‘o que fazemos quando não sabemos o que fazer’. Nosso trabalho, em encontrar o melhor match entre capacidade e desafio, visa, essencialmente, procurar contribuir para que todos se beneficiem do julgamento. Assim, é necessário um ambiente de confiança mútua. Usamos melhor nosso julgamento (intuições) quando não estamos sob stress, tensão, isto é, quando estamos na condição que entendemos por ‘flow’ (fig. 2).6

A condição de ‘flow’ ilustra tanto os benefícios como o mau uso da capacidade. Muitas empresas ‘promovem’ as pessoas para posições maiores por entender que sua alta performance (‘flow’) é indicador para promoção, sem aguardar o tempo de amadurecimento devido

Com estes pressupostos, entendemos que cada um possui um potencial, tanto atual como futuro, que hoje pode ser dimensionado, estimado, em termos de tendências, com relativo grau de precisão. E acreditamos que esta informação é essencial para o plano pessoal de carreira. Cada um de nós possui um projeto, ainda que inconsciente, de nosso futuro. A abordagem Work Levels® quer ajudar as pessoas a mergulhar em seus processos e compreender alguns aspectos de suas capacidades.

Muitas empresas não compreendem que a capacidade humana cresce ao longo do tempo. Muitas também, por terem promovido pessoas quando estavam em sua condição ‘flow’, acabam por querer confirmar a predestinação do ‘ser promovido ao seu nível de incompetência’. Esta, sim, uma profecia que se confirma pela inconsciência que se tem a respeito da capacidade humana e de seu crescimento. Não existe necessidade alguma de se promover pessoas ao seu nível de incompetência. Precisamos sim é conhecer as competências, e evitar julgamentos precipitados e, de fato, pseudo-otimistas acerca do quanto se pode fazer num determinado momento da vida. Acho justo utilizar conceitos e teorias que procuram garantir o adequado match entre pessoas e seus desafios – o que gera bem-estar e confiança nas políticas organizacionais. Qualquer pessoa desconfia dos julgamentos quando lhe oferecem algo acima ou abaixo de sua capacidade. Muitos se sentem constrangidos em recusar. Muitos gostariam de deixar de fazer o que fazem, outros de fazer muito mais do que realizam. A maior arte é gerenciar o uso da capacidade das pessoas. Os ganhos são muito mais compensadores do que formular discursos acerca do potencial infinito de cada um, o que, na prática, poucos acreditam. Mas todos acreditam, sem dúvida, na capacidade de auto-realização, do pleno uso de suas capacidades e seus recursos criativos em benefício do crescimento de uma comunidade. Esta me parece a responsabilidade essencial dos gestores de carreira ou desenvolvimento. A base é um profundo conhecimento da capacidade humana, seu desenvolvimento. Sem dúvida, isto não passa apenas pelos programas de treinamento. Também não entendemos que as perspectivas de carreira se encerram aos ’40’. Talvez esta seja a maior das blasfêmias acerca da natureza humana e sua capacidade. Jaques é claro: ‘muitos irão realizar o potencial após o período da aposentadoria’.7 Muitas empresas poderão estar perdendo competências em seus estágios de ‘sabedoria’, isto é, em momentos em que poderiam utilizar seu julgamento para problemas de maior complexidade para o benefício do empreendimento.

Referências Bibliográficas

  • Jaques, E., Journal of Applied Behavioral Science , Vol. 22, 1986.
  • Loye, D, Brain, Mind and Future Vision. Shambala, 1983.
  • Lynch, D., Kordis, P., The strategy of the Dolphin, Brain Technologies, 1988.
  • Jaques, E. Requisite Organization. Cason & Hall, 1996.
  • Jaques, E. Creativity and Work. Cason & Hall, 1988.
  • Adaptado de Mihalyi Cszencst. – Flow. Harper & Row.
  • Jaques, E., Human Capability. Cason & Hall. 1994.

Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

 

Read More
Carreira

Carreira e a crise da meia idade

A frenética busca por cursos e informação deve ser compensada pela reflexão individual a respeito das fases da vida e perspectivas. Esse cenário interior deve dar sentido às buscas externas. No curso do desenvolvimento passamos por fases críticas, as quais têm o caráter de pontos de mudança, ou rápidos períodos de transição. Talvez, a menos familiar seja a crise que tende a ocorrer em torno dos 35/40 anos de idade, a qual Elliott Jaques chamou de crise da meia-idade. Essa crise, na maturidade plena, tende a ocorrer também por volta dos 65 anos. É claro que essas fases, processos, e seu desdobramento e duração variam de pessoa para pessoa. Em torno desta idade, alguns dos sinais podem aparecer em relação à criatividade no trabalho de três maneiras: a carreira criativa parece ter chegado ao fim ou a criatividade parece estar ‘secando’; a capacidade criativa começa a querer se expressar pela primeira vez; ou uma decisiva mudança na qualidade e conteúdo da criatividade pode ter lugar. Os artistas refletem isto com relativa intensidade. Jaques acredita que em torno dos 37 anos muitas crises criativas assolam diferentes talentos. Ele estudou cerca de 310 pintores, compositores, poetas, escritores, escultores, e constatou que esta espécie de ‘morte súbita da criatividade’ explode entre os 37 e 39 anos aproximadamente. Muitos casos até com a morte física das pessoas. Jaques pensa que essas crises estão associadas a pelo menos dois fatores: mudanças no conteúdo do trabalho ou mudanças no ‘modo do trabalho’1.

Mudanças no modo do trabalho

O indivíduo – e falamos agora de qualquer pessoa, não só das geniais – em torno dos 20/30 anos tende a ter uma criatividade mais ‘quente’, intensa, espontânea, e se expressa como ‘pronta’. A produção consciente é rápida, o ritmo da criação também. A criatividade, ao final dos 30 anos e a posterior, é mais esculpida. A inspiração pode ser ‘quente’ e intensa, mas existe um grande passo entre os primeiros sinais de inspiração e o produto criativo final. A inspiração em si pode vir mais lentamente. Mesmo que existam ‘explosões’ de criação, são apenas inícios dos processos de trabalho. Em seguida, começa o processo de modelar e concluir o produto do trabalho, até ser exteriorizado. A elaboração inconsciente tem maior impacto.

Erik Erikson define as ‘oito idades do Homem’ – estágios pelos quais evoluímos e damos significado às nossas vidas. Desde a infância até a pré-adolescência, são quatro. Da adolescência à velhice, mais quatro. Erikson trabalha seus conceitos sempre em dualidades. Cada estágio representando temas e dilemas específicos. Tipicamente na idade do jovem adulto (20 aos 35 anos) e adulto (35 aos 65 aproximadamente), os temas vividos estão em torno de ‘identidade X confusão de papéis, intimidade X isolamento’, ‘generatividade X auto-absorção’. A ligação gerativa tem a ver com a idade adulta. A idade adulta pode ser caracterizada como tendo um senso de urgência muito forte, como na passagem do homem moribundo. Enquanto deitado com os olhos fechados, sua esposa lhe falava os nomes das pessoas que ali estavam para lhe desejar o ‘shalom’. De repente, ele pergunta para sua esposa: ‘quem está cuidando da loja?’ Este é o espírito da vida adulta, ‘manter o mundo’. O tema na vida adulta – ‘generatividade’ X estagnação e auto-absorção – envolve criatividade, produtividade e procriação e, portanto, a geração de novas coisas, como também novos produtos e idéias, incluindo o tipo de auto-criação preocupada com a identidade pessoal. Certo sentido de estagnação pode ser experimentado nessa idade, mesmo para os que são altamente criativos e produtivos. A grande virtude que emerge nessa idade é o ‘cuidar’ – cuidar das pessoas, dos produtos, das idéias que aprendemos a cuidar. O sentimento de estagnação pode trazer oportunidades de revisão de frustrações específicas, seja na vida afetiva ou na criativa. Cuidar opõe-se a rejeitar, isto é, a falta de vontade de incluir pessoas específicas ou grupos em seu território de ‘cuidar’ – não querer cuidar de. Neste estágio, questões como ética, leis, ideologias, crenças e insights são determinantes nas decisões com relação ao que se inclui/exclui. A busca por princípios mais universais são essenciais nesta etapa.

Uma adequada elaboração dos estágios é determinante para nossa saúde. A busca externa por dados, informação, deve ser contrabalançada por uma compreensão das demandas psicobiológicas da vida, de onde virão os significados. A vida adulta, adequadamente equilibrada, nos remeterá para o nosso último estágio – a velhice, na qual os temas são de outra dimensão: sabedoria X desespero, compreender, reconhecer, cuidar de gerações, ou desdenhar. De qualquer modo, a crise da meia-idade deve ser vista como oportunidade de autotransformação. Muita energia criativa e produtividade advêm de uma adequada compreensão dos nossos motivos e significados, e tudo isso sugere uma adequada atenção aos sinais de frustração, inquietude, normais de emergirem em torno e a partir dos 35 anos. Bem-vindo, agora, ou um pouco mais adiante.

