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Resiliência na Turbulência

Turbulência e resiliência são palavras de uso freqüente, principalmente quando as pessoas sentem que estão diante de condições sem precedentes e na diversidade da mudança.

Resiliência tem a ver com o fazer o melhor da turbulência. Turbulência tem certas características e a resiliência tem qualidades adicionadas ao potencial de fazer o melhor de ambas. Mas cada uma destas qualidades é frágil não somente em si mesmas, mas também na rede de conexões com outras. As qualidades da resiliência requerem apoio e sustentação, o que se consegue por meio de três atividades: ‘tasking’, ‘trusting’ e ‘tending’, que podem ser utilizadas para aprofundar a resiliência de si mesmo e do empreendimento.

A imagem de ‘águas intranqüilas e ameaçadoras’ é amplamente utilizada para traduzir a turbulência. Surpresa, novidade, eventos invasores ou perturbadores, com causas desconhecidas, remédios desconhecidos, urgências desconhecidas, tempos de conclusão desconhecidos e fatores misturados também desconhecidos, criarão uma complexidade adicional em pontos posteriores no processo.

Resiliência – capacidade para ‘rebater’ mesmo nas circunstâncias mais demandantes – é a qualidade procurada tanto nas pessoas como nas organizações. Talvez até por ter um sentido mais dinâmico ‘resiliente’ veio substituir ‘robusto’.

Flow

Mihalyi Csikszentmihalyi cunhou este termo, associando-o ao ‘bem-estar’, em seus estudos sobre estresse. Estar ‘em flow’ significa viver uma situação em que nossa capacidade se encontra amigavelmente alinhada ao que estamos fazendo. Este fazer pode ser escalar uma montanha, fazer uma cirurgia, lançar dados, desenvolver um novo produto, o que quer que seja. A pessoa ‘sabe’ que a princípio é possível controlar, que tem um claro senso do significado intrínseco, porque não se pode entrar ‘in flow’ a menos que o desafio faça sentido à pessoa. A atividade se torna intrinsecamente recompensadora, o self ‘mergulha’ na atividade por se identificar profundamente com o que é feito.

O ‘flow’ não é um estado de luxúria. Sua função parece ser a de induzir a pessoa a crescer dentro daquilo que procurará como o significado e recompensas intrínsecos o mais freqüentemente possível e o alcançará somente quando se dispõe a enfrentar os desafios do crescimento e do desenvolvimento das capacidades. Isto pode ser visto nas circunstâncias em que se tem que reverter situações caóticas em experiências significativas. A ação parece ser a de desenvolver ordem a partir da desordem, conseguir criatividade em ambientes de fortes restrições.

Resiliência

A resiliência parece depender de três elementos: significado – a sensação de que vale a pensa investir energia e atenção num desafio; inteligibilidade – a confiança de que se é capaz de desenvolver alguma ordem dentro da situação; maneabilidade – a confiança de que os recursos necessários estão acessíveis. Estes elementos se cristalizam em perguntas simples: a pessoa pensa que é capaz de compreender? Pensa que é capaz de administrar? Pensa que deseja administrar as condições?

Aparentemente a inteligibilidade tem primazia. Para que os recursos estejam disponíveis é necessário ter clareza do quadro de demandas de modo que a maneabilidade é contingente à alta inteligibilidade. Mas isso não significa que a pessoa acredita que possa gerenciar bem. Inteligibilidade e maneabilidade geram forte orientação para a mudança, com a direção do movimento determinada pelo senso de significado da pessoa – se ela realmente se importa, então haverá uma motivação poderosa para buscar os recursos onde quer que se encontrem. Sem esta motivação a pessoa pára de responder aos estímulos e o mundo logo se torna incompreensível; e nem há o ímpeto de procurar pelos recursos.

Resiliência e ‘flow’ se conectam de diversas maneiras: a) ambos têm a ver com a ‘ordem a partir da desordem’; b) ambos levam a pessoa além da busca de certeza, tornando possível conviver eficientemente com a incerteza; c) ambos referem-se a modelar o próprio destino; e d) os componentes-chave de ambos são o significado e a inteligibilidade.

Bem-estar

Há analogias entre resiliência e o sistema imunológico. Alta qualidade de saúde e bem-estar tem a ver com o ‘controle do destino’. Há ligações entre perda do controle afetando diretamente o cérebro por meio dos níveis de cortisona e funcionamento hormonal. Aborrecimentos e frustrações geram o ‘mau estresse’ e podem acumular gorduras abdominais. Neurocardiologistas sugerem que de 60% a 65% das células do coração são neurais e não musculares. O coração é um poderoso gerador eletromagnético e o campo gerado por ele é profundamente afetado por nossas respostas emocionais aos desafios, surpresas e oportunidades. Ou seja, turbulência.

Turbulência

Sentir-se confortável na turbulência e na incerteza são qualidades do ‘flow’ e da resiliência: nem ‘retirando-se’ do cenário nem procurando dominar o ambiente, mas encontrando maneiras de estar harmoniosamente nele, mergulhando nele, e indo além da busca pelas certezas. Não se deixar subjugar ou submergir, mas fazer mais disto tudo.

A inteligibilidade na turbulência pode ser sumariada em três características proeminentes:

  • há uma ‘ordem para liberdade’ – novas formas e oportunidades emergirão espontaneamente do imprevisível e totalmente fluido
  • existem ‘irregularidades regulares’ – o sistema pode ser imprevisível por longos períodos de tempo, mas existem temas que podem ser discernidos
  • pequenas diferenças freqüentemente desapercebidas possuem conseqüências enormes e inesperadas

São três as qualidades requeridas para a pessoa fazer o melhor nestas condições:

  • Coerência – significado para a pessoa e para a organização como um todo torna mais provável que as coisas acontecerão por si mesmas e que novas maneiras de se fazer as coisas surgirão espontaneamente – ressonância. Coerência é a pedra de toque para o julgamento e discernimento pessoal; numa organização ela assegura que o julgamento sobre os recursos e as iniciativas estão alinhados para servir ao propósito
  • Discernimento – prospera nas ‘irregularidades regulares’ encontrando um caminho na turbulência. Discernimento é o precursor da ‘inteligibilidade’, do julgamento e das decisões sadias e robustas que assinalam para a procuradoria responsável dos recursos
  • Revisão – maximiza as chances de captar as pequenas diferenças que podem ter implicações inesperadas para a reputação, recursos e maneabilidade. Um dos resultados de se estar em ‘flow’ é que temos energia para colocar nossa atenção nos pequenos detalhes do ambiente e nos compelimos a aprender sobre onde estão os recursos, como são utilizados, o que aconteceu, o que funcionou, o que poderia ter sido feito diferentemente – sem culpar e com tolerância ao erro, o que pode ser descrito como ‘remédio’ para a irreversibilidade em condições turbulentas

A experiência do Bioss International e Gillian Stamp

A sustentação efetiva das três qualidades (coerência, discernimento e revisão) requer outras três atividades gerenciais essenciais:
~ Tasking – compartilhar a intenção, acordar que deve ser feito e para quando, acordar quanto aos recursos, criando o espaço discricionário para o trabalho e preparar para a revisão.
~ Trusting – entregar aos cuidados de alguém com propósito e confiar no julgamento individual com base na pedra de toque da coerência.
~ Tending – é o trabalho que mantém as coisas juntas, especialmente na turbulência; um cuidado contínuo, monitorando sem policiar. Como a jardinagem, o tending raramente é visto como um ‘trabalho de fato’ porque o resultado – um jardim florido, uma equipe que prospera, uma amizade para a vida toda, ou uma organização resiliente – parece que simplesmente acontece.

Resilience in Turbulence

O Tripod of Work tem sido utilizado pelo Bioss e Instituto Pieron em países e empresas diferentes, focando o desenvolvimento organizacional e da liderança.

Tripod of Work - resilience

Dá sentido ao modo de trabalhar que queremos para nós e para os outros. O desapontamento surge quando percebemos que esta unidade aparentemente simples e muito desejada de fazer as coisas é extraordinariamente difícil de alcançar e ainda mais de se manter sustentada.

A manutenção da qualidade de vida tem a ver tanto com o mudar as condições sociais de modo a mantê-las mais condutoras ao flow bem como fortalecer os recursos das pessoas de modo a que sejam capazes de experimentar o flow independentemente das condições sociais.

Cada um de nós procuraria fortalecer os próprios recursos, se pudesse escolher. Porém, alguns estão na posição de prover as condições para que outras pessoas e organizações se tornem resilientes – e isso pode ser visto como o elemento-chave da liderança.


Nota: Publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron. Baseado no artigo de Gillian Stamp – Bioss International – outubro de 2000.

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Potencial Humano e Ciência

Alguns conceitos continuam confundindo a prática de recursos humanos. São eles: preferências pessoais, competências e potencial humano e, ao lado deles, testes e suas validades. Infelizmente, existem vendas e compras confusas em torno dos temas. Vamos dar nossa contribuição para esclarecê-los.

Preferências

São aquelas descrições do estilo de cada um obtidas por meio de questionários em que as pessoas informam como preferem lidar com certas situações e processar informações. Não são testes. Não avaliam competências. Oferecem output na forma de um modelo – sendo o mais difundido o da psicologia junguiana, e de tipos, como pensativo, sentimental, intuitivo, perceptivo, extrovertido, introvertido; ou ainda dominante, conformado e influenciador, entre outros. Grau de validade dessas técnicas para prever o sucesso na vida prática? Baixo.

Competências

São descrições das estratégias pessoais para resolver problemas. As competências são agrupadas de acordo com a intensidade com que são usadas e com o grau de complicação dos problemas; e existem problemas de várias naturezas: pessoais, sociais, gerenciais, de planejamento, de estratégia, de mudança, entre outros. Por sua natureza, a avaliação de competências envolve captar aspectos subjacentes às pessoas e nem sempre acessíveis diretamente às próprias pessoas, pelo grau de inconsciência em muitos casos. As competências exigem interação de pelo menos duas pessoas, em que uma pessoa utiliza modelo, referência e habilidade para captar aqueles aspectos subjacentes. Grau de validade desta abordagem para prever o sucesso na vida prática? Pode chegar a 0.62 (explicando ~38% dos fatores envolvidos). Relativamente alto, considerando-se ciências humanas.

Capacidade e potencial humano

Perfis e preferências são descrições de estilos. Não diferenciam particularidades mais específicas entre as pessoas. Competências têm um foco forte em desempenho, performance, pois toda a avaliação por competências olha para o passado na busca de indicadores que possam garantir o maior acerto para o desempenho imediato (num cargo, por exemplo). Mas nada nos diz do futuro. Potencial humano diz respeito ao desdobramento da capacidade. Assim, falamos de capacidade potencial atua e futura. Na literatura, a única definição científica e operacional de capacidade ou potencial vêm dos trabalhos de Elliott Jaques e Gillian Stamp, validados em pesquisas on-the-job junto a diferentes empresas no mundo.

Potencial humano é medido pelo conceito de time-horizon que define o quadro futuro no qual uma pessoa não apenas vagamente pensa e fala a respeito, mas também com o qual pode, efetivamente, lidar, antecipar e controlar, fazendo coisas numa escala em que consegue sentir-se confortável tomando decisões ao longo do percurso. Potencial humano neste conceito tem a ver com as escalas de complexidade e incertezas com as quais uma pessoa consegue lidar, escalas essas crescentes e mensuráveis em um horizonte de tempo de conclusão de uma tarefa. Envolve o futuro e sua construção, o uso do julgamento e discernimento, a capacidade de lidar com a complexidade – sempre variável, a ausência de conhecimento e o menor impacto da experiência anterior. Quando não sabemos exatamente o que fazer é quando temos que usar nosso potencial de julgamento. E isto não é explicável pelos instrumentos de perfil, personalidade, inteligência tradicional, nem emocional.

O modelo Work Levels define potencial humano e o mede de modo científico. Grau de validade desta abordagem para prever o sucesso na vida prática? Entre 0.85 e 0.922 . Entre vários estudos, Gillian Stamp relata experimentos acompanhando mais de 250 profissionais em cada experimento, ao longo de até 20 anos. O aspecto mais intrigante dos trabalhos de Jaques e Stamp é que, neste conceito, a capacidade para conduzir projetos e produzir julgamentos para diferentes horizontes de tempo cresce ao longo do tempo. Não é treinável, mas este crescimento pode ser estimado. E aí que as pesquisas mostram algum nível de consistência. Não devemos, contudo, confundir potencial com desempenho. Um não vive sem o outro, mas o primeiro é determinante do escopo de ação do segundo.

Nossas pesquisas apontam resultados semelhantes. Junto a uma empresa do ramo siderúrgico, os índices de consistência foram de 91% com relação ao crescimento ou estabilidade do potencial, cinco anos após a primeira avaliação. Junto a outra empresa do setor farmacêutico, uma amostragem com 14 casos gerou os seguintes dados: 64% dos casos mostraram o crescimento previsto do potencial; 21%, estabilidade também prevista; 14% (2 casos) dos casos mostraram uma evolução um pouco acima do previsto. Esta margem de 14% encontra-se dentro dos limites estatísticos previstos pelo sistema de assessment baseado no modelo Work Levels. As variações nas avaliações de potencial podem ser atribuídas a diferentes fatores, desde treino dos avaliadores até momentos de transição pessoal das pessoas por ocasião das avaliações, bem como forte sentimento de alguns de contrariedade por sub-aproveitamento. Obviamente que estes fatores tentam ser controlados. A pequena margem de variação entre previsão e realidade coloca o Work Levels como o modelo de maior validade científica dentre os diferentes instrumentos utilizados e, ainda, o único que oferece a tendência de evolução futura da capacidade.

