Complexidade, Liderança

Por Que o 9 Box Causa Desastres?

Não posso culpar uma matriz no PPT pelos desastres de gerenciamento que encontramos por aí. Afinal, o famoso 9 BOX não é nada além disso: uma matriz 3x3 onde alguém decidiu inputar dados sobre desempenho e potencial de alguns profissionais.

Desempenho é uma dimensão menos polêmica, afinal qualquer gerente que se preze tem um julgamento muito claro sobre o quão bem cada um de seus liderados está realizando suas tarefas. É verdade que o “deep state” organizacional faz de tudo para complicar esse processo, mas isso é assunto para outra thread.

Contudo, quando começamos a falar de potencial, o buraco é mais embaixo e é daí que vem a fama negativa do 9 BOX. Se eu não tenho uma definição clara do que é potencial e não sei como medi-lo, vou alimentar meu 9 BOX com o que?

E nesse ponto que vemos todo tipo de extravagância: potencial se confundindo com personalidade, agilidade de aprendizagem, competências, QI e por aí vai.

Garbage in, garbage out” já diziam os sábios.

Quando um comitê de carreira e sucessão se reúne para falar de potencial, o objetivo é identificar pessoas que poderão trabalhar em níveis mais altos de complexidade (chamamos isso de Work Levels). Grandes empresas tipicamente terão 5 Work Levels, com o CEO no WL-5, seus reportes diretos no WL-4 e assim por diante (algumas corporações podem ter 6 ou 7 WLs e empresas menores, naturalmente, requerem menos níveis).

O ponto chave é que cada um desses Work Levels são bastante diferentes entre si e, naturalmente, são poucas as pessoas que poderão crescer para os níveis mais altos de complexidade de trabalho.

O que determina se uma pessoa pode ou não dar conta do trabalho em um determinado Work Level não é sua personalidade, QI, estilo de aprendizagem, extroversão, dominância, formação acadêmica, conhecimentos ou experiências. O fator diferenciador é a capacidade que ela tem de enxergar variáveis, lidar com abstrações e enxergar ações ao longo de diferentes horizontes de tempo e atuar sem feedback. E, portanto, é isso que qualquer medida de potencial deveria capturar. Como não o fazem, é o 9 BOX que acaba levando a fama de mau.

Na nossa prática junto a nossos clientes não recomendamos o uso do 9 BOX (preferimos o Talent Pool), mas acabamos adquirindo muita experiência em ajustar o seu uso. Como? Simplesmente trazendo um conceito de potencial claro, adequado e mensurável. Não falamos de potencial alto ou baixo… falamos de potencial para que (que nível de trabalho?) e para quando (hoje? daqui a 5 anos? 10 ou 20 anos?).

Se sua empresa tem esse problema com o 9 BOX, você não precisa necessariamente descartá-lo. Comece revendo o que está sendo usado para alimentá-lo e faça os ajustes necessários.

Temos um texto mais completo sobre isso neste link: https://www.pieron.com.br/talent-pool-ou-9-box

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Capacidade, Complexidade

Você quer organizações exponenciais?

...então comece por esquecer a compreensão da capacidade das pessoas baseada na curva normal.

Se você pensa em ter uma organização exponencial, então evite a lógica da curva normal para buscar pela capacidade potencial das pessoas para se responsabilizar por decisões em altos níveis de complexidade do trabalho.

Organizações exponenciais conseguem resultados absurdamente maiores do que seus concorrentes: criam alta competitividade por meio de tecnologias continuamente crescentes tais como machine learning, IoT, analytics etc.; têm um propósito massivamente transformador; e obtêm vantagens das relações com o público e a comunidade externa, entre outras qualidades. Não são organizações normais.

Testes de QI, QE, personalidade, tipos etc. partem do pressuposto de que as pessoas se distribuem numa curva normal. Porém, ao se considerar o quão à frente as pessoas conseguem julgar, planejar e tirar proveito de variáveis atuais, daquelas altamente instáveis e seus desdobramentos futuros, então você está buscando outra coisa: algo que possa fazer uma diferença exponencial!

