Autodesenvolvimento, Capacidade, Recursos Humanos

Sistema Assessment

“Conheça a si mesmo” nos remete ao autoconhecimento, a uma das mais importantes competências para o desenvolvimento pessoal. Contudo, esse conhecer-se tornou-se quase impossível com o advento da Psicanálise no Séc. XX. Freud e seus discípulos nos colocaram frente ao inconsciente, fazendo do autoconhecimento um intenso trabalho, um profundo processo, que pressupõe que não somos conscientes da totalidade do que somos.

Nos anos 70 a Janela de Johari fez sucesso nos programas de treinamento. Falava das áreas conhecidas, das desconhecidas e também das “cegas”, as inacessíveis ao indivíduo e a outras pessoas. Sem dúvida, esses princípios ainda permanecem válidos.

Agora, esses princípios são resgatados pelo ângulo do assessment, segundo o qual há múltiplas perspectivas nas avaliações. A introdução do termo nas ciências humanas aplicadas aconteceu no final dos anos 50, quando a AT&T estruturou um programa de identificação de talentos gerenciais e se propôs a fazer acompanhamentos ao longo de 10 anos para verificar o grau de precisão das predições. Os estudos constam no livro The Assessment Center (Byham, 1978). Daí originaram-se as práticas mundialmente utilizadas dos assessment centers. No Brasil algumas empresas começaram a utilizá-las no final dos anos 80 e minha experiência na Rhodia é um exemplo. Entretanto, o termo assessment somente ganhou presença marcante em RH a partir da metade da década passada.

Na estrutura original dos assessment centers, pessoas (os avaliados) são acompanhadas por múltiplos avaliadores (gerentes seniores da organização, psicólogos e consultores especialmente treinados) e participam de atividades programadas, como entrevistas, jogos e simulações em grupo, testes e apresentações.

O espírito dos assessment centers é a multiplicidade das avaliações e avaliadores. A essência do assessment center é “NUNCA DEPOSITE NUM SÓ INSTRUMENTO AS CONCLUSÕES SOBRE UMA PESSOA“. Compreender uma pessoa é uma tarefa de grande responsabilidade e acreditar que um único instrumento é suficiente para tal é de uma ingenuidade atroz.

Nos últimos 40 anos (refiro-me às primeiras experiências com os assessment centers), muita coisa mudou. O mundo, diz-se, está dinâmico; o tempo, menor; a velocidade, maior; e há necessidade de respostas rápidas. Solução? Avaliações rápidas por computador. Sua validade? Bem, depende da aplicação e qualidade da pesquisa, e fundamentos de cada instrumento. Mas, há algumas boas práticas.

O melhor sistema é aquele que consegue dar uma ampla perspectiva sobre a pessoa, olhando-a de diferentes ângulos, sem abrir mão do princípio de múltiplos instrumentos. Contudo, a condução de assessment em três ou quatro dias começa a se tornar difícil, pelo tempo e custos envolvidos.

Soluções encontradas

Assessment center típico, sintetizado

Os trabalhos concentrados têm dado bons resultados. A estrutura de um dia de trabalho para grupos reduzidos (cerca de 12 pessoas, por exemplo) pode envolver instrumentos e 360 graus conduzidos eletronicamente; algumas atividades em grupos; entrevista com consultores e com gerentes e feedback em horário posterior. Este modelo tem-se mostrado prático e eficiente. Os feedbacks dos participantes são muito positivos e empresa e pessoa obtêm um amplo espectro de percepções, que depois são utilizadas em planos de desenvolvimento.

Assessments individuais

Nestes processos, o assessment individual prescinde das atividades em grupo. A ênfase é colocada nos processos de entrevista e testes, e a perspectiva 360 graus. Os processos de entrevista podem ser conduzidos de diferentes maneiras:

  • Entrevistas por competências – focando histórico de realizações e identificando estratégias de solução de problemas. São, no mínimo, duas horas com o avaliado.
  • Avaliação de conhecimento e estratégias de solução de problemas especializadas – foco no domínio de conhecimentos especializados e uso deles. São analisados velocidade no processamento e uso de informações e de estratégia de pensamento.
  • Motivações de carreira – são perguntas simples e cruciais, como: “o que, de fato, é motivador fazer?”; “se pudesse escolher as atividades e organizá-las no tempo, como faria?”; ou ainda, “você gosta, efetivamente, de trabalhar com gente?” O que se quer saber são os valores práticos das pessoas e em qual direção se sentem mais confortáveis dirigindo suas capacidades.

Os instrumentos de assessment

Em resumo, coloca-se dentro do conceito de assessment toda e qualquer avaliação sobre uma pessoa. Podemos classificar os instrumentos:

1. Questionários e inventários

São dois tipos: questionário único, baseado num conceito. Exemplos típicos são os que se baseiam em tipologia (a mais comum é a Junguiana), e sistemas com múltiplos testes que se aproximam do modelo de assessment.

Como ilustração de questionário único, comentamos o modelo Insights Discovery.

Como ilustração de múltiplos testes num só sistema, podemos citar o LPA, que é um dos componentes do nosso processo de Assessment Estratégico. Baseado em pesquisa e fundamentado em diferentes autores, o LPA é uma sistema de seis questionários e seus relatórios fazem cruzamentos das combinações usuais e não usuais entre os questionários, simulando, de fato, um sistema de assessment center. Moderno, pode ser feito online. O LPA cobre a percepção de uma pessoa sob múltiplas perspectivas: papéis em equipe; gestão de conflitos; estilo pessoal; estilos de aprendizagem; estilo de trabalho; e escala profissional gerencial. O LPA é uma opção altamente diferenciada para assessment, principalmente de executivos.

Todos estes sistemas são oferecidos com suporte tecnológico, sendo que o LPA tem como diferencial a produção de perfis, comparação de pessoas com múltiplos perfis, análise de equipes, comparação entre equipes, montagem de equipes, além de um amplo sistema de apoio estatístico que permite a criação de normas próprias e a comparação das pessoas com diferentes normas, entre outras facilidades, como a customização do output com base em competências. Vai além do assessment em si, oferecendo uma ferramenta de gestão da informação produzida.

2. O 360 graus, amplamente difundido

Contudo, o diferencial que poucos (ou nenhum) sistemas trazem aparece na utilização do ELDI. Baseado em conceitos de Kegan sobre desenvolvimento e maturidade, o ELDI identifica os chamados inibidores de performance que todo alto executivo não deveria ter ou, pelo menos, deveria tê-los muito controlados. São chamados de inibidores traços como arrogância, interferência, temperamento, inacessibilidade, agressividade e egocentrismo. Estes traços nunca aparecem nas avaliações 360 graus, que focam somente o positivo, não favorecendo investimento profundo no autoconhecimento.

3. Testes de Personalidade

Questionários e inventários não são testes de personalidade. Bons testes, utilizados como base para feedback, geram reflexões profundas e importantes para os avaliados. Os melhores instrumentos de diagnóstico ainda estão em torno de Rorschach e TAT, análises grafológicas feitas com critério e uso de feedback, Pfister e Lüscher, por exemplo. São sistemas que permitem entrar no mundo interior das pessoas e conversar com elas sobre questões mais profundas. Lembrem-se de que estamos falando de autoconhecimento.

4. O Potencial

Infelizmente o mercado trata tudo o que foi abordado acima como potencial. Potencial tem a ver com crescimento futuro. Assim, poder conversar com as pessoas acerca da tendência de crescimento de suas capacidades ao longo do tempo (10, 15, 20 anos à frente) fecha o cerco dos assessments. Contudo, falar de potencial requer conceito e metodologia. Mais uma vez temos que nos remeter para o sistema Work Levels – o único que permite esse tipo de estimativa de maneira científica. Com base no Work Levels pode-se discutir com cada pessoa a estimativa de trajetória de carreira com base nos níveis de complexidade de trabalho. Esta informação, que não aparece em nenhum dos sistemas acima descritos, é específica e requer procedimento especializado.

Em resumo, sistemas de assesment devem produzir uma leitura de cada pessoa por vários ângulos: seu potencial – atual e futuro; seu perfil de traços e competências, suas forças; seus valores (direção que quer dar para o uso de sua capacidade); aspectos de personalidade que podem interferir em seu desempenho; como é percebido em seu desempenho (360 graus).

O que fazer com os pontos fracos? Um estudante fez avaliações na escola e os resultados apresentados para o pai foram: “seu filho é muito bom em português, mas muito fraco em matemática”. O pai não teve dúvidas e contratou uma excelente professora de português.

Pontos fracos devem ser tratados de duas maneiras. Primeiro, ajudar o avaliado a reconhecer e aceitá-los. As informações do assessment são de extrema valia para tal. Tem a ver com o autoconhecimento. Segundo, ajudar o avaliado a desenvolver estratégias de controle que evitem que estes pontos interfiram em seu desempenho. Traços de personalidade não são pontos fortes ou fracos. Querer que alguém deixe de ser introvertido para ser extrovertido é uma brincadeira de mau gosto. As empresas gastam muito mais dinheiro querendo modificar o indivíduo em vez de investir no que a pessoa tem de melhor. Gerenciar é, sim, uma arte e uma vocação. O assessment é um instrumental que pode facilitar a vida da organização e de cada pessoa envolvida. Mas é na relação da pessoa consigo mesma e com sua liderança que as informações serão de fato aproveitadas.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Autodesenvolvimento, Liderança, Recursos Humanos

Sem feedback, voamos às cegas

Sem feedback, voamos às cegas.

— Folkman

Sem aprendizagem não podemos viver. Sem feedback não podemos aprender.

— Rubin & Campbell

Não oferecer feedback é um tipo de castigo psicológico.

— Williams

Diante destas frases, o senso comum pode nos levar a pensar que o feedback é sempre bom de oferecer e receber, que é uma prática fácil e natural, algo que qualquer pessoa consegue fazer. Mas será que praticá-lo é tão simples quanto o pode parecer?

Parece ser um consenso que o feedback é central para o gerenciamento da performance, seja para o autogerenciamento como para o gerenciamento da performance dos outros. Via de regra, o feedback é considerado como um elemento importante para orientar, motivar, reforçar comportamentos e evitar passos pouco efetivos. Com o feedback, espera-se que o indivíduo possa se orientar melhor para atingir os objetivos com os quais ele se envolve.

Alguns efeitos positivos do feedback

  1. Mantém as pessoas informadas;
  2. Favorece a realização do trabalho de forma mais efetiva;
  3. Corrige eventuais erros do passado;
  4. Promove o crescimento das pessoas a partir das próprias realizações; e
  5. Estimula o envolvimento das pessoas com as tarefas.

Podendo se valer de diferentes fontes, o feedback está bastante disponível no ambiente organizacional. As fontes podem ser a própria pessoa (como objeto da autorreflexão),  uma figura de autoridade (como um gerente ou professor), os pares (dentro de uma equipe), os subordinados (quando a pessoa exerce um papel de comando), uma avaliação psicológica, um amigo; mas em todas elas é preciso que a fonte seja identificada como digna de confiança para que o feedback possa favorecer a obtenção de efeitos consistentes. Seria ingenuidade pensar que qualquer prática que envolva seres humanos pode ser levada adiante de uma forma intensa e produtiva sem que exista uma relação de reciprocidade entre quem oferece e quem recebe.