Numa terceira empresa mineradora, o trabalho de identificação de sucessor para uma posição gerencial de nível médio, o instrumental Work Levels® mostrou-se igualmente preciso. Cinco anos após, seis pessoas indicadas internamente tiveram uma reavaliação, e a evolução de um nível de capacidade potencial para outro foi confirmada em quatro casos, a estabilidade foi confirmada em um caso, e em outro caso, houve leve crescimento acima do esperado. Este caso estava exatamente num transition phase pessoal. Enfim, 100% dos casos confirmando as expectativas, 84% dos casos exatamente dentro das expectativas. Todas estas reavaliações foram feitas “às cegas”. Todos estes dados e confirmações independem de sexo, idade ou raça.

As empresas buscam tanto identificar quanto reter talentos. Diversas são as ações para tal. Mas a identificação dos chamados talentos carece de cientificidade nas práticas das organizações. Fala-se de talentos, mas mede-se muito pouco. O Work Levels® oferece uma base de consistência ímpar que, ao lado de políticas específicas, identificam os recursos a serem desenvolvidos e preservados à luz dos valores de cada companhia. O baixo interesse pela discussão conceitual quando da “compra” de determinados produtos faz com que algumas empresas surpreendam-se quando descobrem que estão usando indicadores errados para o que querem avaliar. Não se pode medir aquilo para o qual não se tem definições precisas e nem métodos adequados.

Bibliografia:

Spencer & Spencer; 1992. Competence at Work; Wiley & Sons. USA.
Jaques, E. 1994. Human Capability. Cason & Hall. USA.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Planejar sucessões com ferramentas confiáveis e efetivas

O termo ‘planejar” carrega em si paradoxos. Se, por um lado não se planeja o futuro, segundo a lógica linear, pode-se, porém, ‘julgar”. O que é interessante é que o ‘julgamento antecipado” está na essência do que consideramos ‘capacidade potencial” – elemento crucial para a identificação do ‘potencial” atual e de crescimento ‘futuro”.

Os elementos para um projeto de sucessões devem envolver três grandes dimensões: capacidade potencial – atual e futura, valores e ausência de traços negativos de personalidade . As competências passam a ser um aspecto relativamente irrelevante, na medida em que não sabemos quais competências serão as requeridas num futuro mais distante. E também porque a análise por competências tem alta correlação com o desempenho, ou seja, identificaria, no máximo, um ‘ back-up” , prontidão imediata para o cargo. Curioso é que, neste caso, qualquer candidato à sucessão poderia estar se sentindo totalmente subaproveitado. Sucessão, no entanto, foca ‘a promessa futura” e a capacidade potencial.

Capacidade Potencial

O principal diferenciador na capacidade para o trabalho é saber lidar com ambiguidades, variáveis que mudam, incertezas, ausência de conhecimento e níveis mais e mais abstratos. O processo por meio do qual uma pessoa ‘julga”, isto é, a maneira como ela combinada dados, fatos, conhecimentos, intuições, perspectivas, sentimentos e valores, não é diretamente acessível ao observador externo, e nem à própria pessoa. Pode-se estimar, por meio de metodologia específica ( não envolvendo ‘testes”), o estágio atual de desenvolvimento de uma pessoa em relação a temas complexos e, por extrapolação, estimar padrões de crescimento futuro. Neste sentido, o modelo Work Levels® é o único que oferece estudos científicos a respeito do crescimento da capacidade potencial (julgamento) ao longo do tempo.

Valores

Mais do que focar competências, o mundo e a gestão buscarão maior clareza de valores e de uso de princípios como base da ação. Na verdade, os valores sempre foram a base da ação humana. Porém, agora se torna explícita essa relação. Os valores guiam nossas ações, participam de nossas escolhas, influenciam a direção de nossos comportamentos. No dia-a-dia afetam as relações, o estilo de liderança, a aprovação de investimentos, a priorização de atividades, a aceitação-rejeição de situações e pessoas, o predomínio da individualidade, entre muitos outros aspectos. As organizações que se perpetuam possuem um forte sentido de seus valores. Boa parte dos conflitos – relações difíceis entre pessoas e departamentos têm em sua essência divergências nos valores.

Os valores são ‘transmitidos” nas relações interpessoais. As pessoas aprendem e incorporam valores por meio do contato direto, dos comportamentos observáveis, do ‘não dito”, dos gestos, do tom de voz, dos acenos de cabeça e expressões do olhar, enfim, da coerência entre o pensar, o dizer e o fazer.

Um plano de sucessões terá, em seu bojo, uma atenção especial à questão dos valores. Importante lembrar que as pessoas convivem nas organizações por anos a fio. Um plano de sucessões deve também optar por aqueles que podem dar continuidade à organização, que irão construir o futuro.

Ausência de traços negativos de personalidade

Trata-se de uma questão importante, embora relativa. Pessoas com ‘alto potencial” podem ter seu desempenho comprometido por dificuldades pessoais, que variam de atitudes ‘difíceis” até questões mais profundas, como comportamentos de extremo controle, paralisia por medos, desconfiança básica, reações agressivas e egocentrismo exacerbado, entre tantos.

Sem dúvida que a ‘personalidade” não entra no âmbito do desenvolvimento dos recursos humanos. Não se ‘treina” alguém para ser mais ou menos ‘obsessivo”.

Traços de personalidade considerados ‘negativos” pela organização devem receber o esforço de cada um em administrá-los, encontrando apoio profissional externo, se necessário, já que podem comprometer a carreira.

Modelos de planejamento de sucessões

•  Comitês

•  Serviços externos de assessment .

•  Combinação entre os dois acima.

1. Os comitês são ações top down . Normalmente o presidente de uma companhia com seus diretores diretos formam um comitê para identificar futuros diretores

E o processo prossegue para ‘baixo” na estrutura organizacional. O futuro ‘presidente” será escolhido por um comitê entre um conselho e o próprio presidente. Empresas familiares adotam o conselho ou contratam apoio de consultorias ou simplesmente assumem que o herdeiro biológico seguirá com o empreendimento. Estes comitês se reúnem anualmente e fundamentam suas decisões numa percepção e estimativa que em geral envolvem:

– histórico na organização, currículo, formação, desempenho;

– características pessoais como energia, esforço, experiência, comportamentos;

– identificação com os valores da empresa;

– disponibilidade para movimentações, entre outros.

Porém, como se pode deduzir, não há qualquer menção a um conceito ‘do que é potencial”. Aceita-se que potencial é o ‘quanto uma pessoa pode crescer”. Mas, o que é potencial? Qual o construto? Como se estima o quanto alguém pode crescer, evoluir? Qual a base de análise que permitiria a dois avaliadores, que não conhecem o candidato, chegar a uma estimativa bastante semelhante? Não é isso o que acontece nos comitês. Pessoas bem cotadas no ano “B” podem ser consideradas ‘baixo potencial” no “C”. A que isto se deve? Provavelmente pelas qualidades citadas. Mudou o ‘potencial”? Se potencial é uma estimativa futura de crescimento, não deveria mudar no próximo ano!

Um erro lógico e comum dos comitês é não trabalhar o conceito de potencial. Se não houver um conceito inteligível e comum, não se pode definir algo, e se não se pode definir algo, então os julgamentos são apenas opiniões. Daí a necessidade de revisões anuais. Do contrário, todas as análises do potencial entrariam, de fato, no ciclo de gerenciamento, isto é, criariam condições para que as ‘promessas de potencial” fossem realizadas nas suas intensidades e durante a evolução dos anos. E as revisões? Talvez fazê-las a cada três anos, no mínimo.

Normalmente as empresas se envolvem com o modelo enganoso de colocar juntas duas variáveis para a análise: o desempenho e o ‘potencial”. Criam-se aí quatro categorias ou ‘nove boxes”, que se referem a alto, baixo, potencial e desempenho. Contudo, ao se falar de potencial não é necessário se falar de desempenho. Uma teoria sobre potencial já é suficiente.

2. Uso de serviços externos em assessment

No início deste artigo afirmamos que potencial tem a ver com saber lidar com ambiguidades, incertezas, imprecisões, estimativas de caminhos futuros, que, em resumo, no modelo Work Levels® envolve lidar com o tempo. Quanto maior o potencial, maior a capacidade de imaginar ações e desdobramentos de ações no tempo, em períodos curtos, meses, até anos, senão décadas. O modelo Work Levels® tem como distintivo compreender quais os temas essenciais de complexidade de uma organização e identificar a capacidade potencial das pessoas para lidar efetivamente com esses temas de complexidade. Ainda mais: baseado em pesquisa de longo prazo, existe a possibilidade de cientificamente estimar os padrões de crescimento da capacidade das pessoas, compondo-se o Talent Pool ® , que pode ser entendido como uma medida contábil do capital potencial instalado. Isto irá assessorar diretamente os planos estratégicos de uma organização.

3. Combinação entre comitês e serviços externos de assessment

Essa seria uma ação interessante na medida em que abriria a possibilidade de um aprendizado conjunto, em que experiência gerencial e consciência conceitual visariam o melhor equilíbrio para as decisões.

Esta tem sido a nossa prática. Ao apresentarmos o ‘Talent Pool®” sob uma perspectiva conceitual específica de potencial, como recursos para lidar com diferentes temas de complexidade, a organização pode comparar as próprias análises. Nosso trabalho é focar o conceito, restringir o foco em aspectos de personalidade, comportamento, desempenho, já que estes são objetos da gestão. A afirmação sobre um ‘potencial” será complementada, posteriormente, com análises específicas que envolvem valores, competências. Mas devem ficar à parte quando o foco específico for potencial.

O output final

Um planejamento de sucessões poderia, por exemplo, ter um resultado final parecido a este. Os dados de valores e características pessoais não aparecem aqui, mas devem ser contemplados à parte.

Sucessão

Reter ou não reter talento é um desafio da gestão. Envolve, no mínimo, ser capaz de atribuir responsabilidades da mesma dimensão da capacidade potencial.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

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Grafologia, suporte científico para avaliação da expressão individual e suas contribuições

Qualquer teoria para atingir um status científico deve submeter-se as provas experimentais e ser refutável, substituível ou aprimorada. Esta tem sido uma concepção predominante no século XX. Lembro-me disto todas as vezes que me perguntam sobre o caráter científico da grafologia (consulte programa na pág. 11). A grafologia não é uma ciência, é uma técnica de avaliação da expressão individual através do grafismo. Toda técnica tem, por definição, limitações em relação à totalidade do objeto que suporta a sua intervenção, por isso, a análise grafológica não é, nem nunca vai ser, um instrumento de total infalibilidade. A validade que se refere ao fato de que uma técnica analise de fato o que se propõe avaliar, a expressão individual de quem escreve; e a confiabilidade em relação à exatidão e objetividade com que o faz, atestam a análise grafológica, sempre que realizada por especialistas, uma maior porcentagem de acerto nos dados obtidos. Estes resultados são confirmados ou não nas entrevistas de devolutiva e por meio da informação dos profissionais de seleção que utilizam este tipo de instrumento. Por exemplo, no Rorschach chega-se a uma precisão de 90%, na grafologia em torno de 80 a 85%.

Com o desenvolvimento de pesquisas e assimilação deste instrumento como válido para investigação do ser humano, a grafologia ganhou status de cadeira universitária, na Argentina, Alemanha, França, algo que conta pontos a favor sugere a sua confiabilidade, sendo que na França foi declarada serviço de utilidade pública e lá se exige uma formação reconhecida pelo governo para o exercício da profissão.

A grafologia pretende abordar as características da expressão individual que estão projetadas na escrita, seus aspectos lógicos e psicológicos. A partir disso, fazer previsões acerca do comportamento de quem escreve, não visando determinar com total exatidão aquilo que uma pessoa vai fazer em determinado momento, mesmo porque esta seria uma expectativa de uma ciência exata, o que não é o caso da grafologia, uma vez que se considera uma área de humanidades, cujo objeto do estudo é influenciado de uma forma sensível pelas mudanças geradas no ambiente, tanto interno quanto externo. Por isso, seria interessante considerar a grafologia mais uma técnica que se baseia em probabilidades para fornecer seus resultados, distanciando-se das ‘coordenadas cartesianas’, das causas e efeitos diretamente correspondentes na explicação do dinamismo humano.

O foco da análise é explicitar como as variações dos sinais refletidos na escrita podem interferir no funcionamento de um indivíduo, a partir destas deduzir quais são as repercussões que estas podem gerar no ambiente, sem entrar na discussão do ‘estrutural/situacional’, a qual já foi abandonada a bastante tempo, não sendo do interesse deste estudo retomar este tema – pura perda de tempo – uma vez que é impossível conceber uma característica situacional que não esteja fundada em uma estrutura ou uma estrutura que não tenha uma manifestação situacional, inclusive isto já foi mais que ressaltado por Lorenz em seu livro ‘Princípios da Etologia’.

E como se estrutura a hipótese da viabilidade de um estudo da expressão individual com base na grafologia?

Parte-se do princípio de que toda escrita segue um modelo ou afasta-se do mesmo, tornando a escrita mais legível e fluente ou não. Quando crianças somos submetidos a determinadas regras de escrita, e embora os tipos de orientação pedagógica no período de alfabetização possa mudar, é pouco provável que à criança seja permitida adotar qualquer forma de expressão, como um rabisco adquirir um significado geral e este servir como foco de sua comunicação, inclusive porque o objetivo principal da escrita é tornar claro aquilo que está sendo impresso no papel. Em um primeiro momento a escrita nada mais é do que uma cópia, a qual a criança tem de se esforçar sobremaneira para realizar, posteriormente pode chegar a refletir o próprio pensamento acerca do mundo.

Se aceitamos o pressuposto de que aprendemos um modelo, que este é considerado satisfatório em cumprir a sua missão de comunicar, de tornar claro a expressão decorrente do trabalho mental, o que é reforçado pelo ambiente, o que faz com que as pessoas tenham escritas diferentes? Por que surge a necessidade de escrever diferente do modelo?