A distribuição da capacidade potencial para verdadeiras inovações, transformações, para enxergar à frente e captar janelas no futuro tem uma distribuição exponencial – não falamos de pessoas normais. Então, o que você quer?

Para identificar tais capacidades é necessário um modelo baseado em pesquisa e sustentado no longo prazo; e um olhar igualmente exponencial para as pessoas sem que sejam confundidas com medidas médias ou medianas. O que se quer são capacidades para trabalhar com horizontes de tempo bastante estendidos, por isso pessoas raras, não a maioria. A natureza da capacidade humana para tomar decisões no contexto amplo do trabalho não se explica pela curva normal!

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Complexidade, Contexto, Liderança

Os sete níveis do empreendedorismo nas start-ups

Empreendedorismo é a palavra da moda. Não se fala mais em criar um negócio que adicione valor à sociedade; fala-se em ser empreendedor; não basta ser empresário, há que se fundar uma start-up.

O lado positivo desta tendência – quer crer minha faceta mais otimista – é que existe uma crescente parcela da população disposta a assumir riscos. E isso, sem sombra de dúvidas, pode ser muito bom; para tanto, basta que os agentes que se beneficiarão dos upsides sejam os mesmos que sofrerão com os downsides.

Mas – agora deixando o otimismo um pouco de lado – a verdade é que a palavra empreendedorismo é usada quase como um mero sinônimo de “novas ideias” e “criatividade” ou com o sentido de “dar vida a novos produtos [1]” e “ganhar muito dinheiro”. Em casos mais extremos – impossível deixar de notar –, a palavra é usada para atrair jovens para palestras de autoajuda.

Apesar de todas as fantasias que circundam o “mundo dos empreendedores”, o sucesso de uma empresa sempre dependerá da interação entre o trabalho empreendedor e o trabalho executivo. Um não caminha sem o outro; na dúvida pergunte a um empresário – ele lhe ajudará a encontrar e a colocar os pingos nos is.

Mas qual, afinal, qual é a diferença entre os dois?

  • Trabalho empreendedor: identificar oportunidades para que as organizações adicionem valor às sociedades, satisfazendo alguma necessidade existente ou latente; promover o crescimento das organizações, levando a cabo as mudanças e investimentos necessários ou, até mesmo, começando-as do zero.
  • Trabalho executivo: gerenciar as organizações para que elas forneçam bens e serviços, cada vez melhores e de forma eficaz, às sociedades; promover melhorias em todas as atividades, sistemas de trabalho e relacionamentos que sejam necessários. [2]

Tendo em mãos uma definição clara do que constituí trabalho empreendedor e trabalho executivo, conclui-se que dizer que alguém é um empreendedor faz tanto sentido quanto dizer que outrem é um líder; ou seja, não faz sentido algum.

O exercício da liderança e do empreendedorismo não podem ser entendidos despegados de alguma função específica ou sem um mínimo de contexto. Por exemplo, toda pessoa que ocupa um cargo de gerência é, por definição, um líder. Afinal, um gerente é aquele que presta contas não apenas pela sua própria eficácia pessoal, mas também pelo resultado do trabalho dos seus subordinados. Mas, claro, nem todo líder é um gerente, já que o exercício da liderança também é inerente a outras funções, tais como a do presidente da república e a do brigadista de incêndio. Uma regra para a vida: se você perguntar para alguém o que faz da vida e ele responder que é um líder, desconfie.

O mesmo raciocínio é válido para o empreendedorismo. Não importa se você é um pequeno empresário ou o CEO de uma corporação multinacional; em ambos os casos você – independentemente de vontade ou vocação – tem que exercer o trabalho empreendedor e também o trabalho executivo e também a liderança. Empreendedor não é substantivo, é adjetivo (apesar do que os dicionários possam lhe dizer a respeito).

Enfim, agora que temos claro o que é empreendedorismo, podemos voltar nossa atenção para como ele se manifesta. A descrição de cada um dos sete níveis [3] foi pensada para trazer exemplos típicos de como o trabalho empreendedor pode se manifestar em start-ups; mas – agora você já sabe muito bem disso – o mesmo raciocínio se aplica a organizações já estabelecidas.