Apesar de acessível e importante, obstáculos podem surgir e tornar difícil a apropriação deste recurso, gerando efeitos indesejáveis ou contrários a intenção original da prática.

Dificuldades para dar feedback

  1. Poucas pessoas gostam de discutir as próprias dificuldades;
  2. As pessoas não acreditam na fonte do feedback;
  3. Os envolvidos não são suficientemente confiantes para lidar com críticas;
  4. O feedback é utilizado apenas como instrumento de poder; e
  5. O feedback é deliberadamente destrutivo ao invés de construtivo.

Entretanto, os efeitos do feedback sobre a performance dependem da característica motivacional da pessoa envolvida; e seu estilo individual e valores também atuam como variável acerca da importância que ela atribuirá para o feedback. Vroom cita um estudo realizado na França em 1958 no qual grupos de pessoas com alta motivação para conquista de metas desempenhavam melhor quando recebiam feedback acerca dos resultados nas tarefas; e que grupos de pessoas com alto interesse em afiliação aumentavam o desempenho quando recebiam feedback acerca de “sentimentos”, mais do que em relação à realização das tarefas.

Alguns tipos de feedback

  1. Feedback positivo: reforça o comportamento;
  2. Feedback corretivo: muda o comportamento;
  3. Feedback insignificante: vago e genérico;
  4. Feedback ofensivo: destrutivo;
  5. Feedback inadequado: feito com base naquilo que o indivíduo não pode mudar; e
  6. Feedback silencioso: é não-verbal, normalmente dado “sem palavras”.

O feedback positivo visa reforçar o comportamento toda vez que ele ocorre. Dar feedback positivo é diferente de apenas dizer “muito bem”, além disso, ele deve enfocar os comportamentos que são valorizados ou eficientes para que o resultado final seja atingido.

Dar um “tapinha nas costas” é bem diferente de oferecer feedback positivo. Dizer para a pessoa que um trabalho foi bem feito normalmente aumenta o bem estar e costuma inflar o ego, mas não vai além disso. O feedback positivo deve deixar claro quais as forças do indivíduo são importantes para a organização.

A definição de elogio ou feedback positivo pode ser entendida como aquele que identifica o comportamento ou resultados desejados de seu pessoal ou aqueles que ultrapassam as expectativas. O propósito do elogio é incrementar os comportamentos desejados em seu pessoal ou a performance dele. O impacto do elogio é significativo, aumenta a confiança do colaborador, a performance e a motivação (Hataway, 2006).

Muitas pessoas consideram que é bastante fácil dar um feedback positivo, e eles quase não ocorrem no dia-a-dia do trabalho. Prover a pessoa com feedback positivo implica em uma ação de afirmação, de aceitação ou aprovação de algum comportamento ou ação.

Feedback corretivo ou crítico pode ser definido como a arte de avaliar ou analisar com conhecimento e propriedade. Normalmente as pessoas definem um feedback crítico como sendo um ato de criticar de forma desfavorável, sendo que a crítica é entendida como uma forma de apontar aquilo que nunca dá certo e não como uma oportunidade de desenvolvimento.

Quando o feedback crítico é entendido como uma oportunidade de expandir nossa compreensão, é mais uma ferramenta para chegarmos a resultados positivos. Oferecido com propriedade, ele se torna um feedback construtivo (Hataway, 2006).

Precisamos também compreender que existe uma diferença entre uma crítica positiva e uma crítica negativa e elas devem fazer parte de um balanço na avaliação da performance ou do comportamento.  Em ambos os casos elas devem e podem ser construtivas. Para Bee & Bee (2002), a crítica construtiva visa corrigir e melhorar o comportamento de baixa qualidade ou insatisfatório e deve fornecer informações sobre o comportamento e o desempenho com base em dados objetivos, estimulando aquele que está sendo criticado a comprometer-se com a busca de padrões estabelecidos de comportamento e desempenho.

Contudo, este tipo de feedback se afigura como o mais difícil de acordo com Williams (2005), uma vez que o que podemos também observar é que somente as pessoas com elevado grau de confiança tendem a considerar as críticas como estímulos para fortalecer o desempenho delas.

Feedback genérico ou vago é aquele que aborda uma expressão global do problema, por exemplo, quando nós dizemos a uma pessoa “você precisa se comunicar melhor” ou “você precisa motivar mais os outros”. Este feedback provavelmente deve refletir esforços de mudança em termos globais. As pessoas podem dizer “eu estou melhorando minha….” e no final da sentença colocar os termos: comunicação, motivação, consideração.

Quantas vezes nós ouvimos as pessoas dizerem que conhecem as suas dificuldades e os pontos que precisam ser melhorados, mas quando perguntadas acerca de quais ações elas tem levado a efeito para tal, surge uma frase assim “eu tenho refletido sobre…”.

Folkman (2006) afirma que metas globais não levam a nenhum comportamento específico e fazem com que nós evitemos o teste da realidade. Ao não estabelecermos metas que podem ser avaliadas de forma concreta ou quando não temos parâmetros definidos, não podemos avaliar se estamos melhorando ou não; ficamos apenas na expectativa ou na crença de que estamos fazendo o que é necessário.

Feedback ofensivo: o feedback ofensivo ou destrutivo pode ser baseado no desprezo ou em ataques diretos à pessoa. Para Bee & Bee (2002) “o feedback destrutivo costuma acontecer só quando as coisas saem erradas (esse tipo de atitude lhe parece familiar?) e quando não há padrões pelos quais se pode avaliar o desempenho ou o comportamento, ou qualquer plano que vise o desenvolvimento.

O feedback inadequado, que tanto pode ocorrer em função do momento ou em função daquilo que a pessoa tem poucas condições de mudar (uma pessoa me disse uma vez que não gostava da “cara” de um trainee em uma avaliação do trabalho). Segundo Paula (2005) este tipo de feedback pode trazer consequências psicológicas indesejadas e aumentar o sentimento de insuficiência das pessoas.

Muitas vezes o feedback acontece depois de muito tempo do comportamento ou dos resultados atingidos, ou então não levam em consideração a capacidade da pessoa em lidar com críticas, a sensibilidade de cada um. Creio que todos nós sabemos o que é levar uma bronca na frente dos outros, por mais justo que seja o motivo.

Ocorre que em muitas empresas o feedback aparece somente nas avaliações que ocorrem no final de cada trabalho ou mesmo no final de um ano. “Muitas vezes, a pessoa se vê soterrada pelas críticas, que não raramente se referem a questões e acontecimentos ocorridos há muito tempo, que já não estão claros na memória e sobre os quais a pessoa não possui mais qualquer influência” (Bee & Bee, 2002).

O tipo de feedback que é chamado feedback silencioso, segundo Hataway, é aquele que não provê nenhuma resposta verbal. De acordo com a autora, o propósito deste tipo de feedback é manter o status quo e com ele não existem surpresas; se bem que o efeito do silêncio tende a ser uma diminuição na motivação e na performance dos empregados.

Mas o feedback silencioso não quer dizer que não exista uma comunicação, pois não precisamos mandar mensagens somente com palavras. Muitas vezes, a postura daquele que deveria dar o feedback denuncia, de forma sutil ou não, que algum tipo de comportamento ou resultado gerou algum impacto. Nestas ocasiões, o silêncio fala…

Quando o comportamento ou as contribuições da pessoa são ignorados, ao não receber feedback quando solicitado ou então,recebê-lo centrado apenas naquilo que a pessoa fez de errado, é improvável que alguém siga motivado ou que isso venha a fazer com que a pessoa tome mais iniciativas para contribuir.

Provavelmente, muitas dificuldades derivam de o  feedback não apresentar critérios e objetivos claros, bem como, de as pessoas ou a organização não terem o hábito de oferecer ou receber feedback; ou seja, elas simplesmente não sabem “como fazer”. Entretanto, pedir e prover feedback são habilidades, e como tais, podem ser aprendidas e desenvolvidas. E da mesma forma como qualquer outro tipo de relacionamento, ele segue regras e precisa ser baseado em princípios, tais como, respeito mútuo, visão positiva do ser humano e responsabilidade por resultados, entre outros.

Papéis para os gerentes

Sue Bishop atribui seis papéis fundamentais para o gerente quando desempenha um papel no qual ele precisa oferecer feedback. São eles:

O gerente como avaliador: quando a avaliação do trabalho é feita revelando um equilíbrio entre uma atividade bem realizada e uma observação construtiva para a melhora da performance, normalmente as pessoas aceitam o feedback sem defensividade ou ressentimentos. Mas esta prática não pode ser realizada uma vez ao ano, mas sim, em uma base regular. Os gerentes e a equipe precisam monitorar constantemente o progresso, motivação, resolução de problemas.

Para que um trabalho seja bem apreciado, ele precisa ter alguns padrões estabelecidos, que precisam ser discutidos e comunicados à equipe, para que se possa monitorar a performance passada e presente.

O hábito de documentar as conclusões de uma reunião, quais decisões foram tomadas, por exemplo, servem como ponto de apoio para encorajar as pessoas a melhorar a performance, uma vez que os objetivos ou acordos estão claros.

A avaliação também deve contemplar um clima de parceria entre o gerente e o colaborador, até para que surja a oportunidade de o gerente receber feedback de como o seu modelo de gerenciamento está sendo percebido e, da mesma maneira de quem recebe, o que pode ser melhorado.

O gerente como coach: coaching é uma das áreas do gerenciamento na qual dar (e receber) feedback construtivo é um elemento chave ao considerarmos que, dentre tantas outras habilidades, o coach deve ser um bom comunicador e hábil para ouvir e instigar quem recebe o coach a identificar as suas áreas de problemas e a incrementar alternativas.

Como coach, ao oferecer feedback para um colaborador, três assuntos devem ser abordados, que  por parecerem um tanto óbvios, por vezes são deixados de lado.

  1. Forças e oportunidades de desenvolvimento;
  2. O impacto das ações individuais no trabalho; e
  3. Quais os caminhos para se fazer as coisas de modo mais efetivo.

Além disso, não podemos esquecer que o feedback sobre a performance deve ser dado rápida e frequentemente, buscando um equilíbrio entre uma apreciação do trabalho bem feito com as informações necessárias para que a performance aumente.

O gerente como censor: como todo excelente gerente, que sabe dar um feedback construtivo no momento certo, em algumas ocasiões será necessário usar uma abordagem mais corretiva com o staff. As atitudes corretivas podem ir de um assinalar, passar por um repreender e chegar à demissão.

O propósito deste tipo de abordagem é o de chamar a atenção da pessoa às falhas na performance, comportamentos inadequados e, como a maioria das formas de feedback, deve ser composto de um balanço entre o elogio e a crítica.

