Treinamento para competências, desenvolvimento para valores e transdisciplinaridade

agosto 15, 2016

Todas as organizações falam de competências e parecem ter seus modelos de gestão por competências. Curioso, parecem bancos competindo. A prática de um é rapidamente copiada. Em competências, ocorre algo muito parecido. Mudam alguns títulos das competências, mas a impressão que se tem é que todas as empresas, de segmentos diferentes, procuram as mesmas coisas. Senão, vejamos. Sua empresa procura pessoas com ‘alto foco em resultados’? Ou procura pessoas com ‘capacidade empreendedora’? Ou, curiosamente, com ‘visão geral, sistêmica’? Ou, ainda, quer perfil ‘desenvolvedor de pessoas’? Ou quer pré-requisitos como falar dois idiomas (guess what, english? español, si como no?), ter morado em outros países, ter disponibilidade geográfica, ‘ter competência cognitiva’. Enfim, diferentes expressões para focar coisas parecidas.

O mercado passou a – erroneamente – adotar o ‘CHA’ (conhecimento, habilidade, atitude) como explicação simplista para o conceito de competência. Não sei de onde isto foi tirado. Quando trabalhava no Senac – anos 70 – esta expressão já era utilizada.

Quem for mais às raízes, entenderá que competência envolve a articulação dinâmica de traços (personalidade), forças pessoais, motivadores, valores, conhecimentos, por meio de comportamentos que levam a um resultado. Os valores fazem parte do subjacente da ação humana. Há, no subjacente, aspectos inconscientes, não diretamente acessíveis à simples observação. Quem compreende assim competência saberá que a gestão por competências envolve a busca de resultados, mas não de qualquer maneira. Os resultados devem ser obtidos por meio da prática de determinados valores, inclusive.

Não há dúvida de que as pessoas se comportam como querem, fazem coisas como querem. Não há um controle automático sobre a ação por parte do ambiente. Há componentes e determinações inconscientes que não são simplesmente modificados pelos treinamentos. Precisamos entender o que é desenvolvimento. Desenvolvimento significa deixar ‘um determinado nível de envolvimento com um modo de ser, e passar a se envolver com um outro padrão de modo de ser’; isto é, ‘des-envolver’, desamarrar-se de um estado de coisas e envolver-se em outro estado. Se preferir, em outros modelos mentais, os quais envolvem padrões de valores. Não digo de novos valores. Não creio que existam ‘novos valores circulando pelos ares de modo que possamos caçá-los e trazê-los para nós’. Valores são produções do desenvolvimento humano, graus de significados mais e mais amplos. Diferentes valores podem ser observados no comportamento de animais, pessoas, grupos, filósofos, líderes.

A liderança centrada em valores sempre é praticada de alguma maneira, porque sempre somos guiados por eles, pelos valores. Daí que a questão passa a ser outra: que padrão de valores queremos? Comoqueremos que os resultados sejam obtidos?

Treinar para competências pode ser quase uma impossibilidade, se considerarmos que treinar envolve transmitir e exercitar rapidamente alguma habilidade. Desenvolver para competências pode ser uma possibilidade, mas que demanda tempo. Tanto mais tempo quanto mais profundos forem o sistema de valores buscado e a mudança desejada.
Transdisciplinaridade

A transdisciplinaridade agrega de muitas maneiras. Não aprendemos sobre valores por meio das teorias de marketing ou econômicas. Não aprendemos sobre gestão apenas lendo Drucker ou qualquer outro autor. Para discutir e mudar valores, precisamos de múltiplas teorias que compreendam pessoas em sua profundidade e comportamento social; agreguem questões antropológicas; considerem questões da determinação biológica; compreendam pensamento sistêmico e padrões de comportamento político, religioso, do uso do poder. É na totalidade que estão os valores.

A transdisciplinaridade envolve também o modo de se encarar a gestão. Se tomarmos como base o paradigma das ciências humanas, os modelos de educação, até então restritos aos âmbitos escolares, são agora demandas das organizações, ‘universidades corporativas’. Padrões de saúde psicológica antes restritos aos consultórios são demandas organizacionais. Falamos de coaching, counseling. A escola demanda padrões de gestão – professores precisam pensar em negócios! Os clínicos também querem se ver como ‘negócios’. Qual o custo da saúde? O conhecimento busca a totalidade. As universidades viram o conhecimento ser ‘dividido’, segmentado em disciplinas. Hoje, rediscute-se a ‘nova aliança’ entre os conhecimentos – ciências humanas e naturais. Há uma busca de integração que considera a totalidade.

Esta totalidade traz em si valores, valores que consideram o todo acima de si. Este todo pode ser o planeta. Colocar este todo acima dos desejos pessoais implica em assumir que certos valores devam predominar nas decisões. Nada simples de conciliar.

Na prática das organizações, o todo também poderia ser uma equipe – nada simples de praticar. Como reconhecer o mérito individual? Como dizer que a ‘equipe é detentora do mérito?’ Nossos valores foram, de certa maneira, muito desenvolvidos na individualidade. E haveria de ser diferente? Contratamos e demitimos individualmente. Não contratamos e nem demitimos um grupo. O contrato de trabalho é assinado individualmente. Ao decidir, pensa-se em si, no custo que se terá se a decisão for errada. É um ato solitário. Mas também se quer um ato solidário! Você quer mostrar que é capaz e pode crescer na carreira; você, não os outros! Equilibrar valores não é simples, envolve transcender, colocar certos princípios à frente. Daí que a prática de valores nas organizações requer lideranças.

Liderança tem a ver com visão de longo prazo. E enxergar assim envolve a disciplina de princípios mais elevados, para que possam guiar a construção de valores para a organização e da relação da organização com o sistema mais amplo a que pertence. Também envolve a liderança do país, considerá-lo no sistema mais amplo a que pertence, e como se quer inseri-lo!

Esta tarefa, de desenvolver valores, é hercúlea, senão demais demorada para uma organização, quase impossível. Requer tempo. Requer equilibrar os desejos do acionista, os desejos de cada um de nós como pessoa comum, as condições de trabalho, e o espírito coletivo de empreendimento. Este, difícil. Afinal, trabalhamos para seres abstratos, como acionistas, sócios, detentores de ações, pessoas que nunca vimos e talvez nunca conheceremos. Mas há que se agregar valor. Para o negócio. Para o resultado. Mas quais valores?

Não se trata, portanto, de um desafio para o treinamento das empresas. O desenvolvimento há que ser uma matéria transdisciplinar na gestão – compartilhada e missionária, para que seja perene

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