Nível 1

O foco do empreendedorismo neste nível é buscar formas não prescritas de realizar algo que foi especificado anteriormente. O foco está nas interfaces e na experiência que as pessoas têm com a organização. Pense num repositor de gôndolas num supermercado que, ao notar que um cliente não está encontrando o produto que procura, se oferece para ir até o fundo da loja para checar o estoque e encontrar o item procurado. Ou pense num programador, que ao perceber que a forma com a qual algumas linhas de código de um programa utilizado por milhões de pessoas foram escritas pode ser otimizada, reescreve-as para economizar capacidade de processamento e aumentar a performance para os usuários finais. Os atores nos exemplos em questão encontraram formas não prescritas de cumprir o propósito de “ter clientes satisfeitos” e “boa experiência de uso”, respectivamente. Às vezes chamamos isso de “ter capricho com o que se faz”.

O trabalho neste nível é, obviamente, de extrema importância, pois é aqui onde os clientes de fato experimentam e interagem com a organização; mas a criação de uma start-up – como um negócio de verdade –torna-se mesmo possível a partir do nível seguinte.

Nível 2

Neste nível, o empreendedorismo está em encontrar as melhores soluções para os problemas existentes. Pense num engenheiro de computação que percebe que o processo de agendar reuniões entre várias pessoas é lento e moroso; e, para otimizá-lo, usa seu conhecimento e habilidades para criar um aplicativo que automatiza todo o fluxo e evitando frustração e caixas de e-mail lotadas. Ou pense num estudante de doutorado alemão que, frustrado com o espaço que os arquivos de áudio ocupam no seu computador, percebe que pode desenvolver um mecanismo para compactá-los com perda mínima de qualidade e cria o que hoje conhecemos como MP3.

Fica claro que a concepção de muitos produtos e tecnologias que acabaram mudando a forma como trabalhamos e interagimos aconteceu neste nível. Grande parte das start-ups que se tornaram empresas de bilhões de dólares surgiram aqui. Apple, Google, Facebook e Uber são apenas alguns exemplos. Mas somente quando migram para o terceiro nível é que as start-ups começam mesmo a ganhar o mundo.

Nível 3

Neste nível, começamos a falar de miniorganizações: a start-up “deixa a garagem do fundador” e tem que se preocupar com outros aspectos do negócio além do próprio produto que, via de regra, motivou sua constituição. O foco passa a ser encontrar caminhos alternativos para que a organização cresça e alcance cada vez mais clientes ou usuários. Requer um plano para alcançar objetivos que estão um ou dois anos à frente e caminhos alternativos para alcança-los.

Percorrer esses caminhos acaba envolvendo outros focos que talvez estivessem num plano secundário, mas que agora são necessários para o sucesso e crescimento: a função de vendas e as funções de apoio à operação são exemplos notáveis. Uma start-up que migra com sucesso do nível 2 para o nível 3 consegue fazer com que seu propósito seja realizado e efetivamente transformado num negócio que tem forma e é (ou deveria ser) autossustentável.

Nível 4

Start-ups amadurecem para este nível quando passam a ter mais de uma forma por meio da qual realizam seus propósitos. Via de regra, isso significa que deixam de ser centradas num só produto (ou linha de produtos) para atuar de formas bastante diferentes. Lembra-se quando o Google deixou de ser apenas centrado em search e lançou o Gmail?

Mas, claro, o trabalho não é simplesmente lançar novas linhas de produtos. Estamos falando de olhar para fora, identificar mudanças e tendências (mercadológicas, tecnológicas ou sociais) e agir para que organização esteja em posição competitiva anos à frente. No Nível 3 bastava construir um caminho (ou caminho alternativos); neste quarto nível são necessários vários caminhos paralelos e interconectados para que se alcance o resultado desejado. É necessário julgar, de forma prática, se as novas iniciativas se encaixam com os grandes sistemas de trabalho existentes e promover as adaptações necessárias para que todos caminhem de maneira simultânea e coordenada.