O maior propósito da crítica é ser construtiva. Comentar somente o que deu errado sem sugerir uma solução é essencialmente destrutivo e a intenção deveria ser identificar e ajudar a pessoa a corrigir os comportamentos inaceitáveis sem comprometer a autoestima.

Critique o comportamento de forma bem específica, nunca a pessoa pelos seus traços pessoais, pergunte à pessoa como ela vê o problema e cheque se ambos estão entendendo a mesma coisa.

Lembrando que, segundo Williams, este tipo de feedback é um dos mais difíceis. Frequentemente ocorre o julgamento, as relações de poder tendem a aflorar, ainda mais quando quem oferece o feedback tem uma tendência a encontrar bodes expiatórios para as suas próprias deficiências.

O gerente como conselheiro: aconselhar é um tema vasto. Bishop entende que o “Counselling” (com C) deveria ser conduzido por pessoas não somente bem treinadas ou qualificadas, mas emocionalmente competentes para lidar com os problemas dos outros de forma isenta, mas sem perder a empatia.

Mas o “counselling” (com c) é parte de qualquer tipo de gerenciamento, quando um membro do staff necessita de conselhos em um nível pessoal. O gerente pode não se sentir tão confortável neste papel, então é de sua responsabilidade discutir a possibilidade de uma ajuda especializada.

O “counselling” envolve captar emoções, sentimentos, interpretá-los ou demonstrar que há uma disponibilidade para ouvir e compreender, não somente fazer recomendações, mas refletir com a pessoa acerca do que ela quer dizer, ajudá-la a analisar o problema, proporcionar pontos de vista diferentes.

Raramente, dificuldades pessoais podem ou devem ser exploradas em reuniões. É preciso encontrar o espaço certo para deixar a pessoa se expressar, fazendo observações se necessário, desde que um rapport tenha sido previamente construído para não tornar a pessoa reticente. A pessoa precisa saber que está sendo ouvida e que as suas questões podem ser tratadas de forma positiva e construtiva.

O gerente como um “apresentador”: quando fazemos uma apresentação precisamos levar em consideração a resposta do público-alvo. A comunicação em duas vias nos diz que para que uma pessoa dê o melhor, ela precisa saber se as suas palavras estão repercutindo. É necessário um constante ajustamento e reajustamento acerca das palavras, gestos, expressões faciais. Sendo a resposta positiva ou negativa, ela é fundamental para a comunicação.

Então, para saber se os seus esforços como aquele que oferece feedback estão sendo atingidos, você precisa receber feedback. Quanto mais se fica mergulhado na leitura de notas, gráficos, sem olhar para as pessoas ao redor, mais tediosa se torna a “apresentação”. É, portanto, necessário prestar atenção nas reações da platéia e ter estratégias diferentes para atingir o público.

Se você sabe que não é um bom orador ou que “falar em público” não é o seu forte, seria interessante fortalecer esta habilidade através de um curso ou workshop no qual você pudesse praticar a sua apresentação.

O gerente como selecionador: por vezes, precisamos oferecer feedback nos processos seletivos, situação que se  torna particularmente desagradável quando temos de lidar com pessoas que não foram admitidas.

Neste caso, a técnica “sandwich” pode ser apropriada (para quem não sabe, a técnica “sandwich” é começar e terminar com pontos fortes), ainda aqui o feedback deveria ser sempre balanceado. Nós temos uma tendência a lembrar mais facilmente da primeira e da última coisa de uma lista, esquecendo o que está no meio, o que no caso do feedback também é importante como aspectos para uma revisão por parte da pessoa.

Como ao oferecer feedback temos um compromisso com a honestidade das informações, considerar somente os aspectos positivos de um perfil seria no mínimo uma visão ingênua, até porque “positivo” e “negativo” admitem valores bastante relativos quando falamos de seres humanos.

Feedback, muitas vezes, significa fornecer informações ou fatos, sejam eles aceitos ou não, e precisa ser constante, objetivo, tornando-se efetivo quando os envolvidos trabalham juntos e quem o recebe assume a responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento, incrementando uma dinâmica de constante movimento em relação à mudança e aperfeiçoamento. Desenvolver habilidades para oferecer e receber feedback é, segundo Bee & Bee, “quase como adotar um novo estilo de vida”.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Resiliência na Turbulência

Turbulência e resiliência são palavras de uso freqüente, principalmente quando as pessoas sentem que estão diante de condições sem precedentes e na diversidade da mudança.

Resiliência tem a ver com o fazer o melhor da turbulência. Turbulência tem certas características e a resiliência tem qualidades adicionadas ao potencial de fazer o melhor de ambas. Mas cada uma destas qualidades é frágil não somente em si mesmas, mas também na rede de conexões com outras. As qualidades da resiliência requerem apoio e sustentação, o que se consegue por meio de três atividades: ‘tasking’, ‘trusting’ e ‘tending’, que podem ser utilizadas para aprofundar a resiliência de si mesmo e do empreendimento.

A imagem de ‘águas intranqüilas e ameaçadoras’ é amplamente utilizada para traduzir a turbulência. Surpresa, novidade, eventos invasores ou perturbadores, com causas desconhecidas, remédios desconhecidos, urgências desconhecidas, tempos de conclusão desconhecidos e fatores misturados também desconhecidos, criarão uma complexidade adicional em pontos posteriores no processo.

Resiliência – capacidade para ‘rebater’ mesmo nas circunstâncias mais demandantes – é a qualidade procurada tanto nas pessoas como nas organizações. Talvez até por ter um sentido mais dinâmico ‘resiliente’ veio substituir ‘robusto’.

Flow

Mihalyi Csikszentmihalyi cunhou este termo, associando-o ao ‘bem-estar’, em seus estudos sobre estresse. Estar ‘em flow’ significa viver uma situação em que nossa capacidade se encontra amigavelmente alinhada ao que estamos fazendo. Este fazer pode ser escalar uma montanha, fazer uma cirurgia, lançar dados, desenvolver um novo produto, o que quer que seja. A pessoa ‘sabe’ que a princípio é possível controlar, que tem um claro senso do significado intrínseco, porque não se pode entrar ‘in flow’ a menos que o desafio faça sentido à pessoa. A atividade se torna intrinsecamente recompensadora, o self ‘mergulha’ na atividade por se identificar profundamente com o que é feito.

O ‘flow’ não é um estado de luxúria. Sua função parece ser a de induzir a pessoa a crescer dentro daquilo que procurará como o significado e recompensas intrínsecos o mais freqüentemente possível e o alcançará somente quando se dispõe a enfrentar os desafios do crescimento e do desenvolvimento das capacidades. Isto pode ser visto nas circunstâncias em que se tem que reverter situações caóticas em experiências significativas. A ação parece ser a de desenvolver ordem a partir da desordem, conseguir criatividade em ambientes de fortes restrições.

Resiliência

A resiliência parece depender de três elementos: significado – a sensação de que vale a pensa investir energia e atenção num desafio; inteligibilidade – a confiança de que se é capaz de desenvolver alguma ordem dentro da situação; maneabilidade – a confiança de que os recursos necessários estão acessíveis. Estes elementos se cristalizam em perguntas simples: a pessoa pensa que é capaz de compreender? Pensa que é capaz de administrar? Pensa que deseja administrar as condições?

Aparentemente a inteligibilidade tem primazia. Para que os recursos estejam disponíveis é necessário ter clareza do quadro de demandas de modo que a maneabilidade é contingente à alta inteligibilidade. Mas isso não significa que a pessoa acredita que possa gerenciar bem. Inteligibilidade e maneabilidade geram forte orientação para a mudança, com a direção do movimento determinada pelo senso de significado da pessoa – se ela realmente se importa, então haverá uma motivação poderosa para buscar os recursos onde quer que se encontrem. Sem esta motivação a pessoa pára de responder aos estímulos e o mundo logo se torna incompreensível; e nem há o ímpeto de procurar pelos recursos.

Resiliência e ‘flow’ se conectam de diversas maneiras: a) ambos têm a ver com a ‘ordem a partir da desordem’; b) ambos levam a pessoa além da busca de certeza, tornando possível conviver eficientemente com a incerteza; c) ambos referem-se a modelar o próprio destino; e d) os componentes-chave de ambos são o significado e a inteligibilidade.

Bem-estar

Há analogias entre resiliência e o sistema imunológico. Alta qualidade de saúde e bem-estar tem a ver com o ‘controle do destino’. Há ligações entre perda do controle afetando diretamente o cérebro por meio dos níveis de cortisona e funcionamento hormonal. Aborrecimentos e frustrações geram o ‘mau estresse’ e podem acumular gorduras abdominais. Neurocardiologistas sugerem que de 60% a 65% das células do coração são neurais e não musculares. O coração é um poderoso gerador eletromagnético e o campo gerado por ele é profundamente afetado por nossas respostas emocionais aos desafios, surpresas e oportunidades. Ou seja, turbulência.

Turbulência

Sentir-se confortável na turbulência e na incerteza são qualidades do ‘flow’ e da resiliência: nem ‘retirando-se’ do cenário nem procurando dominar o ambiente, mas encontrando maneiras de estar harmoniosamente nele, mergulhando nele, e indo além da busca pelas certezas. Não se deixar subjugar ou submergir, mas fazer mais disto tudo.

A inteligibilidade na turbulência pode ser sumariada em três características proeminentes:

  • há uma ‘ordem para liberdade’ – novas formas e oportunidades emergirão espontaneamente do imprevisível e totalmente fluido
  • existem ‘irregularidades regulares’ – o sistema pode ser imprevisível por longos períodos de tempo, mas existem temas que podem ser discernidos
  • pequenas diferenças freqüentemente desapercebidas possuem conseqüências enormes e inesperadas

São três as qualidades requeridas para a pessoa fazer o melhor nestas condições:

  • Coerência – significado para a pessoa e para a organização como um todo torna mais provável que as coisas acontecerão por si mesmas e que novas maneiras de se fazer as coisas surgirão espontaneamente – ressonância. Coerência é a pedra de toque para o julgamento e discernimento pessoal; numa organização ela assegura que o julgamento sobre os recursos e as iniciativas estão alinhados para servir ao propósito
  • Discernimento – prospera nas ‘irregularidades regulares’ encontrando um caminho na turbulência. Discernimento é o precursor da ‘inteligibilidade’, do julgamento e das decisões sadias e robustas que assinalam para a procuradoria responsável dos recursos
  • Revisão – maximiza as chances de captar as pequenas diferenças que podem ter implicações inesperadas para a reputação, recursos e maneabilidade. Um dos resultados de se estar em ‘flow’ é que temos energia para colocar nossa atenção nos pequenos detalhes do ambiente e nos compelimos a aprender sobre onde estão os recursos, como são utilizados, o que aconteceu, o que funcionou, o que poderia ter sido feito diferentemente – sem culpar e com tolerância ao erro, o que pode ser descrito como ‘remédio’ para a irreversibilidade em condições turbulentas

A experiência do Bioss International e Gillian Stamp

A sustentação efetiva das três qualidades (coerência, discernimento e revisão) requer outras três atividades gerenciais essenciais:
~ Tasking – compartilhar a intenção, acordar que deve ser feito e para quando, acordar quanto aos recursos, criando o espaço discricionário para o trabalho e preparar para a revisão.
~ Trusting – entregar aos cuidados de alguém com propósito e confiar no julgamento individual com base na pedra de toque da coerência.
~ Tending – é o trabalho que mantém as coisas juntas, especialmente na turbulência; um cuidado contínuo, monitorando sem policiar. Como a jardinagem, o tending raramente é visto como um ‘trabalho de fato’ porque o resultado – um jardim florido, uma equipe que prospera, uma amizade para a vida toda, ou uma organização resiliente – parece que simplesmente acontece.

