Coaching ou Counseling? Uma leitura sistêmica

agosto 20, 2020

As comparações que faremos a seguir das atividades de coaching e counseling consideram e se restringem ao contexto organizacional, onde as funções gerenciais possuem contornos específicos.

coaching é uma atribuição gerencial e a ela se associa papel similar ao papel do técnico esportivo, o coach. Sua ação envolve não apenas o domínio técnico como também o comportamental, atitudinal e de competências dos liderados. É uma atribuição não-delegável para alguém externo, pois o coach se compromete com o desempenho e com todos os fatores que o afetam.

Voltaremos a isso daqui a pouco e antes, gostaria de dizer que de acordo com Gillian Stamp, existem três atividades gerenciais essenciais, que articuladas resultam numa prática ótima:

  • Tasking (atribuir responsabilidades)
  • Trusting (confiar no julgamento)
  • Tending (nutrir o desenvolvimento)

Figura 1 – Tripod of Work

Entenda-se aqui que essas atividades são comportamentos de um líder gerencial na relação com as pessoas de sua equipe. E são carregadas de importantes intencionalidades.

  • Por meio do tasking, a liderança expressa o que deve ser feito, estabelecendo o quê deve ser feito, para quando e com qual padrão.
  • Pelo trusting, a liderança confia a uma pessoa o uso de suas habilidades e julgamentos para realizar o trabalho.
  • tending é monitorar sem interferir, checando os recursos, prioridades e o progresso do trabalho.

O que acontece quando essa prática está ausente ou não é aplicada de forma ideal?

Provavelmente as relações líder-liderado estarão marcadas ou pela rigidez ou pela difusão. Pela sua rigidez a liderança gerencial exercerá demasiado controle, agindo por meio de pressão, desconfiança e policiamento e isso traz, como consequência, uma grande dose de frustração, paralisia e até alienação. Pela sua difusão na forma de atribuir tarefas a liderança gerencial renuncia a seu papel de delegar corretamente transferindo essa responsabilidade ao subordinado. A consequência é que as pessoas são afetadas de forma a tentarem adivinhar o que se espera delas, surpreendem-se posteriormente com avaliações de desempenho e o líder é visto como uma incógnita.

Agora, vamos pensar num determinado contexto para continuarmos nossa análise.

Imagine que você é um gestor e que o seu líder imediato o está avaliando. E ainda, que a conclusão dele é que você não consegue obter o melhor de seus liderados.

Aqui você também se perguntará: por que meus liderados não alcançam os objetivos atribuídos?

Isso certamente emoldura uma situação onde você, como gestor, não está agindo como o coach dos seus liderados e, portanto, eles não estão realizando plenamente o que poderiam realizar.

É bem razoável imaginar que pessoas de sua equipe não estejam bem capacitadas e que resolver isso, exigirá que você se envolva diretamente para garantir que elas possuam conhecimentos e habilidades suficientes. Pode implicar ainda na revisão de certos comportamentos seus, como líder, que possam estar afetando o bom uso do julgamento por parte das pessoas de sua equipe, resultando na má utilização de recursos para alcançar os objetivos.

Penso que deixamos claro que o coaching é uma responsabilidade gerencial porque não exime o gestor como parte do problema.

Senão, vejamos.

Ao contratar uma pessoa para a liderança gerencial, a empresa confia a ela um grupo de pessoas, e espera que sejam conduzidas dentro de princípios que favoreçam o crescimento mútuo na busca dos objetivos, formando uma equipe criativa e receptiva à liderança. De sua parte, a pessoa contratada, aceita assumir o grupo e assim dedicar parte do seu trabalho no balanceamento de seu tempo entre certas funções específicas e a coordenação de pessoas. É algo indissociável na função gerencial e se isso não acontece, onde está a causa desse problema? Respondemos que está na ausência ou precária demonstração das atividades gerenciais denominadas anteriormente como Tasking, Trusting e Tending.