O aperfeiçoamento motor dos indivíduos não ocorre da mesma forma e nem ao mesmo tempo, até porque este depende da freqüência da estimulação e do aparato biológico que interferem na formação da escrita infantil. Entretanto, somente isto não basta para estabelecer as causas das diferenças porque o plano psicológico e social também contribuem para que estas modificações sejam introduzidas na escrita. É provável que as pessoas que desenvolvem o hábito da escrita mais cedo, que estão submetidas a um ambiente que valoriza a cultura e a expressão original, cheguem primeiro a consolidação dos mecanismos da escrita. Da mesma forma, as crianças que são submetidas às privações afetivas ou orgânicas tenham o desenvolvimento de sua expressão individual lento ou carreguem características que podem ser foco de desequilíbrio ao longo do tempo.

A maioria das pessoas teve, de alguma maneira, um modelo a partir do qual foram introduzidas modificações ou foi perpetuado com alterações pouco significativas em sua estrutura. Todos têm uma organização mental e motora que se reflete na escrita, e isto quem diz não são os grafólogos que tentam justificar a sua ciência de uma forma tendenciosa, mas Ajuriaguerra, que discute o desenvolvimento da escrita em seu livro ‘A escrita Infantil, Evolução e Dificuldades’, abordando sobre a necessidade de pesquisar as características psicológicas das crianças pertencentes a grupos que apresentam síndromes gráficas, as quais classificou como rígidos, com grafismo fraco, impulsivos, inábeis, lentos e estruturados. Nestes últimos, verificou que estas características se encontram mais visíveis no exame psicológico; lentidão nos testes de rapidez mas precisão nas provas, interpretação que pode ser obtida também através do exame grafológico como pode ser verificado em qualquer manual de grafologia.

Percebe-se um conjunto de características próprias que distinguam um indivíduo dos outros de uma mesma espécie, ou de outros membros da mesma sociedade. Em particular, quando se trata dos homens, a busca de originalidade, de não conformismo, nota-se a tentativa de dar uma forma própria a escrita sem que a mesma perca a sua legibilidade e resulte em apenas uma expressão egocêntrica. Este fenômeno é claramente explicitado quando da necessidade de se elaborar a primeira assinatura. Mas é importante dizer que esta busca tem de caracterizar-se pela legitimidade e não somente por um discurso que não encontra uma práxis na realidade. A conclusão surge então bastante óbvia: é a procura de uma expressão individualizada, que reflita de uma forma inequívoca as características da pessoa que faz com que a escrita sofra as suas transformações e gere uma identificação com a nova forma de expressão, assim como, um pintor com a sua tela.

Diz Piaget: ‘Comparado a uma criança, o adolescente é um indivíduo que constrói sistemas e ‘teorias’. A criança não constrói sistemas, ela os têm inconscientemente ou precons-cientemente, no sentido de que estes são informuláveis ou informula-dos, e de que apenas o observador exterior consegue compreendê-los, já que a criança não os ‘reflete’. Ou, melhor, pensa concretamente sobre cada problema à medida que a realidade os propõe, e não liga suas soluções por meio de teorias gerais, das quais se destacaria o princípio. Ao contrário, o que surpreende no adolescente é seu interesse por problemas inatuais, sua facilidade de elaborar teorias abstratas. Existem alguns que escrevem, que criam uma filosofia, uma política, ‘uma estética’. E conceitua que a expressão individual começa no final da infância, com a organização autônoma das regras, dos valores e a afirmação da vontade, com a regularização e hierarquização moral das tendências, existindo propriamente quando se forma um ‘programa de vida’ funcionando este como fonte de disciplina para a vontade e como instrumento de cooperação social. Este plano, entretanto, supõe a intervenção do pensamento e da reflexão livres, que só se elabora quando certas condições intelectuais, como o pensamento formal ou hipotético-dedutivo, são preenchidas. É neste momento que surge para o indivíduo a possibilidade de criar seus modelos, é o momento em que existe a chance de se formular qualquer tipo de mundo. Finalmente, o indivíduo pode pensar acerca de seus próprios padrões e dar forma para uma expressão autônoma.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Educação e a evolução da inteligência

São quase 10 anos de uso do termo ‘Consultoria Interna de Recursos Humanos’ (CI). Um de seus maiores dilemas é representar na organização um papel que a identifique como ‘mais estratégica’ em oposição a ‘menos operacional’. Pergunto: como superar a dicotomia entre cliente cativo versus cliente demandante? A formação da CI sempre esteve envolvida pelo foco, às vezes parcial, de identificar quais são ou devem ser as competências do Consultor. Inúmeros programas são produzidos para treinar essas características, que vão desde a condução de dinâmicas de grupo, team building, à administração de conflitos, avaliação de competências, negociação. Contudo, questiono: onde está seu objetivo estratégico? Se focarmos no profissional da CI não resolveremos o problema. Na verdade, muitos profissionais que recebem o título de consultor interno operam em fábricas, lidando com situações mais ou menos imediatas, transferidas por seus clientes, como selecionar em curtíssimo prazo, organizar treinamentos, rever um posicionamento salarial ou adequar um plano de benefícios. Sem dúvida, isso é muito pouco para ocupar o tempo e a capacidade desses ‘consultores’. Os Recursos Humanos das organizações querem formar consultores, mas estes precisam primeiro se informar sobre o tipo de instituição que está lhe propondo o trabalho.

Entendendo a organização

Para cultivar o estratégico é necessário entender a organização. Para construir esse contexto, utilizo as idéias de E. Jaques (Requisite Organization – Cason & Hall, 1998, 3 ª edição). Assim Jaques as define: ‘Organizações são sistemas gerenciais que empregam a capacidade das pessoas para produzir julgamentos e alcançar resultados…’ (pág.34). Ele destaca, na verdade nos lembra, que estamos falando de organizações de emprego, seja lá qual for a natureza desse vínculo, cuja competência é a gestão. Portanto, o cliente é o gestor, pois é ele quem receberá responsabilidades para alcançar resultados com recursos delimitados e tempos definidos. Um dos re-cursos é a capacidade das pessoas que será alocada sob sua liderança. Nisso não podemos nos enganar. Uma organização define seus gestores como responsáveis por resultados.

O Metacurrículo

Aprender, desaprender, reaprender são temas que transcendem a sala de aula típica e invadem o cotidiano de empresas e escolas. A tecnologia atual aponta para ‘novos’ caminhos do ensino à distância. As aspas são porque está renascendo o paradigma do ensino à distância tão praticado nos ‘cursos por correspondência’ das décadas de 50 a 70.

A questão do metacurrículo se propõe a ensinar conteúdos focando os assuntos específicos de cada matéria, além de abordar as questões fundamentais: ‘como sabemos?’, ‘como podemos estar certos?’, ‘existem outras possibilidades?’, etc. Busca-se produzir uma profunda diferença no significado da instrução!

O currículo regular consiste de disciplinas como matemática, ciências, línguas, etc, em que cada criança ou estudante navega de acordo com suas habilidades e interesses. Mas o metacurrículo propõe um outro tipo de ‘matéria’ ou ‘conteúdo’ nas salas de aprendizagem.

O ponto inicial é muito simples: ter-se uma clara idéia do que é preciso ser aprendido. Queremos que as pessoas aprendam sobre como as frações funcionam e como elas representam situações reais da vida; como as poesias falam dos problemas que afligem os seres humanos; como a história explica nossos contextos atuais e nos ajudam a antecipar situações; e assim por diante.

O metacurrículo defende que as pessoas aprendam um pouco além dos conteúdos didáticos – aprendam a respeito dos próprios modos de ser de cada um em torno de cada uma dessas coisas. O metacurrículo inclui termos e conceitos sobre o pensamento, crenças, atitudes em relação ao pensamento e práticas de bons hábitos de pensamento. Também inclui questões como a disposição para pensar globalmente ou pensar com profundidade, tanto quanto os desafios das tomadas de decisão, solução de problemas, uso de mapas conceituais e argumentações orais e escritas, entre outras.

O desafio dos professores e instrutores

A princípio, alunos e professores poderão olhar para o metacurrículo como mais um ‘experimento’ em torno do currículo normal. De onde virão tempo e dinheiro? Mas o metacurrículo não deve ser uma atividade paralela. O metacurrículo irá se integrar ao ensino dos conteúdos tradicionais.

O objetivo do metacurrículo é o de acender o pensar dos alunos ao longo da aprendizagem dos conteúdos tradicionais. E também se aplica ao conteúdo das disciplinas por estimular o desenvolvimento de um sentimento do como as disciplinas funcionam como uma área do conhecimento. A investigação deve ser parte de qualquer matéria.

Aprendendo sobre história, aprende-se também sobre ‘gaps’, como se pensar numa ‘novela’ com buracos e páginas que faltam, como uma seqüência de fatos pode nos contar uma história e como os fatos nos contam uma história de diferentes maneiras.

Pelo metacurrículo, quer-se eliminar as dificuldades de aprendizagem ‘ensinando’ como a matéria funciona, isto é, ‘como é pensar em História’ e como pensar em Matemática é diferente e significativo, e assim por diante. Muitos alunos não compreendem certas matérias em parte porque não compreendem como a matéria funciona como um todo. Muitos erros em álgebra são produzidos por falsas analogias, como, por exemplo, pensar que a raiz quadrada de A + B é o mesmo que a raiz quadrada de A mais a raiz quadrada de B. Por quê? Presumivelmente porque coisas assim acontecem em outras situações. Por exemplo, X vezes A + B é na verdade X vezes A + X vezes B.

Em cada matéria há assuntos cujas evidências formam uma parte do metacurrículo tácito e não endereçado. Qualquer matéria lida com alguma verdade em algum nível e tem os tipos de evidências necessárias para estabelecer a verdade. Em história, a evidência tem a ver em boa parte com a interpretação contextualmente apropriada das fontes originais. Em ciência, a ênfase está na experimentação empírica e teste. A matemática formal demanda provas dedutivas dos axiomas e teoremas previamente estabelecidos.

Questões de provas e evidências se tornam terrivelmente complexas quando olhamos para a colisão de valores tão centrais à vida contemporânea. Como conciliar os interesses da indústria com os dos ecologistas? Como reconciliar os desenvolvimentos da ciência (DNA) com os medos do uso maléfico ou estúpido da ciência?

Pensar a respeito de tais assuntos requer mais do que método científico ou dedicação histórica às fontes originais. Requer algum recurso dialético para enfrentar o raciocínio entre os sistemas de valores.

O futuro do metacurrículo

Inúmeros programas têm buscado enriquecer a capacidade de pensar, dentre eles, De Bono, Reuven Feuerstein, Lipman. Muitos desenvolvem a inteligência, mas não mudaram dramaticamente as pessoas. Por quê? Primeiro porque tudo isso requer tempo e atenção. Inteligência reflexiva envolve saber e aprender sobre seu próprio caminho e isto nada tem a ver com memorizar ou confiar que se pode andar sobre brasas. Necessitamos de um currículo com infusão de metacurrículo. Precisamos do reconhecimento explícito de que os jovens irão aprender entre e através das matérias e temas sobre o bom uso de suas mentes.

O que deveria existir num metacurrículo, isto é, quais as competências metacognitivas que deveriam ser estimuladas? David Perkins em seus livros ‘Outsmarting the IQ’ e ‘Smart Schools’, tenta enumerar alguns pontos. Entre eles, destacam-se:

  • Domínio da disposição pessoal: buscar clareza, amplitude, profundidade, curiosidade, estratégia, consciência dos próprios processos de pensamento, de modo geral e na medida em que lidam com os assuntos específicos.
  • Domínio do desafio: tomada de decisão, solução de problemas, justificativas, explicações, lembrar, definir um problema, arquitetar, planejar, avaliar, representar, predizer, aprender, enquanto envolvidos com uma matéria em particular.
  • Domínio de ferramentas: brainstorming, prós e contras, uso de mapas conceituais, etc.
  • Domínios de técnicas: probabilidades e estatística.
  • Domínio de campos: algum senso de padrões de pensamento característico dos campos estudados.
  • Domínio situacional: domínios situacionais selecionados tais como gerenciar emoções, resolver conflitos e negociar.

Esses domínios compreendem o ‘o que’ do metacurrículo. Existe também uma questão do método, o ‘como’, que tem a ver com critérios de mediação:

  • Cultivar um sistema de ação em torno do pensamento: estratégias de planejamento ou metacognição;
  • Cultivar crenças, valores e sentimentos a respeito do pensar;
  • Cultivar sistemas conceituais em torno do pensamento: atenção aos sistemas de conceitos subjacentes aos diferentes tipos de pensamento;
  • Cultivar a transferência do que tem sido aprendido sobre o pensamento e conteúdo: fazer conexões explícitas entre hoje e o amanhã, um e outro assunto, dentro e fora do ambiente escolar;
  • Cultivar avaliações que se centram no pensamento: organizar avaliações que mostrem as habilidades de pensamento dos alunos com o conteúdo ensinado.

Leia mais

Jaques, E. (1990) – Creativity and Work. International Universities Press. USA
Erikson, E. (1982) – The life cycle completed. Norton. USA


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Coaching

É importante que, de tempos em tempos, possamos parar e observar práticas e conceitos que utilizamos em nossas ações profissionais. O conceito coaching ganhou presença nos círculos de encontros em recursos humanos, em gestão e em práticas gerenciais. Contudo, pessoalmente, observei inúmeros usos do termo. Talvez, o mais significativo foi esse: ‘vá lá e dê um coaching nele’. Vocês podem interpretá-lo de diversas maneiras. Mas isso me estimulou a buscar bases bem específicas para discutir o conceito.

Coaching é o processo através do qual o gerente auxilia seu liderado a compreender o pleno escopo do seu trabalho e a identificar as forças e fraquezas. Coaching deveria ser uma parte integral da ação gerencial conduzida através de revisões periódicas acerca da eficiência pessoal de um liderado.

Esta revisão é importante para que as questões, que vão desde valores e ‘sabedoria’ para o trabalho até questões de traços pessoais afetando o trabalho e outros relacionamentos, sejam sistematicamente abordadas e trabalhadas. Deve-se, então, agregar valor ao conhecimento que o liderado tem a respeito de si mesmo e de sua performance. O coaching é de interesse direto da liderança, pois sua performance será sempre vital para os objetivos não só do departamento como da organização. É, então, um processo no qual o líder ou gerente mobiliza ações pessoais para trazer o desempenho do liderado em níveis excelentes dentro do âmbito da função.