Resilience in Turbulence

O Tripod of Work tem sido utilizado pelo Bioss e Instituto Pieron em países e empresas diferentes, focando o desenvolvimento organizacional e da liderança.

Tripod of Work - resilience

Dá sentido ao modo de trabalhar que queremos para nós e para os outros. O desapontamento surge quando percebemos que esta unidade aparentemente simples e muito desejada de fazer as coisas é extraordinariamente difícil de alcançar e ainda mais de se manter sustentada.

A manutenção da qualidade de vida tem a ver tanto com o mudar as condições sociais de modo a mantê-las mais condutoras ao flow bem como fortalecer os recursos das pessoas de modo a que sejam capazes de experimentar o flow independentemente das condições sociais.

Cada um de nós procuraria fortalecer os próprios recursos, se pudesse escolher. Porém, alguns estão na posição de prover as condições para que outras pessoas e organizações se tornem resilientes – e isso pode ser visto como o elemento-chave da liderança.


Nota: Publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron. Baseado no artigo de Gillian Stamp – Bioss International – outubro de 2000.

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Potencial Humano e Ciência

Alguns conceitos continuam confundindo a prática de recursos humanos. São eles: preferências pessoais, competências e potencial humano e, ao lado deles, testes e suas validades. Infelizmente, existem vendas e compras confusas em torno dos temas. Vamos dar nossa contribuição para esclarecê-los.

Preferências

São aquelas descrições do estilo de cada um obtidas por meio de questionários em que as pessoas informam como preferem lidar com certas situações e processar informações. Não são testes. Não avaliam competências. Oferecem output na forma de um modelo – sendo o mais difundido o da psicologia junguiana, e de tipos, como pensativo, sentimental, intuitivo, perceptivo, extrovertido, introvertido; ou ainda dominante, conformado e influenciador, entre outros. Grau de validade dessas técnicas para prever o sucesso na vida prática? Baixo.

Competências

São descrições das estratégias pessoais para resolver problemas. As competências são agrupadas de acordo com a intensidade com que são usadas e com o grau de complicação dos problemas; e existem problemas de várias naturezas: pessoais, sociais, gerenciais, de planejamento, de estratégia, de mudança, entre outros. Por sua natureza, a avaliação de competências envolve captar aspectos subjacentes às pessoas e nem sempre acessíveis diretamente às próprias pessoas, pelo grau de inconsciência em muitos casos. As competências exigem interação de pelo menos duas pessoas, em que uma pessoa utiliza modelo, referência e habilidade para captar aqueles aspectos subjacentes. Grau de validade desta abordagem para prever o sucesso na vida prática? Pode chegar a 0.62 (explicando ~38% dos fatores envolvidos). Relativamente alto, considerando-se ciências humanas.

Capacidade e potencial humano

Perfis e preferências são descrições de estilos. Não diferenciam particularidades mais específicas entre as pessoas. Competências têm um foco forte em desempenho, performance, pois toda a avaliação por competências olha para o passado na busca de indicadores que possam garantir o maior acerto para o desempenho imediato (num cargo, por exemplo). Mas nada nos diz do futuro. Potencial humano diz respeito ao desdobramento da capacidade. Assim, falamos de capacidade potencial atua e futura. Na literatura, a única definição científica e operacional de capacidade ou potencial vêm dos trabalhos de Elliott Jaques e Gillian Stamp, validados em pesquisas on-the-job junto a diferentes empresas no mundo.

Potencial humano é medido pelo conceito de time-horizon que define o quadro futuro no qual uma pessoa não apenas vagamente pensa e fala a respeito, mas também com o qual pode, efetivamente, lidar, antecipar e controlar, fazendo coisas numa escala em que consegue sentir-se confortável tomando decisões ao longo do percurso. Potencial humano neste conceito tem a ver com as escalas de complexidade e incertezas com as quais uma pessoa consegue lidar, escalas essas crescentes e mensuráveis em um horizonte de tempo de conclusão de uma tarefa. Envolve o futuro e sua construção, o uso do julgamento e discernimento, a capacidade de lidar com a complexidade – sempre variável, a ausência de conhecimento e o menor impacto da experiência anterior. Quando não sabemos exatamente o que fazer é quando temos que usar nosso potencial de julgamento. E isto não é explicável pelos instrumentos de perfil, personalidade, inteligência tradicional, nem emocional.

O modelo Work Levels define potencial humano e o mede de modo científico. Grau de validade desta abordagem para prever o sucesso na vida prática? Entre 0.85 e 0.922 . Entre vários estudos, Gillian Stamp relata experimentos acompanhando mais de 250 profissionais em cada experimento, ao longo de até 20 anos. O aspecto mais intrigante dos trabalhos de Jaques e Stamp é que, neste conceito, a capacidade para conduzir projetos e produzir julgamentos para diferentes horizontes de tempo cresce ao longo do tempo. Não é treinável, mas este crescimento pode ser estimado. E aí que as pesquisas mostram algum nível de consistência. Não devemos, contudo, confundir potencial com desempenho. Um não vive sem o outro, mas o primeiro é determinante do escopo de ação do segundo.

Nossas pesquisas apontam resultados semelhantes. Junto a uma empresa do ramo siderúrgico, os índices de consistência foram de 91% com relação ao crescimento ou estabilidade do potencial, cinco anos após a primeira avaliação. Junto a outra empresa do setor farmacêutico, uma amostragem com 14 casos gerou os seguintes dados: 64% dos casos mostraram o crescimento previsto do potencial; 21%, estabilidade também prevista; 14% (2 casos) dos casos mostraram uma evolução um pouco acima do previsto. Esta margem de 14% encontra-se dentro dos limites estatísticos previstos pelo sistema de assessment baseado no modelo Work Levels. As variações nas avaliações de potencial podem ser atribuídas a diferentes fatores, desde treino dos avaliadores até momentos de transição pessoal das pessoas por ocasião das avaliações, bem como forte sentimento de alguns de contrariedade por sub-aproveitamento. Obviamente que estes fatores tentam ser controlados. A pequena margem de variação entre previsão e realidade coloca o Work Levels como o modelo de maior validade científica dentre os diferentes instrumentos utilizados e, ainda, o único que oferece a tendência de evolução futura da capacidade.

Numa terceira empresa mineradora, o trabalho de identificação de sucessor para uma posição gerencial de nível médio, o instrumental Work Levels® mostrou-se igualmente preciso. Cinco anos após, seis pessoas indicadas internamente tiveram uma reavaliação, e a evolução de um nível de capacidade potencial para outro foi confirmada em quatro casos, a estabilidade foi confirmada em um caso, e em outro caso, houve leve crescimento acima do esperado. Este caso estava exatamente num transition phase pessoal. Enfim, 100% dos casos confirmando as expectativas, 84% dos casos exatamente dentro das expectativas. Todas estas reavaliações foram feitas “às cegas”. Todos estes dados e confirmações independem de sexo, idade ou raça.

As empresas buscam tanto identificar quanto reter talentos. Diversas são as ações para tal. Mas a identificação dos chamados talentos carece de cientificidade nas práticas das organizações. Fala-se de talentos, mas mede-se muito pouco. O Work Levels® oferece uma base de consistência ímpar que, ao lado de políticas específicas, identificam os recursos a serem desenvolvidos e preservados à luz dos valores de cada companhia. O baixo interesse pela discussão conceitual quando da “compra” de determinados produtos faz com que algumas empresas surpreendam-se quando descobrem que estão usando indicadores errados para o que querem avaliar. Não se pode medir aquilo para o qual não se tem definições precisas e nem métodos adequados.

Bibliografia:

Spencer & Spencer; 1992. Competence at Work; Wiley & Sons. USA.
Jaques, E. 1994. Human Capability. Cason & Hall. USA.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Sem categoria

Planejar sucessões com ferramentas confiáveis e efetivas

O termo ‘planejar” carrega em si paradoxos. Se, por um lado não se planeja o futuro, segundo a lógica linear, pode-se, porém, ‘julgar”. O que é interessante é que o ‘julgamento antecipado” está na essência do que consideramos ‘capacidade potencial” – elemento crucial para a identificação do ‘potencial” atual e de crescimento ‘futuro”.

Os elementos para um projeto de sucessões devem envolver três grandes dimensões: capacidade potencial – atual e futura, valores e ausência de traços negativos de personalidade . As competências passam a ser um aspecto relativamente irrelevante, na medida em que não sabemos quais competências serão as requeridas num futuro mais distante. E também porque a análise por competências tem alta correlação com o desempenho, ou seja, identificaria, no máximo, um ‘ back-up” , prontidão imediata para o cargo. Curioso é que, neste caso, qualquer candidato à sucessão poderia estar se sentindo totalmente subaproveitado. Sucessão, no entanto, foca ‘a promessa futura” e a capacidade potencial.

Capacidade Potencial

O principal diferenciador na capacidade para o trabalho é saber lidar com ambiguidades, variáveis que mudam, incertezas, ausência de conhecimento e níveis mais e mais abstratos. O processo por meio do qual uma pessoa ‘julga”, isto é, a maneira como ela combinada dados, fatos, conhecimentos, intuições, perspectivas, sentimentos e valores, não é diretamente acessível ao observador externo, e nem à própria pessoa. Pode-se estimar, por meio de metodologia específica ( não envolvendo ‘testes”), o estágio atual de desenvolvimento de uma pessoa em relação a temas complexos e, por extrapolação, estimar padrões de crescimento futuro. Neste sentido, o modelo Work Levels® é o único que oferece estudos científicos a respeito do crescimento da capacidade potencial (julgamento) ao longo do tempo.

Valores

Mais do que focar competências, o mundo e a gestão buscarão maior clareza de valores e de uso de princípios como base da ação. Na verdade, os valores sempre foram a base da ação humana. Porém, agora se torna explícita essa relação. Os valores guiam nossas ações, participam de nossas escolhas, influenciam a direção de nossos comportamentos. No dia-a-dia afetam as relações, o estilo de liderança, a aprovação de investimentos, a priorização de atividades, a aceitação-rejeição de situações e pessoas, o predomínio da individualidade, entre muitos outros aspectos. As organizações que se perpetuam possuem um forte sentido de seus valores. Boa parte dos conflitos – relações difíceis entre pessoas e departamentos têm em sua essência divergências nos valores.