Podemos fazer a pergunta para o gestor. Mas também podemos fazer a pergunta para a organização, olhando para as suas políticas de desenvolvimento gerencial. Desenvolver o liderado sempre envolve desenvolver a liderança gerencial.

Por exemplo, como a organização declara o que se espera dela?

Como a organização declara que o gestor é o responsável pelo output de seus liderados?

Portanto, a liderança  precisará de coaching quando suas habilidades não garantem as práticas gerenciais esperadas. E uma pessoa que lhe é subordinada, precisará de coaching quando suas habilidades em geral (para coisas e pessoas) não corresponderem ao tamanho de um determinado desafio que lhe é proposto.

 Agora vejamos algumas circunstâncias típicas que demandam do líder esse papel de coach.

  1. Ocorrerá nos trabalhos de indução de um novo colaborador, para facilitar a compreensão do contexto de trabalho. A autoridade gerencial legítima é um fator psicológico importante na relação que se constrói entre líder e liderado. Existem expectativas mútuas fortes. Um gerente contrata alguém para compor a sua equipe, que, por sua vez, tem expectativas sobre o novo membro. A pessoa contratada espera fazer parte de um grupo e parte do sucesso é ter um papel claro e reconhecido por todos os membros do grupo. Em última análise, um gerente trará para sua equipe um novo colaborador porque será capaz de confiar nele.
  2. Ocorrerá sempre, constantemente, como uma atividade de nutrição do desenvolvimento dos liderados, para que eles definam os melhores caminhos para alcançar as responsabilidades que lhes foram atribuídas. Este é um ponto sutil, pois envolve COMO o conhecimento é aplicado. Não se trata apenas do domínio técnico, mas também comportamental, no sentido de que todo comportamento está impregnado de valores. Cabe ao líder gerencial dizer os PORQUÊS, O QUE e o PARA QUANDO, ou seja, estabelecer as metas esclarecendo contextos e propósitos. E ainda, na medida em que cada situação requisitar, dialogar sobre COMO os planos apresentados serão conduzidos.
  3. Ocorrerá quando algo, em especial, não vai bem. Quando um liderado não consegue resolver problemas e ‘entregar’ o que é esperado, o gerente intervém e sua ação é a de compreender o que afeta o desempenho. Um desempenho ineficiente é de responsabilidade da liderança. Um líder deverá discernir quando um desempenho ineficiente tem causas em variáveis que pode lidar ou quando o problema demandaria a ação do counselor. Opa, aqui começamos a falar de aconselhamento. O processo de counseling requer pessoas especializadas em alguma dimensão e envolve questões comportamentais que transcendem as habilidades gerenciais. É importante reforçar que o aconselhamento transcende o papel do líder coach e, quase sempre, é feito por pessoa externa à organização.

Então, o que é mesmo esse Counseling?

Observe que quando um gerente sente que não pode lidar com aspectos que envolvem transcendem sua ação de coach, poderá ter o apoio de um counselor.

Trabalhos de  aconselhamento envolvem a colaboração mínima entre 3 pessoas que exercem os seguintes papéis: a liderança gerencial, a pessoa em foco, e a pessoa que fará o aconselhamento. É a ação integrada para tratar de questões que a ação gerencial não tem dado conta. Em geral envolvem aspectos comportamentais, motivacionais ou de outra natureza que não a de conhecimentos especializados. Um counselor não tem conhecimento específico, técnico, que afeta o desempenho. Essa variável cabe ao líder coach. O aconselhador poderá ter extremo valor para o gestor e liderado por captar outras variáveis e orientar ações pertinentes. questões que afetam o momento. Nesse sentido, o aconselhamento pode abranger tanto o liderado quanto o próprio líder, uma vez que foi escolhido ou aceito como facilitador de reflexões sobre a carreira e o desempenho, sobre o impacto de novas decisões, ou quando novos insights são necessários.