Termos que devem ser diferenciados em relação ao coaching:

Ensinar é um elemento do processo de aquisição de conhecimento por parte de uma pessoa. Ensinar é a transmissão de um conhecimento para alguém, através de aulas, discussões e práticas. Ensinar não é atributo específico de uma função ou cargo qualquer.

Treinar é o processo pelo qual se ajuda uma pessoa a desenvolver ou enriquecer suas habilidades no uso do conhecimento através da prática, tanto on-the-job quanto em situação de simulação da aprendizagem. Habilidades ajudam as pessoas a usar seu conhecimento em situações de resolução de problemas sem precisar pensar, liberando então sua habilidade para julgar conforme seu nível de competência.

Mentoring é o processo pelo qual um gerente (de dois níveis acima) ajuda um liderado (de dois abaixo) a compreender seu potencial e como aplicá-lo para desenvolver uma carreira na organização. Mentoring inclui ajudar o liderado a ser tornar mais ‘atento’ aos ‘caminhos do mundo’ e, portanto, auxiliá-lo na produção de julgamentos mais gerais e objetivos acerca de seu futuro.

Counseling relaciona-se com as circunstâncias de alguém solicitando os serviços de outra pessoa para um problema pessoal, seja decorrente de questões ‘internas’ da pessoa ou de circunstâncias ‘externas’. Gerentes podem dar conselhos em termos gerais, como, por exemplo, ‘alguém que conheço agiu assim diante deste problema….’ ou, ‘você pode pensar em diversas possibilidades para lidar com essas questões…’. Normalmente se refere a atuação de profissionais especializados para que essa ajuda tenha uma maior eficácia.

Coaching de liderados

O coaching de liderados deve ser uma parte quase cotidiana de qualquer ação gerencial. Envolve a rotina de compartilhar com os liderados os conhecimentos do próprio gerente, suas habilidades e experiências pertinentes ao trabalho do liderado. Os propósitos do coaching são os seguintes:

  • Ajudar os liderados a compreender as plenas oportunidades de suas funções, isto é, o amplo espectro de tarefas disponíveis no papel que exerce. Isto envolve formar um quadro do que eles precisam fazer para conseguir os benefícios dessas oportunidades.
  • Assistir aos liderados na aprendizagem de um novo conhecimento, isto é, investir em métodos, tecnologia e procedimentos.
  • Trazer os valores dos liderados mais em linha com os valores corporativos e a filosofia corporativa.
  • Assistir os liderados no desenvolvimento da ‘sabedoria’ em relação a seu trabalho, isto é, construir com base na experiência do gerente de modo a ajudar o liderado a se movimentar com mais ‘esperteza’ no ambiente em geral.
  • Ajudar os liderados a administrar qualquer questão ligada a seu temperamento (comportamentos que possam ser disfuncionais). Coaching, contudo, não envolve lidar com a personalidade do liderado, que não é um tema de preocupação do gerente. Se existem questões maiores ligadas aos problemas de temperamento, então o gerente precisa deixar claro que a manutenção do problema é inaceitável e o gerente pode apoiar o liderado a buscar ajuda externa, como counseling, facilitando este processo a seu critério.

Gerentes eficientes mantêm um delicado balanço entre, de um lado, situações que garantam ao liderado utilizar seu julgamento e discernimento para buscar ou tentar novas idéias para se beneficiar de suas próprias experiências e contato direto com as questões e, por outro lado, situações em que assessora seus liderados a conseguir se beneficiar das experiências de outras pessoas em termos de idéias e inovações. O equilíbrio está em liberar a plena capacidade e energia dos liderados dando-lhes oportunidade para usar a criatividade, a busca de melhoria, guiando-os de tal maneira que evitem desperdício ou energia mal focada. Colocar limites adequados é parte de toda a ação gerencial.

Coaching não é executar por ele. Os gerentes podem demonstrar ‘como se faz’, até exemplificar algo, mas precisam assegurar que os liderados têm a oportunidade de desempenhar tarefas similares. Assim, pode-se levar mais tempo praticando o coaching em certas tarefas do que fazendo sozinho. Mas o coaching é uma maneira para o gerente agregar valor ao trabalho do liderado e, com certeza, envolve investimento de tempo. No entanto, é um processo central para construir a confiança do liderado, obter lealdade e um senso de trabalho em equipe.

Como parte do coaching, um gerente deve compartilhar com os liderados qualquer conhecimento e habilidade singulares obtidos em seu trabalho. Para completar, os gerentes podem escolher passar qualquer lição aprendida de outras pessoas que possam ser relevantes à situação enfrentada pelo liderado.

O processo

O coaching começa com o gerente apontando oportunidades para o liderado ampliar suas possibilidades de trabalho para as quais foi designado, mas somente quando o liderado tiver condições de superar uma dada ‘fraqueza’, aprender um novo conhecimento ou ganhar maior habilidade no uso do que já sabe para que esta ação seja eficiente. Como parte dessa discussão, o gerente pode ensinar, treinar ou arranjar modos de ensinar e treinar. O liderado precisa saber ‘valorizar’ o que será ensinado ou aprendido.

Se o liderado expressar baixa valorização para certos tipos de novos conhecimentos ou habilidades, isso deve ser levado em consideração quando for feita atribuição de novas tarefas ou responsabilidades, em projetos especiais, e também quando se discutirem as possibilidades de progressão nas funções atuais. O objetivo é a melhoria contínua na capacidade dos liderados.

O coaching deve também ter lugar quando os liderados experimentam problemas, e os gerentes devem saber diagnosticar situações e causas para esses problemas. Os problemas podem estar relacionados com o processo de designação de tarefas e responsabilidades por parte do gerente; por exemplo, as tarefas podem ser muito complexas, ou podem não estar divididas suficientemente para o nível de capacidade do liderado, podem haver problemas com relação aos métodos, ou limites difíceis de serem transpostos. São assuntos que devem ser classificados pelas discussões entre o gerente e o liderado.

Outros problemas podem estar associados com a natureza das relações de trabalho. Freqüentemente os problemas surgem pelo fato de os liderados não terem clareza sobre os limites de autoridade em relação a outros profissionais. Na ausência de especificações, as pessoas fazem suas próprias regras acerca do que podem ou não fazer, gerando conflito interpessoal e desconfiança. Diante de tais problemas, é necessário o coaching com relação à natureza dos relacionamentos.

Outros problemas de relacionamento podem existir como resultado do temperamento (personalidade) do liderado. Os gerentes precisam lidar com muita sensatez frente a estas situações. Aqui é adequado que o gerente destaque a necessidade para um grande autocontrole por parte do liderado nas áreas com problemas e que interferem nas relações ou habilidades para se conseguir levar adiante o trabalho.

Com tudo isto, pode parecer estranho que pessoas externas às funções gerenciais pratiquem coaching em relação a um liderado. Essencialmente, de fato, quem mais conhece as questões de desempenho de um liderado é o líder e essas questões são de interesse direto do líder, o que tem a ver também com sua eficiência e competência enquanto líder. Desta forma, coaching jamais deveria ser um processo externo à função gerencial, pois isto descaracteriza a natureza do sentido do gerenciamento de pessoas.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Aprendizagem e Instrucionismo – Novos Paradigmas

Aprender é um requisito fundamental para a existência sustentada, para pessoas e para organizações. Parece não haver dúvidas sobre isto, principalmente num ambiente onde dados e informações fluem com muita velocidade embora, não, o conhecimento. Conhecimento depende da capacidade de aprender e este conceito – aprendizagem, historicamente muito discutido e atualmente retomado com grande intensidade, é hoje um dos grandes pilares do desenvolvimento organizacional e individual.

Ao lado da aprendizagem individual caminham as discussões sobre ‘aprendizagem organizacional’. Parece que conseguimos localizar a aprendizagem numa pessoa. Podemos fazer o mesmo em relação às organizações? Existe uma ‘organização’ que aprende? Isto é, existe um ‘o que organizacional’ que aprende tal qual podemos dizer de uma pessoa?

Teorias da aprendizagem são cruciais para responder a estas questões. Décadas de estudos produziram algumas idéias sobre a aprendizagem humana. Psicólogos, lingüistas e educadores estudam com entusiasmo esse tema e fazem descobertas a respeito das limitações cognitivas para a aprendizagem e dos meios de estimular o desenvolvimento cognitivo.1 O foco de Piaget nos processos do desenvolvimento cognitivo de crianças e o trabalho de Lewin sobre a pesquisa da ação e do treinamento em laboratório, forneceram muitas perspectivas sobre como aprendemos individualmente e em grupos.2 Algumas linhas teóricas baseiam-se no ‘estímulo-resposta’, como Skinner, e outras trazem as contribuições da Gestalt ou mesmo da Psicanálise.

Um bom trecho das teorias ‘descreve’, do ponto-de-vista do observador, como ocorre a aprendizagem. Daniel Kim3 retoma o ciclo do ‘PDCA de Shewhart, recuperado também por Deming, para fazer referência ao processo pelo qual ocorre a aprendizagem. Destaca quatro etapas: primeiro, observações e reflexões; segundo, formação de conceitos com abstrações e generalizações; terceiro, teste das implicações dos conceitos em novas situações e, finalmente, experiência concreta. Em resumo, observar, avaliar, projetar e implementar.

Novas incursões de outros autores, como Peter Senge, trazem a discussão da questão da aprendizagem organizacional. Um de seus principais conceitos – modelos mentais – mostra como nossa representação do mundo, incluindo as compreensões implícitas (crenças, valores, processos mentais inconscientes) e as explícitas (raciocínio articulado, deduções, conclusões) têm um papel ativo no comportamento de uma pessoa, pois fornecem um contexto segundo o qual a atitude de observar e interpretar novos materiais é aplicada. Os modelos mentais tanto podem dar sentido, como limitar ou facilitar a aquisição de novos conhecimentos.

Finalmente, Kim ainda apresenta dois níveis de aprendizagem – operacional e conceitual, isto é, o que se aprende e o por quê se aprende (know how e know why). A aprendizagem operacional é representada em nível de procedimentos, no qual se aprendem as etapas para se completar uma tarefa específica, capturada sob a forma de rotinas. A aprendizagem conceitual tem a ver com o pensar sobre o motivo de se priorizar algo, desafiando muitas vezes a própria natureza ou existência de condições, procedimentos ou concepções predominantes.

Instrucionismo

Estas idéias são relativamente acessíveis. Descrevem processos que ‘aparentemente’ ocorrem ‘dentro’ das pessoas. E estamos acostumados a falar de aprendizagem sempre nos referindo a uma relação, no mínimo, a dois – quem ensina e quem aprende. Um ponto instigante, porém, é trazido à tona por um dos mais conceituados biólogos contemporâneos, Humberto Maturana, através do seu conceito de autopoiesis.4 Maturana vive em Santiago e pode ser considerado o maior patrimônio latino-americano em Biologia, sobretudo no campo da educação e aprendizagem. Aqui, especificamente, interessa sua crítica veemente ao instrucionismo5 nos seres vivos, inaugurando uma discussão da aprendizagem com base na Biologia. Para Maturana, os sistemas vivos são determinados estruturalmente, de modo que tudo o que lhes possa acontecer a qualquer momento depende de sua estrutura. O que nos interessa mais de perto ainda é a idéia de que todo agente que incide sobre tais sistemas determinados estruturalmente não faz mais que desencadear mudanças; estas mudanças são determinadas nos próprios sistemas. Maturana afirma com grande ênfase:

A partir de nosso viver cotidiano sabemos também que, ao escutarmos alguém, o que ouvimos é um acontecer interno a nós, e não o que o outro diz, embora o que ouvimos seja desencadeado por ele ou ela. (6)

Sistemas autopoiéticos são abertos ao fluxo de matéria e energia, mas fechados em sua dinâmica estrutural. Estar vivo significaria modificar-se estruturalmente apenas quando estas mudanças convergirem para conservar a autopoiese (modo de vida autodeterminado). Sistemas autopoiéticos são sistemas ‘auto-organizantes’ e caracterizados por três aspectos principais: autonomia, circularidade e auto-referência. Estes conceitos expressam a capacidade autônoma da vida de conduzir sua própria preservação e desenvolvimento, e inclusive de gerar a si própria (autoproduzir-se).

Aprender é uma decisão ‘de dentro para fora’ e, isto, definitivamente, descarta o instrucionismo. Os fundamentos são essencialmente biológicos e, por extrapolação, afetam as ciências humanas, como cognição, sociologia e até o direito. Com Varela, Maturana conclui ser o próprio ser vivo um sistema fechado, constituído pela circularidade de seus processos. A percepção da realidade exterior, ou seja, o fenômeno ‘conhecer’, é exatamente o próprio fenômeno ‘viver’, ou seja, é um operar (interior) adequado ao ambiente (exterior), ou ainda, o conhecer é um fenômeno do operar do ser vivo em congruência com suas circunstâncias.

O modelo tradicional percebe o sistema nervoso como aberto, o que capta informações por meio dos cinco sentidos e constrói uma representação interna de uma realidade externa. O equívoco deste modelo reside justamente na noção de representação – base das ciências cognitivas das últimas décadas e parte de nossa orientação filosófica ocidental de inspiração cartesiana da dualidade entre corpo e mente, sendo a mente uma ‘entidade desincorporada’ (âmbito das idéias). Maturana vai exatamente na direção oposta, mostrando como nossa cognição e pensamentos estão inextricavelmente contidos em nossa ‘mente incorporada’.