Os valores são ‘transmitidos” nas relações interpessoais. As pessoas aprendem e incorporam valores por meio do contato direto, dos comportamentos observáveis, do ‘não dito”, dos gestos, do tom de voz, dos acenos de cabeça e expressões do olhar, enfim, da coerência entre o pensar, o dizer e o fazer.

Um plano de sucessões terá, em seu bojo, uma atenção especial à questão dos valores. Importante lembrar que as pessoas convivem nas organizações por anos a fio. Um plano de sucessões deve também optar por aqueles que podem dar continuidade à organização, que irão construir o futuro.

Ausência de traços negativos de personalidade

Trata-se de uma questão importante, embora relativa. Pessoas com ‘alto potencial” podem ter seu desempenho comprometido por dificuldades pessoais, que variam de atitudes ‘difíceis” até questões mais profundas, como comportamentos de extremo controle, paralisia por medos, desconfiança básica, reações agressivas e egocentrismo exacerbado, entre tantos.

Sem dúvida que a ‘personalidade” não entra no âmbito do desenvolvimento dos recursos humanos. Não se ‘treina” alguém para ser mais ou menos ‘obsessivo”.

Traços de personalidade considerados ‘negativos” pela organização devem receber o esforço de cada um em administrá-los, encontrando apoio profissional externo, se necessário, já que podem comprometer a carreira.

Modelos de planejamento de sucessões

•  Comitês

•  Serviços externos de assessment .

•  Combinação entre os dois acima.

1. Os comitês são ações top down . Normalmente o presidente de uma companhia com seus diretores diretos formam um comitê para identificar futuros diretores

E o processo prossegue para ‘baixo” na estrutura organizacional. O futuro ‘presidente” será escolhido por um comitê entre um conselho e o próprio presidente. Empresas familiares adotam o conselho ou contratam apoio de consultorias ou simplesmente assumem que o herdeiro biológico seguirá com o empreendimento. Estes comitês se reúnem anualmente e fundamentam suas decisões numa percepção e estimativa que em geral envolvem:

– histórico na organização, currículo, formação, desempenho;

– características pessoais como energia, esforço, experiência, comportamentos;

– identificação com os valores da empresa;

– disponibilidade para movimentações, entre outros.

Porém, como se pode deduzir, não há qualquer menção a um conceito ‘do que é potencial”. Aceita-se que potencial é o ‘quanto uma pessoa pode crescer”. Mas, o que é potencial? Qual o construto? Como se estima o quanto alguém pode crescer, evoluir? Qual a base de análise que permitiria a dois avaliadores, que não conhecem o candidato, chegar a uma estimativa bastante semelhante? Não é isso o que acontece nos comitês. Pessoas bem cotadas no ano “B” podem ser consideradas ‘baixo potencial” no “C”. A que isto se deve? Provavelmente pelas qualidades citadas. Mudou o ‘potencial”? Se potencial é uma estimativa futura de crescimento, não deveria mudar no próximo ano!

Um erro lógico e comum dos comitês é não trabalhar o conceito de potencial. Se não houver um conceito inteligível e comum, não se pode definir algo, e se não se pode definir algo, então os julgamentos são apenas opiniões. Daí a necessidade de revisões anuais. Do contrário, todas as análises do potencial entrariam, de fato, no ciclo de gerenciamento, isto é, criariam condições para que as ‘promessas de potencial” fossem realizadas nas suas intensidades e durante a evolução dos anos. E as revisões? Talvez fazê-las a cada três anos, no mínimo.

Normalmente as empresas se envolvem com o modelo enganoso de colocar juntas duas variáveis para a análise: o desempenho e o ‘potencial”. Criam-se aí quatro categorias ou ‘nove boxes”, que se referem a alto, baixo, potencial e desempenho. Contudo, ao se falar de potencial não é necessário se falar de desempenho. Uma teoria sobre potencial já é suficiente.

2. Uso de serviços externos em assessment

No início deste artigo afirmamos que potencial tem a ver com saber lidar com ambiguidades, incertezas, imprecisões, estimativas de caminhos futuros, que, em resumo, no modelo Work Levels® envolve lidar com o tempo. Quanto maior o potencial, maior a capacidade de imaginar ações e desdobramentos de ações no tempo, em períodos curtos, meses, até anos, senão décadas. O modelo Work Levels® tem como distintivo compreender quais os temas essenciais de complexidade de uma organização e identificar a capacidade potencial das pessoas para lidar efetivamente com esses temas de complexidade. Ainda mais: baseado em pesquisa de longo prazo, existe a possibilidade de cientificamente estimar os padrões de crescimento da capacidade das pessoas, compondo-se o Talent Pool ® , que pode ser entendido como uma medida contábil do capital potencial instalado. Isto irá assessorar diretamente os planos estratégicos de uma organização.

3. Combinação entre comitês e serviços externos de assessment

Essa seria uma ação interessante na medida em que abriria a possibilidade de um aprendizado conjunto, em que experiência gerencial e consciência conceitual visariam o melhor equilíbrio para as decisões.

Esta tem sido a nossa prática. Ao apresentarmos o ‘Talent Pool®” sob uma perspectiva conceitual específica de potencial, como recursos para lidar com diferentes temas de complexidade, a organização pode comparar as próprias análises. Nosso trabalho é focar o conceito, restringir o foco em aspectos de personalidade, comportamento, desempenho, já que estes são objetos da gestão. A afirmação sobre um ‘potencial” será complementada, posteriormente, com análises específicas que envolvem valores, competências. Mas devem ficar à parte quando o foco específico for potencial.

O output final

Um planejamento de sucessões poderia, por exemplo, ter um resultado final parecido a este. Os dados de valores e características pessoais não aparecem aqui, mas devem ser contemplados à parte.

Sucessão

Reter ou não reter talento é um desafio da gestão. Envolve, no mínimo, ser capaz de atribuir responsabilidades da mesma dimensão da capacidade potencial.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

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Recursos Humanos, Sem categoria

Grafologia, suporte científico para avaliação da expressão individual e suas contribuições

Qualquer teoria para atingir um status científico deve submeter-se as provas experimentais e ser refutável, substituível ou aprimorada. Esta tem sido uma concepção predominante no século XX. Lembro-me disto todas as vezes que me perguntam sobre o caráter científico da grafologia (consulte programa na pág. 11). A grafologia não é uma ciência, é uma técnica de avaliação da expressão individual através do grafismo. Toda técnica tem, por definição, limitações em relação à totalidade do objeto que suporta a sua intervenção, por isso, a análise grafológica não é, nem nunca vai ser, um instrumento de total infalibilidade. A validade que se refere ao fato de que uma técnica analise de fato o que se propõe avaliar, a expressão individual de quem escreve; e a confiabilidade em relação à exatidão e objetividade com que o faz, atestam a análise grafológica, sempre que realizada por especialistas, uma maior porcentagem de acerto nos dados obtidos. Estes resultados são confirmados ou não nas entrevistas de devolutiva e por meio da informação dos profissionais de seleção que utilizam este tipo de instrumento. Por exemplo, no Rorschach chega-se a uma precisão de 90%, na grafologia em torno de 80 a 85%.

Com o desenvolvimento de pesquisas e assimilação deste instrumento como válido para investigação do ser humano, a grafologia ganhou status de cadeira universitária, na Argentina, Alemanha, França, algo que conta pontos a favor sugere a sua confiabilidade, sendo que na França foi declarada serviço de utilidade pública e lá se exige uma formação reconhecida pelo governo para o exercício da profissão.

A grafologia pretende abordar as características da expressão individual que estão projetadas na escrita, seus aspectos lógicos e psicológicos. A partir disso, fazer previsões acerca do comportamento de quem escreve, não visando determinar com total exatidão aquilo que uma pessoa vai fazer em determinado momento, mesmo porque esta seria uma expectativa de uma ciência exata, o que não é o caso da grafologia, uma vez que se considera uma área de humanidades, cujo objeto do estudo é influenciado de uma forma sensível pelas mudanças geradas no ambiente, tanto interno quanto externo. Por isso, seria interessante considerar a grafologia mais uma técnica que se baseia em probabilidades para fornecer seus resultados, distanciando-se das ‘coordenadas cartesianas’, das causas e efeitos diretamente correspondentes na explicação do dinamismo humano.

O foco da análise é explicitar como as variações dos sinais refletidos na escrita podem interferir no funcionamento de um indivíduo, a partir destas deduzir quais são as repercussões que estas podem gerar no ambiente, sem entrar na discussão do ‘estrutural/situacional’, a qual já foi abandonada a bastante tempo, não sendo do interesse deste estudo retomar este tema – pura perda de tempo – uma vez que é impossível conceber uma característica situacional que não esteja fundada em uma estrutura ou uma estrutura que não tenha uma manifestação situacional, inclusive isto já foi mais que ressaltado por Lorenz em seu livro ‘Princípios da Etologia’.

E como se estrutura a hipótese da viabilidade de um estudo da expressão individual com base na grafologia?

Parte-se do princípio de que toda escrita segue um modelo ou afasta-se do mesmo, tornando a escrita mais legível e fluente ou não. Quando crianças somos submetidos a determinadas regras de escrita, e embora os tipos de orientação pedagógica no período de alfabetização possa mudar, é pouco provável que à criança seja permitida adotar qualquer forma de expressão, como um rabisco adquirir um significado geral e este servir como foco de sua comunicação, inclusive porque o objetivo principal da escrita é tornar claro aquilo que está sendo impresso no papel. Em um primeiro momento a escrita nada mais é do que uma cópia, a qual a criança tem de se esforçar sobremaneira para realizar, posteriormente pode chegar a refletir o próprio pensamento acerca do mundo.

Se aceitamos o pressuposto de que aprendemos um modelo, que este é considerado satisfatório em cumprir a sua missão de comunicar, de tornar claro a expressão decorrente do trabalho mental, o que é reforçado pelo ambiente, o que faz com que as pessoas tenham escritas diferentes? Por que surge a necessidade de escrever diferente do modelo?

O aperfeiçoamento motor dos indivíduos não ocorre da mesma forma e nem ao mesmo tempo, até porque este depende da freqüência da estimulação e do aparato biológico que interferem na formação da escrita infantil. Entretanto, somente isto não basta para estabelecer as causas das diferenças porque o plano psicológico e social também contribuem para que estas modificações sejam introduzidas na escrita. É provável que as pessoas que desenvolvem o hábito da escrita mais cedo, que estão submetidas a um ambiente que valoriza a cultura e a expressão original, cheguem primeiro a consolidação dos mecanismos da escrita. Da mesma forma, as crianças que são submetidas às privações afetivas ou orgânicas tenham o desenvolvimento de sua expressão individual lento ou carreguem características que podem ser foco de desequilíbrio ao longo do tempo.