Leia mais

Jaques, E. (1990) – Creativity and Work. International Universities Press. USA
Erikson, E. (1982) – The life cycle completed. Norton. USA


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

Read More
Capacidade, Carreira

Afinal, o que é um talento?

A intensidade na busca de talentos tem ganhado um peso cada vez maior. Ao abordar clientes, encontramos algumas questões ainda pouco esclarecidas sobre o assunto, tais como:

  • O que é um talento?
  • Como defini-lo?
  • Como medi-lo?
  • Como desenvolvê-lo?

Faremos algumas considerações, sem a pretensão de esgotar o assunto.

O que é um talento?

Você está assistindo a um programa de calouros e vê uma performance excepcional. Você está diante de um talento ou já vê uma competência em ação? Se talento, o que mais a pessoa poderá fazer com esse desempenho? Tornar-se um futuro compositor capaz de criar algo na música? Criar uma marca pessoal na música capaz de enriquecer rapidamente? Continuar animando bailes e apresentações?

Tais analogias também cabem ao ambiente organizacional e de trabalho. Vamos, rapidamente, comentar algumas teorias:

A teoria do dom natural

Se falamos em Beethoven, Picasso ou Da Vinci, por exemplo, podemos falar de dons naturais. Mas, estas personalidades, talvez, nunca tivessem interesse em atuar numa empresa. A teoria do dom natural tenta explicar o talento e a liderança, por exemplo. Mas, a liderança não é uma característica inata. Pessoas com efetivo interesse por pessoas podem aprender a liderar. Dons naturais nem sempre são os necessários para o sucesso numa organização. O que uma empresa precisa são de qualidades humanas mais ‘comuns’. Sem dúvida, certos traços são distintivos. Mas uma empresa não precisa daquelas genialidades para resolver seus problemas. É claro, se as tiver, muito melhor.

A teoria da inteligência

Temos capacidades especiais explicadas por nossa habilidade lógica, de abstração etc. As teorias da inteligência sofreram duros reveses no início dos anos 70 e 80. O sucesso na vida prática não está mais associado ao QI, mas a atributos explicáveis por um conjunto de competências cognitivas, experienciais e contextuais.

A teoria da formação acadêmica

Os mesmos estudos da inteligência e os conceitos do Work Levels afirmam que não existe qualquer relação entre sucesso acadêmico e uma vida prática bem sucedida. Elliott Jaques (autor da Teoria dos Sistemas Estratificados) é taxativo ao notar que a capacidade das pessoas para decidir, conduzir planos, não se aprende nos bancos escolares.

A teoria da criatividade

Uma capacidade de insight distintiva que faz com que tenhamos uma percepção nova acerca de algo ou de um problema. A questão da criatividade é rebatida no conceito Work Levels abaixo comentada. Toda pessoa é criativa, pois é uma característica distintiva do ser humano produzir objetivos, enxergar ao longo do tempo, sonhar soluções. A criatividade pode ser bloqueada, reprimida ou mal utilizada, se não conseguirmos alocar pessoas de acordo com suas capacidades, isto é, em Flow. Ser criativo é uma condição humana. A questão é o que fazer para permitir sua manifestação. Mas, em si, não distingue o nível do talento e nem o tamanho de problemas que podem enfrentar.

As teorias dos traços da personalidade e dos tipos psicológicos

Diferentes estudos mostram que não existe relação entre tipos psicológicos ou traços de personalidade e talentos. Não se consegue estabelecer qualquer correlação entre estilos ou traços (extrovertido, introvertido, dominante, agressivo, sociável) e o sucesso em diferentes posições na organização. Eles são úteis para o desenvolvimento do autoconhecimento, para as relações interpessoais e grupais. Mas não explicam em que tamanho de complexidade de trabalho uma pessoa estaria confortável tomando decisões.