Interessante notar que é o Nível 4 de organizações já estabelecidas que se encarrega – ou deveria se encarregar – de neutralizar a ameaça que as start-ups emergentes representam para seus negócios. Um dos exemplos mais infames é a IBM, que, na década de 1970, deixou de notar (ou de levar a sério) a ameaça que representavam os computadores pessoais. Ou as gigantescas concessionárias de telecomunicações e TV a cabo, que, mesmo tendo acesso abundante a capital, não conseguiram se posicionar para tirar proveito das tecnologias emergentes que colocariam em cheque seu modelo de negócios. Como resultado, hoje se encontram reduzidas a meras fornecedoras de infraestrutura de dados para as plataformas que se apoderaram do cliente final (Skype, Netflix, WhatsApp e YouTube são apenas a ponta do iceberg).

Nível 5

Empresas que alcançam este nível já não são mais start-ups. Chegaram aqui porque já obtiveram sucesso, criaram valor e angariaram clientes com algum produto que serviu como seu cartão de visitas; já cresceram, expandindo seu mercado potencial e tornando-se acessível para novos nichos ou geografias; e também já inovaram, no verdadeiro sentido da palavra, buscando novas formas de atender aos seus clientes e realizar seus propósitos. Neste nível, o trabalho é tão simples – e tão complexo – quanto sustentar o bem-estar da organização.

Empreender neste nível requer entender o negócio como um sistema complexo e navegar constantemente pelo ambiente em que ele está inserido para criar uma representação de como a organização deveria ser. O objetivo é assegurar seu sucesso e viabilidade – social e financeira – no longo-prazo (tipicamente cinco a 10 anos à frente). O empreendedorismo não está mais em apenas encontrar soluções, definir caminhos e integrar formas simultâneas de atuação; está, sim, em constantemente colocar em xeque, definir e redefinir o propósito da organização e fazer com que este propósito seja plenamente materializado em todos os seus níveis.

Aqui falamos do verdadeiro trabalho de um CEO; aquele que navega um ambiente formado por grandes grupos de stakeholders diversos e com interesses muitas vezes conflitantes entre si: acionistas, empregados, fornecedores, clientes, governos e reguladores. Os assuntos são propósito, viabilidade financeira, papel social, cultura organizacional, modelo de gestão etc. e o trabalho é fazer com que suas representações possam se materializar em todos os níveis do empreendimento. Entende-se que somente assim a organização prosperará.

Nível 6

Agora entramos no nível das corporações. Esqueça um negócio; o trabalho agora é monitorar e aumentar o valor de um portfólio de negócios autônomos e diversos entre si. Empreender requer entender contextos e antecipar grandes mudanças globais para proteger as unidades do portfólio. É preciso balancear o global e o local, e integrar valores institucionais com culturas específicas nas quais a organização está inserida. Requer uma representação sobre como grandes tendências se desenrolarão mundo afora e decisões sobre a criação ou compra de novos negócios (e também sobre a descontinuação ou venda de alguns deles). As decisões são tomadas agora e os resultados tornam-se tangíveis apenas 10 a 20 anos à frente.

Um exemplo recente e que ajuda a ilustrar a transição de uma organização do Nível 5 para o Nível 6 foi a criação da holding Alphabet. O trabalho no Nível 6 é proteger e alocar recursos para unidades de negócio completas, que têm propósitos tão diversos quanto criar hardware elegante para residências (Nest), tornar a medicina proativa ou invés de reativa (Verily), lutar contra o envelhecimento e estender a vida humana (Calico), revolucionar a vida urbana (Sidewalk Labs), além de – é claro – organizar as informações do mundo e torná-las mundialmente acessíveis e úteis (Google).

O empreendedorismo neste nível é navegar e criar um network de altíssimo nível para que se possa entender o que está acontecendo no mundo para alocar recursos entre negócios diversos, com propósitos diferentes, devendo, inclusive, ajudar CEOs no Nível 5 a reverem seus propósitos e direcionamentos estratégicos. Envolve criar e encerrar negócios e integrá-los numa representação coerente dos valores e forma de atuação de uma corporação.