A maioria das pessoas teve, de alguma maneira, um modelo a partir do qual foram introduzidas modificações ou foi perpetuado com alterações pouco significativas em sua estrutura. Todos têm uma organização mental e motora que se reflete na escrita, e isto quem diz não são os grafólogos que tentam justificar a sua ciência de uma forma tendenciosa, mas Ajuriaguerra, que discute o desenvolvimento da escrita em seu livro ‘A escrita Infantil, Evolução e Dificuldades’, abordando sobre a necessidade de pesquisar as características psicológicas das crianças pertencentes a grupos que apresentam síndromes gráficas, as quais classificou como rígidos, com grafismo fraco, impulsivos, inábeis, lentos e estruturados. Nestes últimos, verificou que estas características se encontram mais visíveis no exame psicológico; lentidão nos testes de rapidez mas precisão nas provas, interpretação que pode ser obtida também através do exame grafológico como pode ser verificado em qualquer manual de grafologia.

Percebe-se um conjunto de características próprias que distinguam um indivíduo dos outros de uma mesma espécie, ou de outros membros da mesma sociedade. Em particular, quando se trata dos homens, a busca de originalidade, de não conformismo, nota-se a tentativa de dar uma forma própria a escrita sem que a mesma perca a sua legibilidade e resulte em apenas uma expressão egocêntrica. Este fenômeno é claramente explicitado quando da necessidade de se elaborar a primeira assinatura. Mas é importante dizer que esta busca tem de caracterizar-se pela legitimidade e não somente por um discurso que não encontra uma práxis na realidade. A conclusão surge então bastante óbvia: é a procura de uma expressão individualizada, que reflita de uma forma inequívoca as características da pessoa que faz com que a escrita sofra as suas transformações e gere uma identificação com a nova forma de expressão, assim como, um pintor com a sua tela.

Diz Piaget: ‘Comparado a uma criança, o adolescente é um indivíduo que constrói sistemas e ‘teorias’. A criança não constrói sistemas, ela os têm inconscientemente ou precons-cientemente, no sentido de que estes são informuláveis ou informula-dos, e de que apenas o observador exterior consegue compreendê-los, já que a criança não os ‘reflete’. Ou, melhor, pensa concretamente sobre cada problema à medida que a realidade os propõe, e não liga suas soluções por meio de teorias gerais, das quais se destacaria o princípio. Ao contrário, o que surpreende no adolescente é seu interesse por problemas inatuais, sua facilidade de elaborar teorias abstratas. Existem alguns que escrevem, que criam uma filosofia, uma política, ‘uma estética’. E conceitua que a expressão individual começa no final da infância, com a organização autônoma das regras, dos valores e a afirmação da vontade, com a regularização e hierarquização moral das tendências, existindo propriamente quando se forma um ‘programa de vida’ funcionando este como fonte de disciplina para a vontade e como instrumento de cooperação social. Este plano, entretanto, supõe a intervenção do pensamento e da reflexão livres, que só se elabora quando certas condições intelectuais, como o pensamento formal ou hipotético-dedutivo, são preenchidas. É neste momento que surge para o indivíduo a possibilidade de criar seus modelos, é o momento em que existe a chance de se formular qualquer tipo de mundo. Finalmente, o indivíduo pode pensar acerca de seus próprios padrões e dar forma para uma expressão autônoma.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Estrutura

Estrutura e desenvolvimento organizacionais

Quando se fala em desenvolvimento organizacional, normalmente a atenção se volta para pessoas. Investe-se na formação gerencial para gerar mudança comportamental. Mas, o que falar a respeito das organizações? Em que medida um desenvolvimento organizacional efetivamente enxerga a organização? E como a organização afeta as relações?

Diversos autores parecem não concordar sobre o conceito organização. As organizações são descritas por meio de metáforas, tais como ‘brigadas, orquestras, máquinas, corpo humano’, etc. (1). Quando eles tentam definir organização, em geral citam processos, relações, questões de conflitos e política. Afinal, o que é uma organização, e o que dizer sobre desenvol- vimento organizacional ? Uma organização pode ser compreendida como algo que tem princípios próprios? Podemos apreendê-la e identificar algum padrão universal? Há respostas varia- das. No início dos anos 90, tivemos a bolha da reengenharia, que, como um cometa, fez cortes aqui e ali, diminuiu níveis, e desapareceu. Qual a aprendizagem que deixou? Talvez o medo de consultorias de reorganização?

O desenvolvimento organizacional em geral volta-se para as pessoas. Mudando as pessoas, melhoramos o desempenho organizacional. Ou, os conflitos organizacionais decorrem dos relacionamentos pessoais. Mas, onde entra a organização

Organização, gestão e pessoas

Elliott Jaques foi um dos pioneiros a compreender as ansiedades das pessoas no trabalho. Explicava que as organizações são estruturas que nos ajudam a nos defender contra nossas ansiedades, na medida em que temos formalidades, papéis definidos, objetivos claros. Ao longo dos seus estudos, trouxe novas reflexões,após ter abandonado a prática da psicanálise como ferramenta para o desenvolvimento organizacional.

Fundamentado em uma experiência de mais de 40 anos on-the-job, Jaques passou a afirmar que ‘grande parte dos problemas comportamentais em organizações são causados pelo sistema gerencial… Mudanças dramáticas no comportamento podem ser obtidas pelo alinhamento ou sintonia fina do sistema gerencial’ (1). Também descobriu que existe uma organização oriunda da natureza humana, ou seja, que as organizações são de alguma forma uma das expressões externas da maneira como os seres humanos procuram se organizar para conseguir resultados. Assim, Jaques constrói alguns conceitos:

Objetivos

Toda organização deve ter objetivos – chame-os como quiser, missão, sonho, visão. O objetivo é que, de fato, cria o sistema e isto é fundamental. Cada função, cada papel, terá tarefas definidas como atribuições para produzir outputs específicos dentro de um tempo de realização definido e com os recursos alocados para serem administrados de acordo com as políticas e os procedimentos. Como falar em objetivos sem definir o tempo de realização?

Como podemos falar de alcançar resultados sem os limites definidos de recursos e políticas? O sistema organizacional faz sentido a partir de horizontes temporais determinados!

Partes

Jaques afirma que para qualquer corporação podem ser identificados padrões recorrentes de camadas gerenciais ou estratos organizacionais, cujos limites são definidos pela complexidade do trabalho a ser conduzido.

Esta complexidade é medida pelo time-span (horizonte temporal) de um objetivo. Quando gerentes e liderados estão em funções adjacentes, respeitando-se as diferenças dos níveis de complexidade, o trabalho corre muito bem. Se ambos estão com funções no mesmo nível de complexidade, o liderado sentirá o seu gestor invadindo o seu espaço de trabalho. Se houver uma distância de um ou mais níveis entre eles, então o liderado poderá sentir que a comunicação com seu gestor está totalmente fora de sintonia.

Relacionamentos

Dois tipos: Vertical – de gerente e liderado – e horizontal – relacionamentos entre funções, que devem ser bem definidas. Essas relações deixam explícitas as responsabilidades e autoridades gerenciais, e definem os processos de liderança, isto é, o que será liderado e de que maneira. Esses relacionamentos são essenciais porque a chave para compreender como um sistema trabalha está não tanto em entender as partes em si, mas bem mais em entender as interações entre elas.

Processos

Horizontais; atravessam muitas funções na organização. Os processos condicionam o desempenho muito mais do que as pessoas que nele operam.

Desenvolvimento Organizacional

Toda organização precisa ter objetivos definidos no tempo. O modelo de Jaques define as organizações como estruturas de liderança gerencial, nas quais são delegadas aos gestores responsabilidades e autoridade para decidir sobre os recursos alocados para alcançar os objetivos, como também para delegar responsabilidades.

Ao falar de objetivos, perguntamos: qual o tamanho do projeto organizacional ? Qual a complexidade do projeto? E isto pode ser medido pelo horizonte temporal esperado para os resultados. O modelo Work Levels® define a estrutura desejada conforme os horizontes de tempo dos projetos.

A pergunta da ação do desenvolvimento organizacional é feita, primeiro, para a estrutura: temos, na estrutura atual, os níveis de complexidade alinhados conforme as expectativas do projeto organizacional? Segundo, para a relação entre os níveis: as responsabilidades e autonomia gerenciais correspondem aos níveis necessários?

Nossa experiência

Ao aplicarmos o modelo Work Levels®, é muito comum encontrar overlaps de responsabilidades. Considere, por exemplo, a estrutura de cinco níveis num organograma comercial comum de uma indústria: Presidente, Diretor de Marketing e Vendas, Gerente Nacional de Vendas, Gerente Regional, Supervisor e Vendedor. Somente aí vemos a existência de seis níveis organizacionais. Uma análise mais cuidadosa mostrará que provavelmente há alguns overlaps.

Se for uma organização internacional, a pergunta inicial é para a função do Presidente. Tipicamente, é o responsável pela Intenção Estratégica ? Provavelmente não. Se for uma multinacional, provavelmente sua autonomia de ação é menor, reduzida ou não correspondente a este nível. Estará com autonomia provavelmente equivalente ao que definimos como correspondente ao work level Desenvolvimento Estratégico. Em decorrência, temos aí a necessidade de quatro, e não de seis níveis.

Vamos avançar no propósito do desenvolvimento organizacional. Ainda falando em estrutura, o segundo aspecto são os relacionamentos. Se encontrarmos relações verticais desalinhadas, isto é, duas funções num mesmo nível de complexidade (no exemplo acima, situação provável nas diversas relações). Os problemas chamados comportamentais daí decorrentes podem ser inúmeros.

Um deles são as queixas sobre a liderança, que pode não delegar tanto quanto se gostaria. Mas como delegar mais se a função de um gerente está quase equivalente ao de seu gerente-liderado? Delegar mais o quê? Aquilo que ele mesmo faria? Ou problemas de comunicação e participação nas decisões. Ou problemas de frustração, por falta de espaço, ou por falta de autonomia. Ou conflitos maiores, decorrendo queixas quanto ao uso exagerado do poder, ou excesso de hierarquia nas relações.

Ao se focar o desenvolvimento organizacional nas pessoas, nesses casos, vamos obter apenas amenizações. Pode-se mostrar como as pessoas são distintas, como têm tipologias próprias, como lidam de modo diferente com os conflitos. Ameniza a situação, mas não vai ao cerne da questão.

Alinhando-se a estrutura, mudam-se os comportamentos. Deveria ser algo óbvio. Se a responsabilidade do gestor está um nível de complexidade acima, então ambos terão trabalhos diferenciados a conduzir, autonomias e espaços diferentes e ações complementares em termos de objetivos, já que as metas do gestor serão muito mais amplas no horizonte temporal. Daí a possibilidade de congruência e complementaridade. Obviamente, também, isto não garante as habilidades de um gestor.

Aqui o foco na pessoa fará sentido. Mas só neste momento.

ponto complementar desse raciocínio é a questão do talento humano e seu estado de harmonia entre sua capacidade e a complexidade do seu trabalho. Conforme o artigo ‘Coaching ou Counselig? Uma Leitura Sistêmica’, publicado na edição anterior da revista, se uma pessoa está com sua capacidade acima ou abaixo do desafio, provavelmente terá problemas de desempenho. Seja por uma atitude desleixada, imatura ou ansiosa, ou por decisões adiadas, ou por não conseguir enxergar desdobramentos à frente, trazendo estresse para as relações, acumulando sentimento de baixa auto-estima se isto se prolongar, acarretando sofrimentos mútuos – para a pessoa e para a organização.