A teoria da competência

Os conceitos de McClelland influenciaram o pensar das ciências humanas, quando questionou a relação entre o QI e o sucesso na vida prática. Propôs um modelo de identificação de competências. Este modelo nos auxilia a perceber o talento para o sucesso imediato, performance imediata. Afinal, toda avaliação por competências tem o foco nos comportamentos passados. Contudo, quando falamos de talento precisamos também estimar o comportamento futuro, em que nível poderá desempenhar. Uma das máximas do modelo por competências é que selecionamos por personalidade, experiência, conhecimentos e demitimos pelas competências.

Teoria do crescimento da capacidade e níveis de complexidade no trabalho

Os conceitos de Jaques e Stamp sobre a organização natural do trabalho e o crescimento da capacidade das pessoas foi exaustivamente pesquisado e construído on-the-job, e nos oferece as respostas mais adequadas para a questão que estamos discutindo. Três conceitos merecem destaque:

Primeiro conceito - níveis de complexidade no trabalho.
Organização é um fenômeno auto-organizado, uma expressão natural da necessidade humana de lidar com a complexidade. A intenção estratégia da organização definirá o tamanho das incertezas, complexidades e ambiguidades que ela se propõe - não só enfrentar como também influenciar.

Atualmente nos acostumamos com o mundo “VUCA’. Contudo, o mundo VUCA sempre foi uma realidade. Tanto que o termo foi cunhado e discutido por Elliot Jaques e Gilliam Stamp anos atrás[1], como algo natural a ser enfrentado por qualquer organização. Isto é, no mundo dos negócios sempre estaremos nos confrontando com ambiguidades, incertezas, volatilidades e, claro, complexidades.
Na busca de sobrevivência e crescimento, as organizações podem se estruturar por padrões de trabalho mais e mais complexos e que, consequentemente, exigirão diferentes capacidades para o sucesso do empreendimento. O modelo Work Levels define sete níveis de complexidade. Cada nível exige diferentes talentos para compreender e conduzir o trabalho.

Segundo conceito - trabalho.
O trabalho não é medido pelo esforço ou energia despendidos, nem tem a ver com o output específico, ou a tarefa. Trabalho é a ‘aplicação do conhecimento e o exercício do próprio discernimento e julgamento, de modo a alcançar um objetivo dentro de um tempo de realização definido’. Jaques foca o conceito de trabalho no que a pessoa faz e o diferencia do conceito de tarefa: a quantidade de coisas a serem produzidas. Em última análise, trabalhamos exatamente quando não sabemos o que fazer. Aí sim o trabalho humano se torna distintivo. Isto porque:

  • O trabalho (e sua complexidade e dificuldade) não está em percorrer caminhos conhecidos
  • O trabalho consiste em escolher caminhos ou construir novos caminhos ou, ainda, adaptá-los quando se encontram dificuldades inesperadas
  • Obedecer a regras, normas e regulamentos conhecidos não é trabalho: isto não constitui um problema; mas decidir a melhor maneira de obedecer, ou não, em determinadas circunstâncias pode ser um problema, porque as normas, legislação e valores organizacionais estabelecem limites.

Terceiro conceito - capacidade e seu crescimento.
Após mais de quarenta anos de pesquisa, existem evidências suficientes para afirmar que nossa capacidade para 'enxergar' mais adiante e para construir decisões, cresce ao longo do tempo. É possível compreender a capacidade atual das pessoas e estimar seu crescimento ao longo do tempo, de modo a antever os níveis de complexidade de trabalho futuro de alguém. Isto é fundamental para qualquer atividade planejada de desenvolvimento e sucessão. Afeta o gerenciamento dos talentos, fundamenta o planejamento da sucessão, e evita o ‘princípio de Peter’, de que cada um é promovido até o seu nível de incompetência’, sem dúvida, uma forma indigna de gerenciar pessoas.

Os talentos são diferentes?

Sim. Dentro do modelo Work Levels, encontramos sete níveis de qualidade de talentos, ou capacidade potencial - organizados em três áreas de agregação de valor:

Na Gestão Direta, temos dois níveis:

No Primeiro nível: o talento é exercido na relação direta com o output do trabalho. A capacidade é exigida para considerar horizontes de até três meses.

No Segundo nível: o talento é exercido na busca de solução para problemas complexos que envolvem considerar uma situação. É o nível do trabalho de análise e diagnósticos, ou de projetos corretivos. A capacidade é requerida para considerar e tomar decisões em horizontes de até três meses a 1 ano.