Nível 7

Negócios e portfólios de negócios não são mais tão interessantes em si mesmos, mas podem ser um veículo para algo maior. O trabalho agora é criar novos valores para sociedades e para futuras gerações. Os resultados estão mais de 20 anos à frente e há a aceitação de que talvez não seja possível ver o fruto do próprio trabalho; o valor está sendo criado para futuras gerações que ainda estão por vir. “Como levar a cabo mudanças que garantirão a sobrevivência dos valores ocidentais para gerações que ainda não nasceram”? “Como promover um modelo organizacional que revolucionará a confiança institucional e o bem-estar das sociedades”? São perguntas deste tipo que têm de ser respondidas neste nível.

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Espero ter deixado claro que o trabalho empreendedor tem facetas muito diferentes e que são pouquíssimas as pessoas que têm ou em algum momento terão a capacidade de trabalhar nos níveis mais altos que descrevi acima. O empreendedorismo para um recém-graduado buscando uma ideia inovadora que justifique a criação de uma empresa significa algo muito diferente do que o empreendedorismo para o CEO de uma empresa que fatura alguns bilhões de dólares. Empreendedorismo não é apenas um “estilo de vida” ou uma “ideia agradável”; é algo que requer trabalho duro e, cada vez mais, tolerância à incerteza.

Notas:

[1 ] Uso a palavra produto para me referir a qualquer bem ou serviço oferecido para a sociedade; [2] Esta é uma das ideias centrais que Nassim Nicholas Taleb desenvolve em Antifragile; [3] Esta distinção foi inicialmente descrita por Elliott Jaques e agora revisitada para este artigo; e [4] – Os sete níveis de abstração a ação humana foram descobertos e descritos por Elliott Jaques e posteriormente destilados por Gillian Stamp no que chamou de Matrix of Working Relationships; este modelo, naturalmente, serviu de base para o pensamento por trás deste artigo. É também parte central do trabalho do Instituto Pieron junto às organizações por meio do que chamamos de Work Levels.

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Capacidade, Complexidade

Foi Deming quem disse isso?

Aí vai uma frase que ainda causa problemas:

Não se pode gerenciar o que não se pode medir.

– Deming disse isso, certo?

– Na verdade não. A frase é amplamente atribuída a Deming, mas parece que não foi ele não.

– Mas faz sentido essa frase, né?

– O que acha?

Se pudéssemos gerenciar apenas o que conseguimos medir, estaríamos em sérios apuros (ou, se você é um pessimista, ainda mais em apuros). Gerenciar é utilizar recursos disponíveis, e respeitar limites prescritos, para levar alguma coisa numa determinada direção ou manter tal coisa dentro de parâmetros desejados. Quando temos que gerenciar algo que não podemos medir ou conhecer por completo, quando as informações são ambíguas e incompletas, só nos resta uma alternativa: julgar e decidir. E, aliás, é exatamente para isso que somos pagos.

Quando conhecimentos, experiência e habilidades não são suficientes, a única opção é usar nosso julgamento e seguir em frente. Quanto mais você sobe numa hierarquia de emprego, por exemplo, mais o trabalho envolve julgamento. Isso é verdade porque as decisões nos níveis mais altos têm que ser tomadas com base em informações incompletas, frequentemente inconsistentes e em situações de fronteira, nas quais conhecimentos e experiência fazem pouca diferença. Gillian Stamp ilustra isso com a seguinte provocação: “O que você é capaz de fazer, quando não sabe e não se pode saber o que fazer? ”

Portanto, dizer que “não se pode gerenciar o que não se pode medir” é o equivalente a dizer que seres humanos não deveriam se engajar com a complexidade, limitando-se a atuar em ambientes concretos, onde as decisões podem ser tomadas com base em experiência, conhecimentos técnicos e abundância de dados.

Somos capazes de mais.

E se a frase fosse boa, acho que Deming a teria dito.

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Complexidade, Estrutura

O ABC e a opcionalidade do Google

Ontem Larry Page anunciou uma reorganização no Google e a criação da Alphabet Inc., uma nova holding que consolidará todos negócios do grupo. O maior desses negócio é o próprio Google, que passa a ser uma subsidiária integral da Alphabet e passa a ter um CEO próprio. Outros negócios, que passam a ser irmãos do Google, incluem as iniciativas nas áreas de saúde, automação residencial, drones e investimentos.