A análise do potencial é fundamental para uma intervenção junto às pessoas. O modelo Work Levels ® entende potencial humano exatamente como a capacidade individual de lidar com a complexidade, isto é, de lidar com as condições de ambigüidade e incerteza inerentes a cada função nos diferentes níveis definidos. Lidar com a complexidade não é uma questão de personalidade, de estilo ou tipo psicológico. Envolve ser capaz de manejar incertezas, de antecipar problemas no tempo, de ser capaz de imaginar caminhos, muitas vezes complexas tramas, considerando variáveis que mudam, se alteram, se transformam, ou mesmo desconhecidas, sempre num determinado horizonte de tempo. Aqui as coisas se juntam. Os objetivos organizacionais repercutem na estrutura na forma de responsabilidades, autoridade e autonomia, mas a consecução dos objetivos depende da capacidade das pessoas de estarem corretamente alocadas em funções que correspondem à sua capacidade. Desta maneira, a gestão do Talent Pool® da organização é parte inerente em qualquer ação de desenvolvimento organizacional.

Nosso modelo de trabalho

Quando falamos de desenvolvimento organizacional queremos significar uma ação que envolve, pelo menos, três grandes dimensões que devem ser consideradas sistemicamente. Por onde começar as perguntas? Seja por onde for, você precisa considerar que estas três dimensões estão sempre em jogo. E seu conhecimento deve ser amplo a respeito de cada uma, por constituírem a essência do trabalho de desenvolvimento organizacional.

Organizações envolvem estruturas. É insuficiente olhar para as estruturas em seus aspectos de processos e função gerencial de forma isolada. É insuficiente olhar para as metas se não estiverem alinhadas aos projetos de cada nível. E ainda se em cada nível não houver as competências necessárias e suficientes para dar andamento à complexidade dos projetos. Não adianta olhar as relações entre as pessoas, nos grupos, se isto não estiver contextualizado numa dimensão mais ampla de significados do por que e para que certos trabalhos devem ser feitos e realizados, e …. para quando.

Referências

1. MORGAN, G; Imagens da Organização.São Paulo: Ed. Atlas, 1996.
2. JAQUES, E. Requisite Organization. EUA: CasonHall Publishers. 1997


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Educação e a evolução da inteligência

São quase 10 anos de uso do termo ‘Consultoria Interna de Recursos Humanos’ (CI). Um de seus maiores dilemas é representar na organização um papel que a identifique como ‘mais estratégica’ em oposição a ‘menos operacional’. Pergunto: como superar a dicotomia entre cliente cativo versus cliente demandante? A formação da CI sempre esteve envolvida pelo foco, às vezes parcial, de identificar quais são ou devem ser as competências do Consultor. Inúmeros programas são produzidos para treinar essas características, que vão desde a condução de dinâmicas de grupo, team building, à administração de conflitos, avaliação de competências, negociação. Contudo, questiono: onde está seu objetivo estratégico? Se focarmos no profissional da CI não resolveremos o problema. Na verdade, muitos profissionais que recebem o título de consultor interno operam em fábricas, lidando com situações mais ou menos imediatas, transferidas por seus clientes, como selecionar em curtíssimo prazo, organizar treinamentos, rever um posicionamento salarial ou adequar um plano de benefícios. Sem dúvida, isso é muito pouco para ocupar o tempo e a capacidade desses ‘consultores’. Os Recursos Humanos das organizações querem formar consultores, mas estes precisam primeiro se informar sobre o tipo de instituição que está lhe propondo o trabalho.

Entendendo a organização

Para cultivar o estratégico é necessário entender a organização. Para construir esse contexto, utilizo as idéias de E. Jaques (Requisite Organization – Cason & Hall, 1998, 3 ª edição). Assim Jaques as define: ‘Organizações são sistemas gerenciais que empregam a capacidade das pessoas para produzir julgamentos e alcançar resultados…’ (pág.34). Ele destaca, na verdade nos lembra, que estamos falando de organizações de emprego, seja lá qual for a natureza desse vínculo, cuja competência é a gestão. Portanto, o cliente é o gestor, pois é ele quem receberá responsabilidades para alcançar resultados com recursos delimitados e tempos definidos. Um dos re-cursos é a capacidade das pessoas que será alocada sob sua liderança. Nisso não podemos nos enganar. Uma organização define seus gestores como responsáveis por resultados.

O Metacurrículo

Aprender, desaprender, reaprender são temas que transcendem a sala de aula típica e invadem o cotidiano de empresas e escolas. A tecnologia atual aponta para ‘novos’ caminhos do ensino à distância. As aspas são porque está renascendo o paradigma do ensino à distância tão praticado nos ‘cursos por correspondência’ das décadas de 50 a 70.

A questão do metacurrículo se propõe a ensinar conteúdos focando os assuntos específicos de cada matéria, além de abordar as questões fundamentais: ‘como sabemos?’, ‘como podemos estar certos?’, ‘existem outras possibilidades?’, etc. Busca-se produzir uma profunda diferença no significado da instrução!

O currículo regular consiste de disciplinas como matemática, ciências, línguas, etc, em que cada criança ou estudante navega de acordo com suas habilidades e interesses. Mas o metacurrículo propõe um outro tipo de ‘matéria’ ou ‘conteúdo’ nas salas de aprendizagem.

O ponto inicial é muito simples: ter-se uma clara idéia do que é preciso ser aprendido. Queremos que as pessoas aprendam sobre como as frações funcionam e como elas representam situações reais da vida; como as poesias falam dos problemas que afligem os seres humanos; como a história explica nossos contextos atuais e nos ajudam a antecipar situações; e assim por diante.

O metacurrículo defende que as pessoas aprendam um pouco além dos conteúdos didáticos – aprendam a respeito dos próprios modos de ser de cada um em torno de cada uma dessas coisas. O metacurrículo inclui termos e conceitos sobre o pensamento, crenças, atitudes em relação ao pensamento e práticas de bons hábitos de pensamento. Também inclui questões como a disposição para pensar globalmente ou pensar com profundidade, tanto quanto os desafios das tomadas de decisão, solução de problemas, uso de mapas conceituais e argumentações orais e escritas, entre outras.

O desafio dos professores e instrutores

A princípio, alunos e professores poderão olhar para o metacurrículo como mais um ‘experimento’ em torno do currículo normal. De onde virão tempo e dinheiro? Mas o metacurrículo não deve ser uma atividade paralela. O metacurrículo irá se integrar ao ensino dos conteúdos tradicionais.

O objetivo do metacurrículo é o de acender o pensar dos alunos ao longo da aprendizagem dos conteúdos tradicionais. E também se aplica ao conteúdo das disciplinas por estimular o desenvolvimento de um sentimento do como as disciplinas funcionam como uma área do conhecimento. A investigação deve ser parte de qualquer matéria.

Aprendendo sobre história, aprende-se também sobre ‘gaps’, como se pensar numa ‘novela’ com buracos e páginas que faltam, como uma seqüência de fatos pode nos contar uma história e como os fatos nos contam uma história de diferentes maneiras.

Pelo metacurrículo, quer-se eliminar as dificuldades de aprendizagem ‘ensinando’ como a matéria funciona, isto é, ‘como é pensar em História’ e como pensar em Matemática é diferente e significativo, e assim por diante. Muitos alunos não compreendem certas matérias em parte porque não compreendem como a matéria funciona como um todo. Muitos erros em álgebra são produzidos por falsas analogias, como, por exemplo, pensar que a raiz quadrada de A + B é o mesmo que a raiz quadrada de A mais a raiz quadrada de B. Por quê? Presumivelmente porque coisas assim acontecem em outras situações. Por exemplo, X vezes A + B é na verdade X vezes A + X vezes B.

Em cada matéria há assuntos cujas evidências formam uma parte do metacurrículo tácito e não endereçado. Qualquer matéria lida com alguma verdade em algum nível e tem os tipos de evidências necessárias para estabelecer a verdade. Em história, a evidência tem a ver em boa parte com a interpretação contextualmente apropriada das fontes originais. Em ciência, a ênfase está na experimentação empírica e teste. A matemática formal demanda provas dedutivas dos axiomas e teoremas previamente estabelecidos.

Questões de provas e evidências se tornam terrivelmente complexas quando olhamos para a colisão de valores tão centrais à vida contemporânea. Como conciliar os interesses da indústria com os dos ecologistas? Como reconciliar os desenvolvimentos da ciência (DNA) com os medos do uso maléfico ou estúpido da ciência?

Pensar a respeito de tais assuntos requer mais do que método científico ou dedicação histórica às fontes originais. Requer algum recurso dialético para enfrentar o raciocínio entre os sistemas de valores.

O futuro do metacurrículo

Inúmeros programas têm buscado enriquecer a capacidade de pensar, dentre eles, De Bono, Reuven Feuerstein, Lipman. Muitos desenvolvem a inteligência, mas não mudaram dramaticamente as pessoas. Por quê? Primeiro porque tudo isso requer tempo e atenção. Inteligência reflexiva envolve saber e aprender sobre seu próprio caminho e isto nada tem a ver com memorizar ou confiar que se pode andar sobre brasas. Necessitamos de um currículo com infusão de metacurrículo. Precisamos do reconhecimento explícito de que os jovens irão aprender entre e através das matérias e temas sobre o bom uso de suas mentes.

O que deveria existir num metacurrículo, isto é, quais as competências metacognitivas que deveriam ser estimuladas? David Perkins em seus livros ‘Outsmarting the IQ’ e ‘Smart Schools’, tenta enumerar alguns pontos. Entre eles, destacam-se:

  • Domínio da disposição pessoal: buscar clareza, amplitude, profundidade, curiosidade, estratégia, consciência dos próprios processos de pensamento, de modo geral e na medida em que lidam com os assuntos específicos.
  • Domínio do desafio: tomada de decisão, solução de problemas, justificativas, explicações, lembrar, definir um problema, arquitetar, planejar, avaliar, representar, predizer, aprender, enquanto envolvidos com uma matéria em particular.
  • Domínio de ferramentas: brainstorming, prós e contras, uso de mapas conceituais, etc.
  • Domínios de técnicas: probabilidades e estatística.
  • Domínio de campos: algum senso de padrões de pensamento característico dos campos estudados.
  • Domínio situacional: domínios situacionais selecionados tais como gerenciar emoções, resolver conflitos e negociar.

Esses domínios compreendem o ‘o que’ do metacurrículo. Existe também uma questão do método, o ‘como’, que tem a ver com critérios de mediação:

  • Cultivar um sistema de ação em torno do pensamento: estratégias de planejamento ou metacognição;
  • Cultivar crenças, valores e sentimentos a respeito do pensar;
  • Cultivar sistemas conceituais em torno do pensamento: atenção aos sistemas de conceitos subjacentes aos diferentes tipos de pensamento;
  • Cultivar a transferência do que tem sido aprendido sobre o pensamento e conteúdo: fazer conexões explícitas entre hoje e o amanhã, um e outro assunto, dentro e fora do ambiente escolar;
  • Cultivar avaliações que se centram no pensamento: organizar avaliações que mostrem as habilidades de pensamento dos alunos com o conteúdo ensinado.