No Terceiro nível: o talento é exercido para modificar sistemas de modo a atender os desejos futuros da organização. É o nível das melhores práticas, da melhoria contínua, do pensamento sistêmico, das inovações incrementais. A capacidade é exigida para considerar e tomar decisões em horizontes de até um a dois anos à frente.

Gestão Organizacional

No Quarto nível: o talento será exercido no desenvolvimento estratégico de formas de garantir a competitividade futura do negócio. Pode envolver criação de novos modelos para a organização, políticas, criação de produtos, formas de se posicionar no mercado. É o nível da inovação de fato. A capacidade é exigida para considerar e tomar decisões em horizontes de dois a cinco anos.

No Quinto nível: o talento é usado para garantir a viabilidade e reputação futura do negócio, considerando um contexto sócio-político-econômico totalmente aberto e como as condições externas afetarão o futuro do empreendimento. É o nível da visão de futuro, onde se delineiam novas estratégias que afetarão o destino da organização. A responsabilidade é por lucros e perdas totais. A capacidade é exigida para considerar horizontes de até cinco a 10 anos à frente.

Na Gestão Corporativa

O sexto e o sétimo níveis de talentos. Eles serão empregados para a gestão multinacional dos negócios. Possuem um portfólio de negócios operando numa escala global. O talento é necessário para enxergar mudanças e possibilidades no comportamento da sociedade mundial, onde investir ou desinvestir, como considerar valores para as próximas gerações.

Pode-se medir o talento?

Sim. Diversos procedimentos foram estruturados no Bioss International, e pelo próprio Elliott Jaques. Aquilo que definimos como trabalho, isto é, o exercício do julgamento e do discernimento, aquilo que ‘fazemos quando não sabemos o que fazer’, envolve processos que são inerentes a cada organismo, a cada um. Como tal, não podem ser treinados, já que envolvem processos conscientes e inconscientes de cada pessoa.

Jaques é claro neste sentido. ‘Existem duas categorias maiores na atividade humana. Uma é a categoria da atividade proposital, expressada pelo comportamento orientado para um objetivo. A segunda é a categoria do livre fluir do ‘ensonho’, ‘da imaginação’, e que não tem um objetivo imediato – é um processo que foge ao consciente’. Estas duas atividades são essenciais para nossa sanidade mental. Temos metas, colocamos objetivos ao longo do tempo, e isto é determinante para nossa sanidade, para orientação. E, paradoxalmente, os processos pelos quais nossos discernimentos, julgamentos e escolhas são feitos, são inconscientes. O resultado das decisões são as formas observáveis de nossas escolhas.

Para medir a capacidade é necessário compreender na pessoa o que Jaques denomina de ‘complexidade dos processos cognitivos utilizados’, para se ter um indicador de seu nível atual de capacidade (potencial), e assim compreender em que nível de complexidade de trabalho uma pessoa pode utilizar ‘seu talento’.

Há uma grande diferença entre avaliações estáticas e dinâmicas. As estáticas se baseiam em testes tais como questionários, inventários ou mesmo testes de inteligência. Podem ser complicados, mas não complexos, já que não existe a variável incerteza em sua execução. A avaliação da capacidade potencial conforme o modelo Work Levels é uma avaliação dinâmica, isto é, um processo que faz com que as pessoas ‘mergulhem’ para dentro de si mesmas e nos permitam ‘observar’ como elas usam seu julgamento e o que seriam capazes de produzir com isso. A régua para compreender? Sempre o modelo Work Levels, que integra complexidade de trabalho e a capacidade potencial atual.

Afinal, para que você quer um talento?

Referências Bibliográficas

[1] It should be noted here that the term VUCA was coined by Elliott Jaques and Gillian Stamp and is 1 discussed fully in Jacobs T O (2002) Strategic Leadership: the competitive edge. Industrial College of the Armed Forces (ICAF) Publications. For a further discussion of VUCA environment by Lt Gen Sir John Kiszely (having worked closely with Gillian Stamp) see: Kiszely, J. (2008). ‘Coalition Command in Contemporary Operations`, in Williamson M (ed) Democracies in Partnership: 400 Years of Transatlantic Engagement

Nota: Artigo originalmente publicado no antigo site do Instituto Pieron.

Clique aqui para ouvir no Spotify.

[vc_row][vc_column][vc_column_text css_animation=”top-to-bottom”]Texto original de 01/08/2016

Pieron Reflexões

Read More