As bases dessas conclusões resultam de pesquisas neurológicas, uma delas com a percepção visual das cores. Maturana compreende a atividade das células da retina em termos da circularidade interior, desvinculando a atividade das células do estímulo cromático exterior. É a estrutura da retina que determina a atividade da retina, e não o estímulo externo.7 Enfim, as imagens (representações) criadas pelo sistema nervoso são, na verdade, expressões ou descrições de sua própria organização e, assim, a experiência sensorial da realidade deixa de ser uma representação da realidade e passa a ser uma configuração, uma ‘especificação’ da realidade.

Aprender e o não instrucionismo

As implicações epistemológicas são profundas. Enquanto podemos dizer que existem ‘aprendedores’, não podemos dizer o mesmo sobre os ‘ensinadores’. A instrução ou a tutela da aprendizagem descaracteriza-se totalmente. Organismos autodeterminados decidem o que aprender em função de suas estruturas. Organismo e meio geram-se mutuamente, e não existe esta interdependência do organismo e seu meio.Termodinamicamente abertos, mas organismos estruturalmente fechados. Isso significa que um organismo autopoiético pode trocar livremente energia com o ambiente, mas, ao trocar informações, essas não necessariamente terão um mesmo significado para o sistema (ser vivo) e para um observador externo; para o sistema, cada informação tem um significado próprio, que só para ele faz sentido. Desta forma, mais que interdependentes, o organismo e o meio (como indivíduo e sociedade) são interconstituintes.

O objetivo deste fechamento é a autoprodução da identidade do sistema. O sistema precisa ser autoreferente, pois ele não consegue participar de interações que não estejam especificadas dentro do padrão de relações que descreve sua organização – já que não tem como compreendê-las.8 As mudanças no organismo são desencadeadas pelas interações, mas nunca por elas determinadas.

Se ensinar passa a ser uma quase-impossibilidade, de outro lado isto não elimina a importância da aprendizagem. Mas como a aprendizagem é autodeterminada, as condições que a desencadeiam nos organismos é que deveriam ser objeto de profundo interesse tanto de quem ‘ensina’ quanto de gerentes e tutores de modo geral. A responsabilidade passa a ser mais seriamente na ‘compreensão’ das particularidades dos organismos e não nas tecnologias disponíveis. A concepção do ser vivo como individualidade (e não dependente do meio) confere legitimidade ao ser em si, cada sistema é único em si, cada qual opera sua autonomia, sua auto-organização e sua estratégia unicamente em função de si.

Os organismos autopoiéticos convivem, contudo, com graus de desordem decorrentes da assimilação dos ‘ruídos’ externos e isto os faz evoluir. Misteriosas são as particularidades das decisões de cada organismo em relação ao ‘que quer’ registrar como necessário para sua desorganização e evolução.

Aprender é conhecer e conhecer é aprender, sempre decisões de dentro para fora. Mas não conseguimos ‘instruir’ um organismo em relação ‘a quais ruídos assimilar’. Carl Rogers, independente dos conceitos de Maturana, há muito afirmava ‘ninguém ensina ninguém’. Mas existe aprendizagem pois os organismos continuam sua marcha na direção da autocriação.

As perspectivas do desenvolvimento parecem colocar mais e mais responsabilidades nas relações com base na compreensão e empatia, e na habilidade de organizar ambientes que consigam despertar interesse por aprendizagem. Organizações ‘perenes’, que há décadas sobrevivem, como descrevem Collins e Porras, não são determinadas por seus ambientes e, sim, suas organizações são decorrentes de suas identidades que, contudo, precisam se atualizar para não perder a congruência com o ambiente. O que há em comum entre essas organizações é exatamente a falta de uma ‘visão’, uma clara idéia de futuro.

O alvo principal destas empresas nunca foi, por exemplo, a ‘conquista de um mercado’, mas a construção de um sentido para a organização – de sua identidade, expressa em princípios e não em objetivos. Assim como as empresas, os indivíduos criam um ambiente para suas ações e não se pode descrever um ambiente sem interagir com eles.

As condições da aprendizagem e a necessidade do indivíduo já estão nele contidos (tal como nas organizações). Dentro de sistemas auto-organizáveis, a cognição é sempre um ato criativo, de construção da realidade, pois não toma o mundo como previamente dado. Assim, a ‘instrução’ externa não tem significado em si para organismos autopoiéticos. As ‘instruções’ são internas. O ato de dar um livro para alguém diz muito pouco a respeito do conhecimento que essa pessoa irá adquirir. Ao ler o livro, a pessoa primeiro terá de ser capaz de distinguir o livro da mesa onde está apoiado, depois distinguir a tinta (letras) do papel, depois distinguir o conteúdo do livro (a respeito do que é o livro), depois se o conteúdo é ‘bom’ ou ‘ruim’, se é aplicável ou não, e assim por diante. Todas estas distinções são feitas de acordo com normas próprias, pessoais, ainda que tidas como legítimas por uma comunidade. Ainda mais, sendo o ser vivo estruturalmente determinado, o que vem de fora apenas desencadeia o processo de percepção, mas este é efetivado por correlações internas do ‘observador’ (organismo). Enquanto aprender é, de alguma forma, assimilar o externo, esta assimilação é uma conformidade do organismo com os estímulos, e nunca uma imposição do meio sobre o organismo.

Maturana considera: ‘Quando, na vida cotidiana comum, respondemos a nós mesmos ou a alguém uma pergunta que nos exige uma explicação de uma experiência (situação ou fenômeno) particular, sempre a respondemos propondo uma reformulação daquela experiência … Se a reformulação proposta é aceita como tal pela pessoa que fez a pergunta, ela se torna literalmente uma explicação, e tanto a pergunta quanto o desejo de formulá-la desaparecem. A explicação torna-se uma experiência que pode ser usada para outras explicações. Esta aceitação, por parte do ouvinte, é uma aprendizagem, e é uma decisão interna do organismo, na medida em que acomoda ou não a explicação.’

Se as condições da aprendizagem ‘estão lá’, no organismo, então o desafio está na habilidade para interagir com os organismos, compreendê-los, nas particularidades, nas necessidades, e em adequar condições ambientais. O ‘coaching’ aproxima-se desta idéia, na medida em que através da interação busca-se elevar a aprendizagem de um organismo para que este gere melhor desempenho. Mas é necessário compreender e não instruir. A mesma reflexão se dá para sistemas de ensino e aprendizagem. Muitas organizações investem em universidades corporativas, mas repetem o mesmo dilema cartesiano da cisão entre instrutor e aprendiz. As organizações precisam rever, em muito, critérios de geração de aprendizagem e de compreensão auto-organizativa das pessoas. A crença nas tecnologias de informação e sistemas de ensino à distância pouco poder tem em gerar o tipo de aprendizagem desejada. Parte desta arte do ensinar e aprender tem a ver com as condições de empatia nas interações, de modo a que os organismos reconheçam similaridades e possibilidades de aprendizagens distintivas.

Bibliografia

1 Feuerstein, Reuven; Instrumental Enrichment. Heinemann; UK; 1980.
2 Kolb, DA; Experiential Learning; Prentice Hall; USA; 1984.
3 Ler em ‘A gestão estratégica do capital intelectual’
4 Autopoiesis (do grego poien: fazer, gerar).
5 Demo, Pedro; Complexidade e Aprendizagem; Ed. Atlas; 2002
6 Maturana, Humberto; Cognição, ciência e vida cotidiana; Editora UFMG; 2001.
7 Mingers, J; Self-production systems; Plenum Books; USA; 1995 – para quem quer aprofundar as questões neurológicas desenvolvidas por Maturana e Varela.
8 Gestão da mudança; Bauer, R; Editora Atlas; 1998.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Análise de Potencial e Competências

Há mais de 15 anos estamos trabalhando com sistemas de Análise de Potencial. Ao longo deste tempo, temos observado não só diferentes procedimentos difundidos no mercado como também um uso essencialmente empírico do conceito de Potencial. Paralelamente, vimos coletando um conjunto de perguntas e dúvidas acerca dos temas Potencial e Competências, perguntas que vêm não só de clientes, alunos, como também de colegas e praticantes.

Este artigo pretende responder, sob um determinado ponto de vista, estas questões:

  • O que é Potencial?
  • Potencial é algo fixo?
  • Quais são os objetivos e benefícios de uma Análise de Potencial?
  • Existe diferença entre o conceito de Inteligência e de Potencial?
  • Como se avalia o Potencial?
  • Testes avaliam o Potencial?
  • Existe diferença entre Competência e Potencial?

O que é Potencial?

Se você fizer uma busca bibliográfica sobre o tema ficará surpreso por encontrar nada ou quase nada escrito de maneira consistente. O que encontrará são ainda publicações que giram em torno de traços de personalidade ou estilos (produtor, dominante, intuitivo, conformado, introvertido, pensamento, etc.), produtos das pesquisas em trabalhos clínicos da Psicologia, ou ainda sobre Inteligência (raciocínio, QI, emoções, múltiplas inteligências, etc.), mas não Potencial em organizações.

A definição conceitual aliada à pesquisa ‘on-the-job’, com validação longitudinal das pesquisas e do conceito, continuidade e atualidade da prática fundamentada por técnicas, além da inserção e teste no ambiente organizacional só aparecem nos trabalhos do Dr. Elliott Jaques (Brunel University e Tavistock Institute – Londres). Para Jaques e seguidores, a Análise de Potencial deve responder a três perguntas mínimas: quem (quais e quantas pessoas), em que (atuando em qual nível de complexidade) e quando (com que idade ou daqui a quanto tempo). Sem estas três respostas, não se está falando de Análise de Potencial!

Jaques define Potencial através do conceito Capability. Capacidade é aquela qualidade que define o escopo – não o conteúdo – do trabalho que uma pessoa pode executar. Enquanto que conteúdo pode se referir aos conhecimentos e habilidades específicas que uma pessoa precisa ter, o escopo tem a ver com o nível de complexidade do trabalho a ser feito, e que irá requerer uma determinada Capacidade. Potencial tem a ver, então, com lidar com a complexidade. Jaques integra o entendimento de Níveis de Complexidade do Trabalho – WORK LEVELS – como o tipo de capacidade necessária para levar adiante tal trabalho.

O Potencial é algo fixo?

Jaques estudou o Potencial humano em organizações ao longo de pesquisas de mais de 20 anos, e ainda continua a pesquisar. Diferente de algumas hipóteses que afirmam que nossa capacidade cresce, estabiliza e declina (vide algumas definições de inteligência e teorias do desenvolvimento), para Jaques nossa Capacidade se desdobra e desenvolve-se ao longo do tempo, através de diferentes padrões ou curvas de amadurecimento. As diferenças aparecem entre as pessoas (independente de sexo e raça). Nem todos temos a mesma capacidade, e nos diferenciamos por crescer através de diferentes padrões. Por um lado, não falamos de Potencial como algo fixo. De outro, dizemos que a Capacidade difere de pessoa para pessoa. Nem todos temos capacidade para ser o primeiro executivo de uma companhia! Contudo, nossa capacidade potencial será sempre maior ao longo do tempo, independente de escolaridade, treinamento ou MBA. A vida é suficientemente estimulante para que um organismo encontre desafios para realizar sua capacidade.

O sistema Work Levels assume três estados com relação a Análise de Potencial

a) Capacidade Potencial Atual: nível máximo de complexidade que uma pessoa pode assumir na fase atual de seu desenvolvimento;

b) Capacidade Atual Aplicada: nível de performance atual de uma pessoa, influenciado pela possibilidade de usar ou não toda a sua capacidade atual, pelos seus conhecimentos hábeis ou competências e pelo quanto valoriza o que está fazendo. Esta capacidade pode ser igual ou menor que a Capacidade Potencial Atual;

c) Capacidade Potencial Futura: o nível máximo de complexidade que uma pessoa poderá vir a atuar.

Quais os objetivos de uma Análise de Potencial (AP)?

Para as Organizações

a) Alinhar estrutura e pessoas. Quando integramos níveis de complexidade do trabalho com capacidade, estamos falando de um modelo orientado para a alavancagem da performance de uma Organização. Neste sentido a AP deve ser um sistema capaz de falar de estrutura organizacional, de estratégia, de alinhamento de pessoas e suas competências e capacidades. A Análise de Potencial, nesta linha, não é um sistema de análise de perfil, tipo seleção de pessoal e, sim, um sistema que permite que a Organização discuta como se organiza, como discute seus níveis de trabalho, como alinha logicamente os diferentes desafios de uma Organização com as capacidades das pessoas, buscando complementariedade cognitiva entre os diferentes níveis de complexidade de trabalho. Só então estaremos falando de um pleno uso da inteligência coletiva.

b) Talent Pool. Configuração de um mapa que permita a organização ‘enxergar’ o potencial humano e os padrões de crescimento das capacidades ao longo do tempo. Isto permite que a empresa possa atuar de maneira planejada com seus recursos humanos: desde seleção planejada – de trainees a executivos – sucessão, reversão de padrões de desempenho, descoberta de talentos para funções de inovação, carreiras internacionais, entre outros.

Talent Pool Visão Global

Para os Indivíduos

a) Alinhamento entre capacidade e complexidade do trabalho. Uma das maiores fontes de stress é o desalinhamento entre capacidade e desafio do trabalho. Normalmente, decisões de qualidade são tomadas quando estes dois componentes estão alinhados. Quando as pessoas estão ‘fora de fluxo’ (capacidade e complexidade não integrados), existem perdas para a empresa – decisões impróprias, desperdícios, adiamentos – como também para a pessoa – ansiedade, frustração ou apatia e somatização.

b) Condução da própria carreira:O autoconhecimento é ainda um dos melhores remédios para a felicidade pessoal. Conhecer o próprio potencial é um benefício. Entender o desdobramento do potencial ao longo do tempo nos permite antecipar fases de transição. Ao longo do tempo nossa capacidade se desdobra e transita de um nível para outro de complexidade. Cada mudança no nível de complexidade faz com que nossa visão de mundo se modifique, se transforme, e busquemos outros desafios. E precisamos estar preparados para as transições, refletindo sobre nossos valores e possibilidades. Aqui a AP toma um caráter essencialmente educativo. Saber reconhecer os próprios limites é sabedoria. O discurso – enganoso – de que todos temos que ser empreendedores, falar 4 ou 5 idiomas, ser um ‘Leonardo da Vinci’, parece-nos que traz mais ilusão, do que auxilia as pessoas com relação a suas carreiras. Nem todos temos esta capacidade. Mas todos temos uma capacidade, singular, que podemos conhecer e utilizar. Em vez de se dar falsas mensagens sobre um perfil genérico, idealizado, ilusório, deveríamos investir em como saber aproveitar o potencial das pessoas, que elas de fato têm! Isto sim é desafiador. O contrário, parece-nos, é vender ilusão!