Leia mais

Jaques, E. (1990) – Creativity and Work. International Universities Press. USA
Erikson, E. (1982) – The life cycle completed. Norton. USA


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Autodesenvolvimento

Devolutiva: Relação Empática de Aprendizagem e Troca

Diante do avaliador, as pessoas experimentam uma sensação de insegurança, obviamente por não saberem o que fazer para atender às expectativas. Algo que contraria a maioria das situações que enfrentamos no dia-a-dia, quando geralmente partimos com planos definidos ou, pelo menos, temos uma noção de que tipo de resposta oferecer ao ambiente diante das exigências.

Assim, nada mais natural que, diante deste tipo de circunstância de avaliação, o indivíduo assuma uma atitude defensiva, de pouca exposição. Se bem que o contrário também acontece; ou seja, o indivíduo exagera na tentativa de cercar todas as possibilidades de fornecer uma resposta adequada.

A entrevista de devolutiva tem-se mostrado eficiente no sentido de favorecer a participação e colaboração dos avaliados, quando este contrato é estabelecido no início do processo. A devolutiva ou o feedback, como queiram, precisa ser encarada como parte da avaliação, não apenas uma obrigação legal do psicólogo.

O feedback também funciona para atenuar os fantasmas acerca da figura de todo poderoso do avaliador e transfere para o psicólogo a responsabilidade de estabelecer uma relação de troca, para receber questionamentos e até para validar os resultados obtidos junto ao cliente acerca das suas interpretações; do contrário, a onipotência pode acabar tornando burocrático um processo que pode enriquecer ambos os lados.

Uma troca entre avaliador e avaliado — na qual temos de evitar assumir posturas com verdades definitivas e favorecer, neste momento, uma relação empática — é um elemento fundamental para a exploração da avaliação como um todo e não termina quando o avaliado se levanta da cadeira e sai pela porta, pois muita coisa ele pode estar carregando para sua vida.

A devolutiva é uma oportunidade de se acabar com o mito de que os psicólogos são os mais indicados para dizer aos outros o que fazer , devolvendo para o indivíduo a responsabilidade sobre o seu desenvolvimento. O psicólogo é um facilitador, que pode discutir, sugerir; não é um profissional que tem sempre respostas prontas. Embora tentador ao senso comum, dar conselhos não é tido como favorável pelos autores que trabalham com psicodiagnóstico.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Pieron.

 

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Coaching

É importante que, de tempos em tempos, possamos parar e observar práticas e conceitos que utilizamos em nossas ações profissionais. O conceito coaching ganhou presença nos círculos de encontros em recursos humanos, em gestão e em práticas gerenciais. Contudo, pessoalmente, observei inúmeros usos do termo. Talvez, o mais significativo foi esse: ‘vá lá e dê um coaching nele’. Vocês podem interpretá-lo de diversas maneiras. Mas isso me estimulou a buscar bases bem específicas para discutir o conceito.

Coaching é o processo através do qual o gerente auxilia seu liderado a compreender o pleno escopo do seu trabalho e a identificar as forças e fraquezas. Coaching deveria ser uma parte integral da ação gerencial conduzida através de revisões periódicas acerca da eficiência pessoal de um liderado.

Esta revisão é importante para que as questões, que vão desde valores e ‘sabedoria’ para o trabalho até questões de traços pessoais afetando o trabalho e outros relacionamentos, sejam sistematicamente abordadas e trabalhadas. Deve-se, então, agregar valor ao conhecimento que o liderado tem a respeito de si mesmo e de sua performance. O coaching é de interesse direto da liderança, pois sua performance será sempre vital para os objetivos não só do departamento como da organização. É, então, um processo no qual o líder ou gerente mobiliza ações pessoais para trazer o desempenho do liderado em níveis excelentes dentro do âmbito da função.

Termos que devem ser diferenciados em relação ao coaching:

Ensinar é um elemento do processo de aquisição de conhecimento por parte de uma pessoa. Ensinar é a transmissão de um conhecimento para alguém, através de aulas, discussões e práticas. Ensinar não é atributo específico de uma função ou cargo qualquer.

Treinar é o processo pelo qual se ajuda uma pessoa a desenvolver ou enriquecer suas habilidades no uso do conhecimento através da prática, tanto on-the-job quanto em situação de simulação da aprendizagem. Habilidades ajudam as pessoas a usar seu conhecimento em situações de resolução de problemas sem precisar pensar, liberando então sua habilidade para julgar conforme seu nível de competência.

Mentoring é o processo pelo qual um gerente (de dois níveis acima) ajuda um liderado (de dois abaixo) a compreender seu potencial e como aplicá-lo para desenvolver uma carreira na organização. Mentoring inclui ajudar o liderado a ser tornar mais ‘atento’ aos ‘caminhos do mundo’ e, portanto, auxiliá-lo na produção de julgamentos mais gerais e objetivos acerca de seu futuro.

Counseling relaciona-se com as circunstâncias de alguém solicitando os serviços de outra pessoa para um problema pessoal, seja decorrente de questões ‘internas’ da pessoa ou de circunstâncias ‘externas’. Gerentes podem dar conselhos em termos gerais, como, por exemplo, ‘alguém que conheço agiu assim diante deste problema….’ ou, ‘você pode pensar em diversas possibilidades para lidar com essas questões…’. Normalmente se refere a atuação de profissionais especializados para que essa ajuda tenha uma maior eficácia.

Coaching de liderados

O coaching de liderados deve ser uma parte quase cotidiana de qualquer ação gerencial. Envolve a rotina de compartilhar com os liderados os conhecimentos do próprio gerente, suas habilidades e experiências pertinentes ao trabalho do liderado. Os propósitos do coaching são os seguintes:

  • Ajudar os liderados a compreender as plenas oportunidades de suas funções, isto é, o amplo espectro de tarefas disponíveis no papel que exerce. Isto envolve formar um quadro do que eles precisam fazer para conseguir os benefícios dessas oportunidades.
  • Assistir aos liderados na aprendizagem de um novo conhecimento, isto é, investir em métodos, tecnologia e procedimentos.
  • Trazer os valores dos liderados mais em linha com os valores corporativos e a filosofia corporativa.
  • Assistir os liderados no desenvolvimento da ‘sabedoria’ em relação a seu trabalho, isto é, construir com base na experiência do gerente de modo a ajudar o liderado a se movimentar com mais ‘esperteza’ no ambiente em geral.
  • Ajudar os liderados a administrar qualquer questão ligada a seu temperamento (comportamentos que possam ser disfuncionais). Coaching, contudo, não envolve lidar com a personalidade do liderado, que não é um tema de preocupação do gerente. Se existem questões maiores ligadas aos problemas de temperamento, então o gerente precisa deixar claro que a manutenção do problema é inaceitável e o gerente pode apoiar o liderado a buscar ajuda externa, como counseling, facilitando este processo a seu critério.

Gerentes eficientes mantêm um delicado balanço entre, de um lado, situações que garantam ao liderado utilizar seu julgamento e discernimento para buscar ou tentar novas idéias para se beneficiar de suas próprias experiências e contato direto com as questões e, por outro lado, situações em que assessora seus liderados a conseguir se beneficiar das experiências de outras pessoas em termos de idéias e inovações. O equilíbrio está em liberar a plena capacidade e energia dos liderados dando-lhes oportunidade para usar a criatividade, a busca de melhoria, guiando-os de tal maneira que evitem desperdício ou energia mal focada. Colocar limites adequados é parte de toda a ação gerencial.

Coaching não é executar por ele. Os gerentes podem demonstrar ‘como se faz’, até exemplificar algo, mas precisam assegurar que os liderados têm a oportunidade de desempenhar tarefas similares. Assim, pode-se levar mais tempo praticando o coaching em certas tarefas do que fazendo sozinho. Mas o coaching é uma maneira para o gerente agregar valor ao trabalho do liderado e, com certeza, envolve investimento de tempo. No entanto, é um processo central para construir a confiança do liderado, obter lealdade e um senso de trabalho em equipe.

Como parte do coaching, um gerente deve compartilhar com os liderados qualquer conhecimento e habilidade singulares obtidos em seu trabalho. Para completar, os gerentes podem escolher passar qualquer lição aprendida de outras pessoas que possam ser relevantes à situação enfrentada pelo liderado.

O processo

O coaching começa com o gerente apontando oportunidades para o liderado ampliar suas possibilidades de trabalho para as quais foi designado, mas somente quando o liderado tiver condições de superar uma dada ‘fraqueza’, aprender um novo conhecimento ou ganhar maior habilidade no uso do que já sabe para que esta ação seja eficiente. Como parte dessa discussão, o gerente pode ensinar, treinar ou arranjar modos de ensinar e treinar. O liderado precisa saber ‘valorizar’ o que será ensinado ou aprendido.

Se o liderado expressar baixa valorização para certos tipos de novos conhecimentos ou habilidades, isso deve ser levado em consideração quando for feita atribuição de novas tarefas ou responsabilidades, em projetos especiais, e também quando se discutirem as possibilidades de progressão nas funções atuais. O objetivo é a melhoria contínua na capacidade dos liderados.

O coaching deve também ter lugar quando os liderados experimentam problemas, e os gerentes devem saber diagnosticar situações e causas para esses problemas. Os problemas podem estar relacionados com o processo de designação de tarefas e responsabilidades por parte do gerente; por exemplo, as tarefas podem ser muito complexas, ou podem não estar divididas suficientemente para o nível de capacidade do liderado, podem haver problemas com relação aos métodos, ou limites difíceis de serem transpostos. São assuntos que devem ser classificados pelas discussões entre o gerente e o liderado.

Outros problemas podem estar associados com a natureza das relações de trabalho. Freqüentemente os problemas surgem pelo fato de os liderados não terem clareza sobre os limites de autoridade em relação a outros profissionais. Na ausência de especificações, as pessoas fazem suas próprias regras acerca do que podem ou não fazer, gerando conflito interpessoal e desconfiança. Diante de tais problemas, é necessário o coaching com relação à natureza dos relacionamentos.

Outros problemas de relacionamento podem existir como resultado do temperamento (personalidade) do liderado. Os gerentes precisam lidar com muita sensatez frente a estas situações. Aqui é adequado que o gerente destaque a necessidade para um grande autocontrole por parte do liderado nas áreas com problemas e que interferem nas relações ou habilidades para se conseguir levar adiante o trabalho.

Com tudo isto, pode parecer estranho que pessoas externas às funções gerenciais pratiquem coaching em relação a um liderado. Essencialmente, de fato, quem mais conhece as questões de desempenho de um liderado é o líder e essas questões são de interesse direto do líder, o que tem a ver também com sua eficiência e competência enquanto líder. Desta forma, coaching jamais deveria ser um processo externo à função gerencial, pois isto descaracteriza a natureza do sentido do gerenciamento de pessoas.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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