Também existem algumas circunstâncias típicas que demandam o aconselhamento externo

  1. Quando os profissionais estão fora de flow (Fig. 2), isto é, existem tensões evidentes na relação entre as pessoas, ou aquelas decorrentes da insuficiência de suas capacidades para lidar com as demandas do ambiente. Tensões no sentido de decisões adiadas, perdas com custos ou desperdícios, algum tipo de sofrimento, por stress, por apreensão mais profunda. Também, quando forte apatia e mau uso do julgamento estejam presentes. Pessoas fora de flow, em geral, refletem alguma distância entre complexidade do trabalho e a sua capacidade.

Figura 2 – Flow, a experiência no trabalho

  1. Quando há conflitos no campo dos valores e das expectativas. Em geral envolvem questões que afetam novas decisões em torno de carreira, futuro e melhor uso das capacidades potenciais.
  2. Novas decisões estão sendo procuradas por parte da pessoa. Isto pode refletir um momento particular, onde as questões estão além do desempenho.
  3. Pode haver questões comportamentais específicas, como lidar com particularidades da própria personalidade, tais como agressividade, egocentrismo, arrogância, inacessibilidade, interferência, que podem ter causas numa dimensão pessoal, nem sempre acessível ao gestor.
  4. Quando um conhecimento especializado é fundamental para reverter um padrão comportamental.
  5. Quando alguém, devido a uma promoção, pode não antever ou compreender especificamente o escopo de seu trabalho.
  6. Quando novas decisões de carreira estão sendo consideradas.

O gestor é fundamental no desenvolvimento de sua equipe. Porém, há casos em que o gestor não tem as habilidades de coach. É uma oportunidade interessante para que alguém externo faça o aconselhamento e desenvolva as habilidades de coach fazendo com que estes completem suas de habilidades.

Formar a liderança em processos de coaching potencializa os resultados do papel gerencial. A dependência de uma assessoria externa para substituir o líder no seu papel de coach, não e saudável. O líder gerencial pode não ter habilidades específicas. Mas isto pode ser desenvolvido. Porém, é contra a natureza essencial do gerenciamento retirar do gestor a responsabilidade por este papel.

Do ponto de vista do liderado, ações combinadas de coaching e counseling podem ter alto valor agregado. Enquanto o coaching busca reverter as dificuldades de desempenho, o counseling facilitará o desenvolvimento de insights, expandindo a consciência do aconselhado para que ele encontre e utilize os seus recursos na direção necessária.

Muitas vezes, questões de desempenho são explicadas e superadas por reflexões acerca da história pessoal e por sua contextualização em novas perspectivas, favorecendo novas escolhas. Uma visão retrospectiva, como também uma contextualização em relação ao futuro farão enorme diferença.

Nesse aspecto, o Pieron tem uma atuação diferenciada no mercado, pois os aconselhamentos que promove consideram dentre outras coisas o diálogo sobre estimativas de capacidade potencial futura, ou seja, olhando o longo prazo.

Em geral, as pessoas durante os aconselhamentos mostram que conhecem muito bem suas competências. Porém, pode faltar-lhes perspectiva ou recursos para uma reflexão motivadora acerca do tamanho de ambiente em que querem atuar e com qual grau de turbulências estarão confortáveis. Sempre há aprendizado importante durante esses trabalhos.

Ninguém muda caso não queira. Coaching e counseling estão fundamentados num profundo interesse e respeito entre as partes. Tudo isso tem a ver com mútua aceitação. Implica em confiança recíproca e ausência de manipulação ou instrumentalização das relações.

Esse é o grande desafio para a eficácia dos trabalhos de coaching e counseling: assentar-se em bases de confiança mútua e possibilidade de crescimento.

Referências: Stamp, Gillian. Material interno do Bioss International e Instituto Pieron. Maturana, H; e outros. Formação humana e capacitação.

Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

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