Existe diferença entre Inteligência e Potencial?

Sim. Normalmente as avaliações de inteligência tratam da capacidade como algo fixo, estático. No conceito que utilizamos, Potencial é algo que se desdobra. Além do mais, inteligência normalmente é definida como a capacidade de resolver problemas. Contudo, os testes que avaliam a Inteligência são altamente influenciados por habilidades lógicas, e aplicados em condições altamente estáveis e controladas: pessoa trabalhando sozinha, conjunto de informações disponíveis, alternativas de solução, e a pessoa não está envolvida com cogitar, tomar e produzir decisões. As pesquisas (vide bibliografia), demonstram que não há qualquer correlação entre sucesso na vida prática e inteligência.

Como se avalia o Potencial?

Dentro do conceito de capacidade, o Potencial é avaliado através de instrumentos específicos, desenvolvidos pelo BIOSS – Londres, e pelo próprio Jaques, quando define os tipos de processamento mental – declarativo, cumulativo, serial e paralelo, e os diferentes níveis de qualidade da informação – numérico – verbal e conceitual. O BIOSS trabalha com o IRIS – Initial Recruitment Interview Schedule, uma entrevista estruturada, quantificável, cujo output é o nível da capacidade atual e a tendência de crescimento para os próximos 15 anos. Este processo é utilizado, principalmente, para início de carreira – busca de talentos. Um segundo processo é o CPA (Career Path Apreciation) com o mesmo objetivo, conduzido com profissionais seniores e executivos. Para se avaliar o Potencial é necessário um processo que permita compreender a atitude mental das pessoas para com o trabalho – seu escopo. Isto requer interação.

Testes avaliam o Potencial?

Dentro da definição que propusemos, não! Pesquisas conduzidas tanto pela equipe de McClelland como de Jaques, mostram muito pouca correlação entre os testes tradicionais e a capacidade na vida prática. Isto por razões relativamente óbvias: os testes são todos estruturados, oferecem alternativas definidas, têm tempo definido. A vida não é assim. As situações da vida aparecem de maneira imprevisível, sem respostas definidas. Muitas das principais decisões de um executivo acontecem em ambiente de incerteza e sua capacidade de antecipar e captar o implícito define a qualidade de suas decisões, muitas das quais só serão verificadas em horizontes de 5 a 10 anos.

Igualmente, testes do tipo 16 PF, MBTI, PPA, PI e semelhantes, em nada medem capacidade ou potencial. Falam de estilos de personalidade, mas não respondem a questões básicas – com quem, em que e quando – e muito menos diferenciam as pessoas. Estilos analíticos, pensamento, sentimento, podem estar presentes em qualquer nível de complexidade de trabalho. Tanto uma função simples como a de um alto executivo pode comportar um tipo intuitivo ou sensação atuando! Igualmente com os tipos dominantes ou outros fatores quaisquer. Você pode ser intuitivo, com uma capacidade ‘X’, e também ser intuitivo com uma capacidade ‘Y’. Não existem correlações entre estilo de personalidade e capacidade ou potencial! Na nossa prática, o que normalmente fazemos é identificar quais traços de personalidade seriam ‘negativos’ para a inclusão de uma determinada pessoa num sistema. Os traços positivos devem fazer parte da grande diversidade dos estilos dos indivíduos. Avaliá-los pode ser de pouca relevância.

Existe diferença entre Competência e Potencial?

Se Potencial tem a ver com o escopo do trabalho a ser conduzido, Competência tem a ver com a habilidade em fazer tal trabalho acontecer na prática. Ambos são necessários se quisermos falar de performance ou desempenho. Mas Potencial é condição necessária. O Potencial dá os limites. As Competências garantem a performance dentro deles. Exemplo. Você pode dizer que uma pessoa tem boa competência analítica. Isto não garante que ela consiga lidar com problemas que exijam enfrentar incertezas, já que as informações são pouco claras, as possibilidades de decisão são múltiplas, e este ambiente de ambigüidade irá requerer outros componentes da capacidade que não a análise. É necessária a capacidade de apreender este mundo incerto e intuí-lo, articulá-lo e transformar esta apreensão em estratégias e ações. Do mesmo modo, liderança. Podemos exercer a liderança em diferentes níveis de complexidade num sistema. Contudo, liderar diretamente uma equipe em linha de produção é diferente de liderar um grupo de executivos que precisam de visão e direção estratégica. Produzir esta visão e direção é muito mais do que liderar um grupo em ambientes controlados, como um escritório, e é muito mais do que liderar apenas.

Conclusões

A Análise de Potencial, em nossa prática, busca uma intervenção no sistema humano: alinhar estrutura organizacional, estratégia, valores e capacidade. Há muito a Análise de Potencial deixou de ser uma atividade do tipo seleção de pessoal. A possibilidade de se compreender natureza humana e trabalho, tal qual propõe a teoria Work Levels, está alinhada com o que se compreende , hoje, como a terceira onda da administração – a corrente européia ou cognitiva. A Análise de Potencial é uma possibilidade de alavancar a performance do negócio, muito além dos perfis de cargo até então praticados.

Para ler mais:

  • Jaques, Elliott (1992) – Requisite Organization – Cason & Hall / USA
  • Jaques, Elliott (1994) – Human Capability – Cason & Hall / USA
  • Spencer, L e S (1993) – Competence at Work – Wiley & Sons / USA
  • Sternberg, R (1997) – Intelligence, Heredity & Environment – Cambridge Press / USA
  • Sternberg, R (1994) – Personality and Intelligence – Cambridge Press
  • Sternberg, R – (1984) – Beyond the IQ – Cambridge Press / USA.

Nota: Artigo originalmente publicado no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Sem categoria

A gestão centrada em valores

O tema valores tem conquistado maior espaço nas ciências sociais, no marketing, nas relações humanas e gerenciais. E irá canalizar ainda mais atenção se considerarmos a relação entre ‘valores’ e ‘tempo’.

De acordo com Schwartz (1992), o sistema de valores possui cinco destaques para defini-lo:

  1. os conceitos ou crenças;
  2. os comportamentos desejáveis;
  3. os que transcendem situações específicas;
  4. os que orientam a seleção ou avaliação dos comportamentos ou eventos e
  5. os que são hierarquizados por sua importância relativa.

Inúmeros estudos sobre o tempo, em diferentes culturas, apresentam padrões comuns e tendem a demonstrar que todos possuem uma orientação temporal para as ações e que estas influenciam as decisões (Bergadaà, 1990).

A combinação entre valores e tempo interessa à gestão. Elliott Jaques trouxe para o centro da Administração a dimensão do tempo, quando afirma que a liderança gerencial tem a ver com a capacidade de estender a visão ao longo do tempo. A liderança acontece pela capacidade de ‘visualizar muito antes’.
O ‘time-span’ com que as pessoas conseguem trabalhar não apenas influencia a perspectiva temporal como também o sucesso de cada etapa de um plano, pela capacidade de antever, prever e ter alternativas antecipadas de ação. Quanto mais longa a orientação temporal de uma pessoa, menos necessária se torna a recompensa imediata. É a condição da liderança em poder adiar a recompensa enquanto constrói caminhos para resultados futuros.

Jaques (1987) também destaca que a população ‘vive’ em diferentes ‘time-spans’. A grande maioria, cerca de 80%, focando horizontes entre um mês e um ano. Uma pequena parte entre um e dois anos e outra ainda menor entre dois e cinco anos. Somente uma quantidade ínfima de pessoas consegue visualizar horizontes acima de dez anos.

Gestão e valores

As competências têm sido uma ferramenta norteadora da gestão. Contudo, em geral, distorcidas por vários motivos: uso indiscriminado, escassez de consistência e persistência, despreparo da gerência, desconhecimento por parte dos demais, definições genéricas ou traduções literais, e transposição de uma empresa para outra, entre outros.

A gestão por competências não se tornará um paradigma administrativo no médio prazo. Já focar valores é consistente, pois os conflitos inerentes a eles são imediatamente perceptíveis (ainda que não o queiramos admitir). Não falamos dos valores “traduzidos” dos livros dos “gurus”, nem os que se tenta transpor de uma empresa para outra sem qualquer resultado.

Os valores determinam a direção para que se extraia o melhor da capacidade humana, seja para o comando do crime ou o comando de uma corporação. A diferença está nos valores.

A gestão centrada em valores exigirá muito dos gerentes. Ela envolve conhecer profundamente a empresa, as pessoas e a si mesmo. Como os valores envolvem sempre aspectos ‘inconscientes’, a presença do gestor nas microrrelações é fundamental, e a prática da coerência será o divisor de águas.

A gestão centrada em valores pressupõe uma liderança coerente, relações estáveis e de confiança, equilíbrio entre atenção, respeito e coerência nos valores, e um relativo grau de liberdade para a divergência e exploração do pensamento sem receios ou restrições. Finalmente, a construção de vínculos de longo prazo se sustenta bem mais na questão dos valores do que na de competências.

Valores e ‘time-span’

É muito significativo que a maioria das pessoas trabalhe num horizonte de um mês a um ano. Os políticos sabem e exploram muito bem isso. Suas promessas de transformações são sempre fenomenais no curto prazo. Às vésperas das eleições vemos ‘brotar’ obras. Porém, transformações de longo prazo exigem saber adiar recompensas e acreditar (coerência e confiança). Na gestão, porém, a maior parte das ações e da pressão organizacional acontece nos horizontes de curto prazo. Mas a liderança estará construindo padrões para o longo prazo.

A habilidade da gestão em compartilhar valores, em criar ambiente de confiança, em sustentar a coerência, é fundamental para trazer a cooperação e o envolvimento. Mais ainda, o alinhamento dos valores, das crenças, será a base para a geração das competências necessárias e, oportunamente, para descartá-las, se não servirem mais aos valores. O contrário é impossível. Nenhuma competência sobreviverá se incoerente com o sistema de valores.

Referências Bibliográficas

Bergadaà, M.  “The role of Time in the Action of the Consumer”. Journal of Consumer Research, 17, 3, 1990, p. 289-302.

Jaques, Elliott. “The Form of Time.” Cason Hall, USA, 1987.

Schwartz, S.,H. “Universals in the Content and Structure of Values: Theoretical Advances and Empirical Tests in 20 Countries.” Advances in Experimental Social Psychology, Zanna (Ed.), 25, 1992, p.1-65.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

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Recursos Humanos, Sem categoria

Talent Pool ou 9 Box?

Em junho de 2009, escrevi e o artigo que deu origem a este post: Comparações entre o Talent Pool® e o 9 boxJá era evidente, naquela época, o crescimento na utilização do modelo 9 box por muitas organizações. E esse crescimento não parou nesses seis anos que se passaram. Hoje, arrisco dizer que, se você está envolvido com gestão e recursos humanos, já ouviu falar do modelo e, talvez, já tenha até sido objeto dele.

Ironicamente, parece que, quanto mais se usa o 9 box, mais manifestações de interesse recebemos, no Instituto Pieron, com relação ao Talent Pool®, nosso modelo de gestão da capacidade humana instalada em uma organização. Nossa experiência é de que o Talent Pool® dá as respostas que os praticantes do 9 box procuram, mas frequentemente têm dificuldades de obter pelas limitações inerentes ao modelo. Alguns de nossos clientes, ao trabalharem conosco, optam por utilizar o Talent Pool® para “alimentar” o 9 Box, enquanto outros, acabam adotando o Talent Pool® como seu único modelo para gestão de capital humano.

Mas não saltemos diretamente às conclusões. Um dos pedidos que sempre nos fazem, quando estamos explicando nosso modelo de trabalho, é se poderíamos fazer uma análise comparativa entre o Talent Pool® e o 9 Box (ver Quadro I abaixo).

Quadro I
Quadro I: Talent Pool vs Nine Box

Responder a isso requer cuidado e qualquer análise precisa ser criteriosa. Para tanto, elejo alguns critérios de comparação, que serão discutidas livremente neste post:

  • Forma de organizar a informação e visualizar as dimensões do capital humano instalado para permitir seu gerenciamento
  • Definições claras: Bases teóricas, validade e conceitos definidos, em particular a respeito de potencial (envolve grau de cientificidade, pesquisa, validade, bibliografia), e aspectos metodológicos
  • Diferenciação de outros conceitos tais como talento, competências, desempenho, tipologias
  • Tratamento dos resultados: Justiça na forma do tratamento do humano e grau de compartilhamento dos resultados com os interessados (os avaliados)
  • Metodologia e a sua possibilidade de replicação, considerando a utilização por diferentes pessoas obtendo resultados semelhantes
  • Integração com decisões estratégicas
  • Contribuição para decisões gerenciais e alocação de recursos para investimentos

Porque fizemos nossa opção pelo modelo Work Levels® e pelo Talent Pool®

Antes de entrar na comparação entre os modelos, é importante destacar que o Instituto Pieron fez sua opção estratégica pelo modelo Work Levels® há quase 20 anos. Este modelo integra, numa mesma linguagem, níveis de complexidade de trabalho e a estimativa da capacidade potencial (atual e futura) com a composição do Talent Pool®. Porque fizemos esta opção? De um lado, por nos dar definições específicas e com validade de longo prazo. De outro, por propor uma linguagem que foge da psicologia e dialoga diretamente com a estratégia.