Alguns comentários foram bem rápidos ao reduzir a reorganização a uma suposta tentativa de atender aos pedidos de investidores e analistas de ações, que sempre quiseram acesso a informações financeiras e operacionais de forma detalhada e segmentada. Soa como simplismo demasiado e o ponto essencial parece ter sido ignorado: o Google quer preservar sua opcionalidade.

Recomendo a leitura do anúncio feito ontem (10/8/2015), que é um ótimo exemplo de como uma corporação com market cap de USD 450 bilhões pode se comunicar de maneira clara e sem rodeios. Marco Antônio Antonino —  que, assim como Sergey Brin e Larry Page, também liderou um império com bastante sucesso e nas horas vagas era filósofo — ficaria orgulhoso do estilo sem excessos.

O que é opcionalidade?

Opcionalidade é uma propriedade que se refere a situações nas quais os ganhos potenciais são muito altos (às vezes ilimitados) e os riscos, muito pequenos e previamente quantificáveis.

Um exemplo notório de opcionalidade é a estratégia de investimentos de fundos de venture capital. Esses fundos fazem pequenos investimentos num grande número de start-ups. A maior parte desses investimentos é perdida, mas um único caso de sucesso pode trazer retornos da ordem de 10.000%. A ideia é que esses retornos excepcionais cubram todas as perdas e ainda proporcionem ganhos extraordinários aos investidores.

Se você quer saber mais sobre opcionalidade, recomendo ler os livros de Nassim Taleb. Por enquanto, basta saber que opcionalidade não é monopólio dos fundos de venture capital. Qualquer organização pode — e deve — criar suas próprias opcionalidades.

Onde está a opcionalidade do Google?

Duas passagens são particularmente interessantes para quem se interessa por gestão e mostram, na prática, o valor da opcionalidade.

A primeira passagem resgata o que tem sido a estratégia do Google desde sua criação:

As Sergey and I wrote in the original founders letter 11 years ago, “Google is not a conventional company. We do not intend to become one.” As part of that, we also said that you could expect us to make “smaller bets in areas that might seem very speculative or even strange when compared to our current businesses.”

Isso é uma boa resposta às críticas que muitas companhias inovadoras recebem ao criar opcionalidade. Muitas vezes as críticas são justificadas com o uso de termos como “core business” e “foco”. É preciso saber a diferença.

Vamos à segunda passagem. Sistemas nos quais as decisões são centralizadas reduzem ou eliminam opcionalidade, já que reduzem o número oportunidades de retornos assimétricos. Estruturas organizacionais são exemplos clássicos de sistemas que podem criar (ou destruir) a opcionalidade e o Google parece entender isso de forma muito clara, a julgar pela passagem abaixo:

Our company is operating well today, but we think we can make it cleaner and more accountable.

Estruturas organizacionais que têm o número certo de níveis gerenciais (sim, existe ciência para isso!) conseguem obter muita clareza de autoridades e responsabilidades. Isso abre espaço para que as decisões sejam tomadas de forma descentralizada e para que a organização se beneficie dessa opcionalidade.

Outro ponto que vale mencionar é que empresas que promovem uma reorganização dessa magnitude e repercussão, tipicamente o fazem apenas quando têm que lidar com performance insuficiente e/ou quando motivadas por alguma tentativa de arbitrar o valor de seus ativos. Temos que tirar o chapéu quando isso é feito em momentos de bonança, como parece ser o caso em pauta.

O movimento é acertado ou não? O tempo dirá. Independente disso,  temos que cumprimentar organizações que não têm medo de fazer movimentos para criar mais opcionalidade, aumentar suas chances de repetir ou amplificar os sucessos do passado e conviver bem com a incerteza e ambiguidade que caminha junto a tudo isso.

Investidores parecem ter reagido bem, já que as ações do Google subiram 6% no dia de hoje. Mas isso não quer dizer nada. Como julgar, em um pregão, o valor de decisões que surtirão efeitos pelos próximos 10 ou 15 anos?

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