Também porque o modelo Work Levels® se propõe dar respostas para perguntas de CEOs, tais como:

  • Quem cresce, em que direção cresce, em quanto tempo cresce?
  • Temos sucessores para diferentes níveis na organização? Quem e em quanto tempo?
  • Dos jovens contratados, quais têm a perspectiva de uma carreira ascendente?

Outro motivo da nossa opção por esse modelo é a definição precisa do que se entende porcapacidade potencial – veja, capacidade e não apenas o termo potencial. Por quecapacidade? Do inglês, capability. Tem a ver com os recursos inerentes de cada pessoa para lidar com a complexidade. Complexidade envolve diferentes dimensões. Uma delas é um trabalho mais e mais abstrato – as questões do ambiente externo tornam-se cada vez mais relevantes. Também envolve variáveis diferentes, as taxas de mudança dessas variáveis, combinações e recombinações imprevistas entre elas, antecipações de consequências. Implica em envolver-se mais com o desconhecido do que com o conhecido. Implica na construção do futuro. Envolve discernir e julgar em face da ambiguidade e incerteza.

Fizemos essa opção também porque o conceito de capacidade potencial que usamos é cientificamente validado por pesquisas longitudinais em horizontes de tempo diferentes, algumas por quase 20 anos. Ainda mais, porque este conceito de potencial distingue-se de outros muito comuns, quase que commodities, tais como inteligência, personalidade, atitude, tipologias, competências, experiência, conhecimento e que não refletem “o que uma pessoa é capaz de fazer quando não sabe o que fazer”.

Finalmente, porque o modelo Work Levels® oferece um contexto para se falar de potencial; isto é, quando falamos de potencial especificamos potencial para quê, para quais níveis de complexidade de trabalho, tanto para agora quanto para o quando no futuro. Sim, estimativa futura, para que a demanda por sucessão seja também contemplada no planejamento estratégico.

Comparando os modelos

1. DIFERENÇAS NA REPRESENTAÇÃO DA INFORMAÇÃO

Olhando-se o 9 box por meio das práticas dos outros e também pelo nosso contato direto em projetos de consultoria, identificamos algumas dificuldades bem específicas. A origem do 9 box não é precisa. Lembro-me quando ainda na Rhodia (anos 80) utilizávamos o termo 4 box, provavelmente oriundo da matriz BCG – Boston Consulting Group. Este modelo olhava produtos em suas dimensões crescimento do mercado e participação de mercado e classificava como vacas-leiteiras aqueles produtos que desfrutavam de alta participação em mercados de baixo crescimento. Ou seja, requeriam baixo investimento e, consequentemente, geravam bastante caixa.  Produtos estrelas, por outro lado, requeriam altos investimentos com um potencial de retorno igualmente alto, pois desfrutavam de alta participação em mercados em franca expansão. E assim por diante. Os produtos com baixo retorno e baixo investimento seriam desativados. O paralelo com o 9 box se faz nas dimensões participação de mercado versus desempenho e crescimento do mercado versus potencial.

As poucas citações em publicações em torno do 9 box, por exemplo neste livro de Ram Charam, sugerem seu uso, mas não tratam das origens, teorias, pesquisas, fundamentos conceituais. Pesquisando na internet você lerá sobre os boxes a serem preenchidos, mas nunca sobre os conceitos.

A observação visual (Quadro I acima) mostra diferenças importantes. O Talent Pool® tem como base o modelo Work Levels®. Esse modelo integra numa mesma linguagem níveis de complexidade de trabalho e a capacidade potencial das pessoas. À esquerda, sete níveis de complexidades. Os cinco primeiros, necessários e suficientes para um negócio complexo. Sete para corporações. A capacidade potencial atual de uma pessoa é representada por um ponto nas curvas. As curvas mostram os diferentes padrões de crescimento da capacidade potencial para diferentes horizontes de tempo. São padrões longitudinalmente pesquisados e validados. Na coluna da direita correlaciona-se a estrutura organizacional com os temas de complexidade (apenas um exemplo, pois títulos e complexidade nem sempre guardam relação direta).

Desta maneira o Talent Pool® organiza e apresenta a relação entre capacidade atual e futura das pessoas como o ambiente de cargos da organização. Olha-se para o hoje e olha-se para o futuro num mesmo modelo. Tem-se aquilo que é essencial numa análise de potencial: potencial para quê (conduzir qual complexidade de trabalho hoje e no futuro) e para quando (em quanto tempo no futuro). O 9 box relaciona potencial (alto ou baixo) com o desempenho (alto ou baixo).

2. DEFINIÇÕES CLARAS

O 9 box utiliza as variáveis – potencial e desempenho – já comentadas acima. Se, didaticamente, eliminarmos a variável desempenho do campo visual de quem está fazendo a avaliação e solicitarmos “vamos falar apenas de potencial”, há paralisia. Essa paralisia – entendo eu – se deve ao fato de que não há uma definição de potencial proposta neste recurso classificatório. Potencial, muitas vezes, é explicado como “condições de avançar um pouco mais”, “subir um ou dois níveis” etc. Isso não é uma definição clara de potencial, mas refere-se apenas à uma projeção ou previsão.

Ainda assim, há a questão da confusão entre cargos e complexidades. Diferentes cargos podem estar num mesmo nível de complexidade, embora um mais alto que o outro. Exemplos? Trainee, analista júnior, analista pleno, analista sênior, especialista, supervisor, coordenador, chefe de processos – todos podem estar num mesmo nível de complexidade. Permitem a evolução, uma carreira, mas sem alterar o tema de complexidade e, consequentemente, demandando a mesma capacidade potencial, embora para assuntos diferentes (conhecimentos, habilidades, gestão de pessoas, competências específicas).

A paralisia também se deve ao grau em que o desempenho influencia a percepção do potencial. O desempenho indica que a pessoa está usando toda ou parte de sua capacidade potencial atual. Mas nada nos diz do futuro. Portanto, o desempenho não necessariamente implica em que todas as variáveis da capacidade potencial das pessoas estão ali presentes. Mas, e o mais complicado, é que, pessoas com estilos pessoais muito diferentes e mais valorizados pelas organizações podem ter seu potencial “aumentado” mais do que o de outras pessoas, por características tais como “energia”, motivação, facilidade de comunicação e participação, trânsito interpessoal, autoconfiança etc.

O Talent Pool® baseado no Work Levels® propõe-se a discutir potencial única e exclusivamente a partir de um conceito de potencial. Deveria ser óbvio, mas na prática não o é. Pelo Work Levels® entende-se que cada nível de complexidade envolve graus de incerteza cada vez maiores nas decisões. A capacidade potencial é avaliada em relação a esses graus de incerteza. Os work levels são como os graus do termômetro. A pessoa seria representada pelo mercúrio numa daquelas posições. Não temos isto no 9 box.

3. O PRESSUPOSTO CIENTÍFICO DE MEDIÇÃO E DIFERENCIAÇÃO CONCEITUAL

A frase “Não se pode gerenciar o que não se pode medir” é frequentemente (e erroneamente) atribuída a Deming. Na verdade ele classificava como um pecado mortal gerenciar uma empresa baseado apenas em indicadores visíveis. De qualquer forma, quando trazemos a questão de medição e indicadores para o âmbito do potencial, podemos dizer que:

  1. Uma medida de potencial contribui para e favorece seu gerenciamento;
  2. Se não definirmos o que é potencial, não podemos medi-lo; e
  3. Se não podemos medi-lo, não podemos estimá-lo ou projetá-lo (e podemos ter maior dificuldade de gerenciá-lo).

O valor de apreciações científicas na decisão a respeito de pessoas é proporcional ao impacto que más decisões têm sobre as carreiras e sucesso profissional de cada pessoa. Ao se falar de investimento, decisões atuais, custos, gastos, desperdícios, o que sempre envolve pessoas, não é difícil calcular os custos com decisões erradas. O não uso de conhecimentos científicos pode ser interessante para as políticas internas, mas não se justifica ao longo do tempo.

A ampla confusão de conceitos em torno de pessoas, muitas delas oriundas da própria psicologia, requer mais rigor. Conceitos imprecisos tais como inteligência, aptidões, personalidade, já se mostraram sem correlação com o sucesso na vida do trabalho (ver McClelland). Isso gerou a proliferação de inúmeras outras “inteligências”. Conceitos como personalidade igualmente repetem as mesmas imprecisões e dificuldades de uso. Mais recentemente, a mesma doença da imprecisão e uso superficial acomete as “competências” (ver Fernandes e Comini). Não existem estudos confiáveis que mostram relações fortes entre esses conceitos e vida prática de resultados (ver Spencer & Spencer). O termo talento é utilizado indistintamente. Afinal, o que é talento? Talento é o potencial? Talento já é um desempenho excepcional? Algumas empresas utilizam o termo talento como referência a todos profissionais que ali trabalham, como forma de tratamento!

O Talent Pool® fornece informações categorizadas para uma avaliação da capacidade humana instalada e projeções para funções futuras especificadas e diferenciadas, e uma imagem da distribuição dos recursos humanos no conjunto da organização, o que é integrado com a estratégia organizacional e de recursos humanos. O 9 box não especifica nem o conceito do potencial nem expressa visualmente o tamanho do potencial. O Talent Pool® não coloca potencial na vertical – coloca temas de complexidade sugerindo, então, potencial para quê. E não coloca desempenho na horizontal. São objetos diferentes, olhares diferentes. Quero dizer, quando se avalia o potencial, avalia-se o potencial!

Via Work Levels® diferenciamos capacidade potencial de conhecimento, experiência, habilidades e outras dimensões comportamentais, desvinculando essas como explicação daquela. Faz sentido. Podemos ter capacidade potencial e não ter experiências ou conhecimentos acumulados. Isso é óbvio. Não há porque confundir. A ideia da capacidade potencial como um elemento isolado nos permite compreender o valor em pessoas que não pertencem aos grupos dominantes, ou que, por fatores educacionais e de oportunidade, não tiveram acesso à formação. Sim, pois o modelo Work Levels® é completamente isento de bias culturais, gênero, idade ou formação escolar. Também mostra os valores ocultos da empresa e o quanto podemos investir para ajudar as pessoas a transformar potencial em desempenho. O uso do desempenho no 9 box pode ser um desserviço na busca da compreensão da capacidade potencial se não for bem cuidada no seu uso e compreendida em suas limitações preditivas.

4. MUDANÇAS NO POSICIONAMENTO DAS PESSOAS DE UM ANO PARA OUTRO

Este é um dos pontos intrigantes, conforme visto em diferentes práticas. Num determinado ano algumas pessoas aparecem como “estrelas”. No outro ano, não! A pergunta é: Para onde foi o potencial? Curioso, não? Perdi meu potencial? Tinha e agora não tenho mais? O complicado é como explicar isso. A falta de definição clara é uma das explicações possíveis. A segunda são as variáveis das percepções dos avaliadores associadas às mudanças que ocorrem de um ano para outro, na liderança, nos contextos, nos recursos, nas motivações, entre outras. O que não é aceitável é que de um ano para outro a avaliação do potencial mude tão dramaticamente.

5. NECESSIDADE DE REPETIÇÃO DA AVALIAÇÃO DE POTENCIAL

Com base na questão acima, é prática das organizações refazerem suas estimativas de potencial a cada ano. O que justifica isso? Provavelmente as mesmas imprecisões já mencionadas. Assume-se que no ano que vem as pessoas poderão emergir de maneira diferente quanto ao seu potencial? Mudanças tão qualitativamente diferentes de um ano para o outro? Ou estamos falando de alguma outra coisa? Contudo, a questão é outra. A questão está na gestão do talento. Se identifico tal potencial, o esforço da organização estará em fazer com que este potencial se realize, e isso envolve tempo, gerar condições para o desempenho e gradual aumento das competências para se conseguir um desempenho mais e mais coerente com o tamanho do potencial avaliado. O Modelo Work Levels® não pressupõe reavaliações anuais. De fato, pressupõe uma, no máximo uma segunda – 5 anos à frente, porque está baseado em pesquisa e validado no tempo. Realizar o potencial é tarefa da gestão. Daí a importância do alinhamento e confiança conceitual da organização em relação ao que ela mede.

6. RISCO DE INJUSTIÇA NOS QUADRANTES CLASSIFICATÓRIOS E NA FORMA DE TRATAMENTO DO HUMANO

Os aspectos que afetam o desempenho são muitos. Elencamos alguns poucos: a liderança recebida; os recursos disponíveis; grau de autonomia definido; aceitação de riscos; confiança na relação líder-liderado; valorização do trabalho pela pessoa. Baixo desafio ou desafio exagerado para a capacidade potencial. Ausência de algumas habilidades específicas. Ausência de coaching pela liderança.

De outro lado, classificar pessoas como baixo potencial é contrário à própria natureza humana. Todos têm potencial para algum nível de complexidade. Como os níveis de complexidade são todos necessários para o bom andamento do empreendimento, cada pessoa terá algum potencial associado a algum papel a ser desempenhado no contexto de trabalho. Isso limita ainda mais a produção de feedback (adiante) e torna o 9 box um sistema fechado em si mesmo, já que perde sua ligação com um contexto claro de ação. Como a possibilidade de feedback fica baseada nas percepções dos envolvidos, como levá-los às pessoas e conversar com elas a respeito?

7. PROJEÇÃO EM HORIZONTES DE TEMPO À FRENTE COM BASE NO POTENCIAL PARA QUÊ

Classificar no box estrela (alto potencial e alto desempenho) significa o quê especificamente? Que todos ali são os futuros CEOs? Deveriam, não? Acontece que nessebox podemos ter um grupo de analistas, um grupo de supervisores, um grupo de gerentes, um grupo de diretores. Todos com alto potencial. Mas é o mesmo potencial atual? O mesmo potencial futuro? E crescerão para quais níveis de complexidade? Em quanto tempo? Nisso o modelo Work Levels® é extremamente específico: define os temas de complexidades de trabalho bem como associa a capacidade potencial – atual e futura – com alguns destes temas. A organização precisará apenas fazer a tradução da sua estrutura organizacional para dentro da linguagem Work Levels®, ou vice-versa.

Ao se projetar o 9 box na forma do Talent Pool® (veja as diferenças no Quadro I) a organização perde a possibilidade de especificar quantitativa e qualitativamente os potenciais para quê. O Talent Pool® permite especificar tanto a quantidade de talentos atuais para cada nível de complexidade. Também permite, num só modelo, projetar os movimentos futuros, para as diferentes complexidades, nominalmente se quiser, e diferenciando os prováveis padrões de crescimento. Ora, isso é único.

Pelo 9 box perde-se a possibilidade de análises do capital humano potencialmente instalado, pois todo o grupo é tratado em blocos. Por exemplo, se tenho um grupo de alto desempenho e baixo potencial, poderia agrupar todas essas pessoas num mesmo padrão de investimentos em desenvolvimento? O que dizer para um gerente industrial de alto desempenho e um supervisor de alto desempenho (ambos no mesmo box). Terão as mesmas políticas de investimento para desenvolvimento? As práticas de investimento devem considerar o potencial atual e a complexidade em que o potencial será utilizado. A questão é que a análise do potencial procura estar alinhada com políticas diferenciadas para o desenvolvimento de pessoas. Não podemos pensar na análise de potencial isoladamente. Ela deve gerar decisões gerenciais, de curto, médio e longo prazo. Assim, sua precisão assessorará investimentos.

O 9 box é conduzido no processo de people council. Isso presume que todos os envolvidos possuem a mesma base de compreensão, conceitos e evidências sobre as pessoas a serem avaliadas. O que não é verdade. Assim, na ausência de um conceito de potencial claro, o desempenho predominará. E, em geral, bem menos pessoas terão com o que contribuir. Além do mais, retira-se a responsabilidade do gestor por tal.

8. FEEDBACK AO AVALIADO

Partimos do pressuposto de que todas as pessoas têm, não só o direito, mas merecem o respeito, de saberem o que é que se pensa delas e saber como a organização compreende as possibilidades de seu desenvolvimento na organização. Envolve sua autoestima, sua carreira, seus projetos pessoais. Nossa prática com o Modelo Work Levels® é a de ser transparente. A primeira pessoa a conhecer sobre a apreciação de sua capacidade potencial é a própria pessoa. Isso gera confiança e apoio às ações de desenvolvimento posteriores.

Ainda assim, afirmar que uma pessoa tem baixo potencial é algo que não faz muito sentido. Qual é o padrão de relativização? Um CEO poderia ser classificado como baixo potencial? No modelo 9 box até poderia ser que sim, se a conclusão for que ele é umcareer level. Mas, no mínimo, é estranho. Capacidade potencial para ser um CEO é um recurso extremamente escasso na população. No Work Levels® ele continuaria provavelmente com seu potencial para ser um CEO, no mínimo, sem que isso queira dizer baixo ou alto. Ou seria classificado como alto desempenho e baixo potencial? Portanto, afirmar que alguém tem baixo potencial é impreciso porque, no mínimo, a pessoa tem potencial para continuar fazendo o que faz, ou um pouco mais dentro do mesmo nível de complexidade. Mais específico, no modelo Work Levels® o tamanho da função do CEO pode ser mensurada. Dependendo da estrutura do negócio, podemos falar de um CEO do “tamanho” work level IV, V, VI ou VII. E ao olhar no tempo de crescimento, podemos nos surpreender.

O 9 box é um sistema fechado. Por princípio concordo com Dutra que todo processo avaliativo que não gera feedback ao diretamente interessado tem dificuldades internas específicas: na cultura da avaliação, na confiança do uso dos recursos, na confiança dos resultados, na qualidade dos processos avaliativos envolvidos, entre outros. No limite, não agrega valor para a pessoa.

Isso significa que o 9 box não deva ser utilizado? Do ponto de vista das reflexões acima, só deveria ser utilizado na medida em que a organização assumisse uma definição específica de potencial que fosse, de fato, independente da questão do desempenho, pois isso tem a ver com o passado. Potencial tem a ver com o futuro. O ciclo de analisar potencial deveria ser um ciclo de analisar o potencial. Somente isso. Ainda assim, há que se ter um respeito pelas pessoas. Ao invés de baixo ou alto potencial, dever-se-ia tratar de graus de complexidades para a aplicação do potencial. Assim, cada pessoa teria o seu lugar estimado, atual e no futuro. Porém o 9 box não oferece recursos para se estimar o potencial para quê e para quando. Ambos – para quê e para quando – demandam teoria, conhecimento, pesquisa. Assim, há a possibilidade de se enriquecer o 9 box com conceitos, e cada box deveria ser recheado com informações do potencial para quê – a complexidade do trabalho. A combinação do Talent Pool® com o 9 box pode ser extremamente enriquecedora para a organização e para as pessoas (como já comprovado pela experiência com clientes).

Mas, e a questão do desempenho? Este é outro ciclo. Observar desempenho tem a ver com a identificação de lacunas que afetem a obtenção dos resultados. Tem a ver – em algumas organizações – com associar recompensas. Determinante para a gestão. Porém, o que explica o desempenho é, no mínimo, uma combinação entre capacidade potencial e, se quiser, competências (ou conhecimentos hábeis e valor, como preferimos utilizar). Os elementos explicativos do desempenho estão nos processos ou inputs que afetam o desempenho, e nas condições de acesso a recursos e coaching, de outro lado. Parece ilógico olhar para o desempenho sem discernir os elementos que o influencia.

9. ASPECTOS METODOLÓGICOS ENVOLVIDOS

Normalmente, enquanto prática, o 9 box não é replicável. Como alguém poderia usar sua experiência com uma organização para olhar pessoas de outra organização? Interessante este raciocínio. E o inverso? Uma pessoa de uma organização sendo avaliada em outra, com outras pessoas? Falaríamos de potencial de acordo com o tipo /cultura da organização? Seria possível ter uma metodologia estruturada que independeria do quanto conheço do histórico e do convívio com alguém? Se o 9 box propusesse uma teoria, conceito e procedimento de análise que pudesse ser transferido, teria uma metodologia de capacitação para diferentes pessoas e como seria isso? No que se baseariam, quais seriam os conteúdos de formação? Tudo isso sem tocar nas questões sobre validade ao longo do tempo, grau de coerência intersubjetiva dos avaliadores, verificações pré e pós-avaliação no tempo. Profissionais de uma organização levam o 9 box para uma outra. Mas o que é que estão levando de fato? Uma teoria sobre pessoas? Histórico de longos anos sistematicamente confirmados? Coerência entre avaliadores a ponto de justificar uma opção conceitual? Validade de longo prazo?

O modelo Work Levels® propõe uma metodologia validada de apreciação da capacidade potencial, indo além. Seus resultados são compartilhados e incluídos em ações de desenvolvimento. Busca-se que a gestão das pessoas aconteça dentro do conceito de flow – equilíbrio entre capacidade potencial e desafio do trabalho. A integração entre os temas – complexidade e potencial humano – aponta para as zonas de crescimento e os cuidados que a gestão deve ter para com o potencial delas. O gestor é responsável por desenvolver o potencial atual, pela prática do empowerment, em projetos que saiam da rotina e estimulem a geração de desafios que agreguem valor à organização e à pessoa, colocando seus liderados em flow. A estratégia de recursos humanos é responsável por cuidar do potencial futuro, mantendo diferentes bases de informações e linhas de investimento para a gestão dos talentos para os diferentes níveis de complexidade, pois todos são necessários. Não encontraremos o rótulo baixo potencial no Work Levels®. Afinal, a pergunta será sempre “temos potenciais para os diferentes níveis de complexidade de trabalho”?

10. O CONCEITO, A ESSÊNCIA E A SÍNTESE DAS DIFERENÇAS

O Sistema Work Levels® propõe um modelo por complexidade empiricamente desenvolvido por Elliott Jaques e Gillian Stamp, entre outros. Propõe um conceito de trabalho (discernir, julgar e aplicar conhecimento) e um conceito de capacidade potencial (julgamento diante de incertezas e ambiguidades). A essência da questão do julgamento como capacidade potencial é que envolve princípios de totalidade. Totalidade na apreensão da realidade externa, em dar significado a ela e gerar condições para estruturar ações no tempo – construir um futuro. Envolve agir, no sentido de decidir o que alocar, que recursos comprometer, e optar por uma linha de ação dentre várias possíveis. Totalidade também porque o julgamento envolve o todo da pessoa em ação. Julgar os caminhos envolve aspectos conscientes e inconscientes. E, como tal, julgamento sempre implicará incerteza, risco, e o diferencial da pessoa, que é o quanto de futuro consegue captar em seu significado de possibilidades, de acontecimentos e de eventos.

Envolve apreender o tempo em sua dinâmica evolutiva, essência do trabalho gerencial. A perspectiva de compreender o organismo em ação, sua capacidade para dar significado às possibilidades futuras tem muito mais a ver com as demandas do trabalho do que quaisquer traços. Veja-se, por exemplo, que, em momentos de crise, condições de incerteza emergem e, com elas, a falta de experiência anterior com estas condições. Ao mesmo tempo, gerentes e executivos precisam continuar tomando decisões. E traços não explicam estas capacidades potenciais para lidar com condições tão adversas e demandantes de decisões. Ora, estas qualidades em nada são estranhas, como por exemplo, nota Bernstein: “…Mas em que extensão confiar nos padrões do passado para dizer como será o futuro? O que mais interessa quando estamos frente ao risco, os fatos tal como os vemos ou a crença subjetiva que está escondida no vetor do tempo?”

…Mas em que extensão confiar nos padrões do passado para dizer como será o futuro? O que mais interessa quando estamos frente ao risco, os fatos tal como os vemos ou a crença subjetiva que está escondida no vetor do tempo?— Peter L Bernstein

Não há referências a conceitos no 9 box. Há, apenas, uma lista de traços que devem ser encontrados nos “altos potenciais”. Os traços tratam dos efeitos de algo. Mas a lista de traços não reflete qual é o conceito. E por serem traços, estarão sujeitos a múltiplas interpretações, pois para cada traço será necessário um esclarecimento mútuo dos envolvidos do que se quer dizer por eles. Aproximamo-nos bem mais das opiniões do que do conhecimento. Um conceito objetivamente formulado permite apreender um evento, em sua singularidade. Traços geram categorizações, muitas vezes de naturezas tão diferentes, que se distanciam enormemente da natureza do fenômeno. Um exemplo (ver Ram Charam): “altos potenciais aspiram a oportunidades de alto nível”; ou “têm uma perspectiva de negócio além do seu nível atual”; ou “normalmente trabalham na construção de novas habilidades ou destrezas”; ou “demonstram habilidades técnicas e profissionais que são amplas”. Vejam as imprecisões: qual é o tamanho do alto nível? Qual é a amplitude da perspectiva? Porém, a pergunta sempre será: Tendo estes ou alguns destes atributos, em que nível de complexidade de tomada de decisões esta pessoa estaria capacitada?

Uma das críticas ao modelo Work Levels®

Um dos pontos que em geral temos que confrontar é a crítica ao determinismo do Talent Pool®, em especial às curvas de desenvolvimento. Ainda nos EUA, Elliott Jaques tomou o cuidado de submeter sua teoria a um conhecido escritório de advocacia para que se pronunciasse sobre o quanto sua teoria seria “antidemocrática”. Nenhuma objeção foi colocada. Contudo, valem alguns comentários a mais. A hipótese determinista não se aplica, pois o conceito determinista sempre envolve conhecer as condições pelas quais podemos influenciar e modificar um evento. Assim, ser determinista seria conhecer que ações externas eu posso fazer e que levarão uma pessoa a se comportar ou se desenvolver “do jeito que eu quero ou desejo”.

A teoria de Jaques não é determinista. Ele mesmo afirmava: “Esses são os dados que tenho em mais de 30 anos de pesquisa”. Fala desde uma perspectiva científica. Ser determinista é muito parecido com a teoria behaviorista ou skinneriana. Nesse modelo consigo associar estímulos ou reforços para alterar o comportamento. As organizações praticam isso, associando recompensas, remuneração, investimentos em treinamentos, MBAs, e tantos outros mais. Ainda assim ouvimos queixas e queixas sobre o quanto estes investimentos não geraram os retornos esperados em termos de performance mais elevada das pessoas no conjunto dos investimentos.

Esses são os dados que tenho em mais de 30 anos de pesquisa.— Elliott Jaques

Embora a resposta pareça óbvia, cabem comentários. Os investimentos devem estar associados ao desdobramento da capacidade potencial e às expectativas de desempenho alinhadas à capacidade potencial e aos desafios de complexidade de trabalho. Do contrário, trataremos todos como uma grande massa amorfa. Isso é determinismo. Mas não se sustenta nos dados obtidos. Basta você mesmo olhar para a sua organização e buscar alguma correlação entre estes investimentos e aumento do potencial. Provavelmente encontrará em alguns casos. O que explica? A pessoa teve espaço para aplicar seu potencial? Creio que sim.

O Talent Pool® usa o termo desdobramento para mostrar o crescimento futuro do potencial. Mas não devemos confundir com desenvolvimento, o que envolve acumular conhecimentos hábeis, valores, atitudes, que nos ajudam a desempenhar. Aqui, a arte da gestão do talento se encontra com a retenção deles. Estas são ações controláveis pelo ambiente externo. Mas quem decide aprender é o organismo.

Potencial não é desempenho

Uma palavra final. Potencial, como a física, por exemplo, define, significa “energia não transformada em trabalho”. O que quero dizer com isso é que podemos analisar potencial simplesmente apreciando o potencial. Obviamente que no trabalho temos a pessoa em ação. Porém, ao se falar de futuro, não há porque considerar desempenho. De fato, potencial é a promessa de um desempenho futuro. Muito esforço organizacional deve ser conduzido para que o potencial se transforme em desempenho. Mas a importância estratégica de compreendê-lo (o potencial) é significativa.

 

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