Autodesenvolvimento, Carreira

Coaching ou Counseling? Uma leitura sistêmica

As comparações que faremos a seguir das atividades de coaching e counseling consideram e se restringem ao contexto organizacional, onde as funções gerenciais possuem contornos específicos.

coaching é uma atribuição gerencial e a ela se associa papel similar ao papel do técnico esportivo, o coach. Sua ação envolve não apenas o domínio técnico como também o comportamental, atitudinal e de competências dos liderados. É uma atribuição não-delegável para alguém externo, pois o coach se compromete com o desempenho e com todos os fatores que o afetam.

Voltaremos a isso daqui a pouco e antes, gostaria de dizer que de acordo com Gillian Stamp, existem três atividades gerenciais essenciais, que articuladas resultam numa prática ótima:

  • Tasking (atribuir responsabilidades)
  • Trusting (confiar no julgamento)
  • Tending (nutrir o desenvolvimento)

Figura 1 – Tripod of Work

Entenda-se aqui que essas atividades são comportamentos de um líder gerencial na relação com as pessoas de sua equipe. E são carregadas de importantes intencionalidades.

  • Por meio do tasking, a liderança expressa o que deve ser feito, estabelecendo o quê deve ser feito, para quando e com qual padrão.
  • Pelo trusting, a liderança confia a uma pessoa o uso de suas habilidades e julgamentos para realizar o trabalho.
  • tending é monitorar sem interferir, checando os recursos, prioridades e o progresso do trabalho.

O que acontece quando essa prática está ausente ou não é aplicada de forma ideal?

Provavelmente as relações líder-liderado estarão marcadas ou pela rigidez ou pela difusão. Pela sua rigidez a liderança gerencial exercerá demasiado controle, agindo por meio de pressão, desconfiança e policiamento e isso traz, como consequência, uma grande dose de frustração, paralisia e até alienação. Pela sua difusão na forma de atribuir tarefas a liderança gerencial renuncia a seu papel de delegar corretamente transferindo essa responsabilidade ao subordinado. A consequência é que as pessoas são afetadas de forma a tentarem adivinhar o que se espera delas, surpreendem-se posteriormente com avaliações de desempenho e o líder é visto como uma incógnita.

Agora, vamos pensar num determinado contexto para continuarmos nossa análise.

Imagine que você é um gestor e que o seu líder imediato o está avaliando. E ainda, que a conclusão dele é que você não consegue obter o melhor de seus liderados.

Aqui você também se perguntará: por que meus liderados não alcançam os objetivos atribuídos?

Isso certamente emoldura uma situação onde você, como gestor, não está agindo como o coach dos seus liderados e, portanto, eles não estão realizando plenamente o que poderiam realizar.

É bem razoável imaginar que pessoas de sua equipe não estejam bem capacitadas e que resolver isso, exigirá que você se envolva diretamente para garantir que elas possuam conhecimentos e habilidades suficientes. Pode implicar ainda na revisão de certos comportamentos seus, como líder, que possam estar afetando o bom uso do julgamento por parte das pessoas de sua equipe, resultando na má utilização de recursos para alcançar os objetivos.

Penso que deixamos claro que o coaching é uma responsabilidade gerencial porque não exime o gestor como parte do problema.

Senão, vejamos.

Ao contratar uma pessoa para a liderança gerencial, a empresa confia a ela um grupo de pessoas, e espera que sejam conduzidas dentro de princípios que favoreçam o crescimento mútuo na busca dos objetivos, formando uma equipe criativa e receptiva à liderança. De sua parte, a pessoa contratada, aceita assumir o grupo e assim dedicar parte do seu trabalho no balanceamento de seu tempo entre certas funções específicas e a coordenação de pessoas. É algo indissociável na função gerencial e se isso não acontece, onde está a causa desse problema? Respondemos que está na ausência ou precária demonstração das atividades gerenciais denominadas anteriormente como Tasking, Trusting e Tending.

Podemos fazer a pergunta para o gestor. Mas também podemos fazer a pergunta para a organização, olhando para as suas políticas de desenvolvimento gerencial. Desenvolver o liderado sempre envolve desenvolver a liderança gerencial.

Por exemplo, como a organização declara o que se espera dela?

Como a organização declara que o gestor é o responsável pelo output de seus liderados?

Portanto, a liderança  precisará de coaching quando suas habilidades não garantem as práticas gerenciais esperadas. E uma pessoa que lhe é subordinada, precisará de coaching quando suas habilidades em geral (para coisas e pessoas) não corresponderem ao tamanho de um determinado desafio que lhe é proposto.

 Agora vejamos algumas circunstâncias típicas que demandam do líder esse papel de coach.

  1. Ocorrerá nos trabalhos de indução de um novo colaborador, para facilitar a compreensão do contexto de trabalho. A autoridade gerencial legítima é um fator psicológico importante na relação que se constrói entre líder e liderado. Existem expectativas mútuas fortes. Um gerente contrata alguém para compor a sua equipe, que, por sua vez, tem expectativas sobre o novo membro. A pessoa contratada espera fazer parte de um grupo e parte do sucesso é ter um papel claro e reconhecido por todos os membros do grupo. Em última análise, um gerente trará para sua equipe um novo colaborador porque será capaz de confiar nele.
  2. Ocorrerá sempre, constantemente, como uma atividade de nutrição do desenvolvimento dos liderados, para que eles definam os melhores caminhos para alcançar as responsabilidades que lhes foram atribuídas. Este é um ponto sutil, pois envolve COMO o conhecimento é aplicado. Não se trata apenas do domínio técnico, mas também comportamental, no sentido de que todo comportamento está impregnado de valores. Cabe ao líder gerencial dizer os PORQUÊS, O QUE e o PARA QUANDO, ou seja, estabelecer as metas esclarecendo contextos e propósitos. E ainda, na medida em que cada situação requisitar, dialogar sobre COMO os planos apresentados serão conduzidos.
  3. Ocorrerá quando algo, em especial, não vai bem. Quando um liderado não consegue resolver problemas e ‘entregar’ o que é esperado, o gerente intervém e sua ação é a de compreender o que afeta o desempenho. Um desempenho ineficiente é de responsabilidade da liderança. Um líder deverá discernir quando um desempenho ineficiente tem causas em variáveis que pode lidar ou quando o problema demandaria a ação do counselor. Opa, aqui começamos a falar de aconselhamento. O processo de counseling requer pessoas especializadas em alguma dimensão e envolve questões comportamentais que transcendem as habilidades gerenciais. É importante reforçar que o aconselhamento transcende o papel do líder coach e, quase sempre, é feito por pessoa externa à organização.

Então, o que é mesmo esse Counseling?

Observe que quando um gerente sente que não pode lidar com aspectos que envolvem transcendem sua ação de coach, poderá ter o apoio de um counselor.

Trabalhos de  aconselhamento envolvem a colaboração mínima entre 3 pessoas que exercem os seguintes papéis: a liderança gerencial, a pessoa em foco, e a pessoa que fará o aconselhamento. É a ação integrada para tratar de questões que a ação gerencial não tem dado conta. Em geral envolvem aspectos comportamentais, motivacionais ou de outra natureza que não a de conhecimentos especializados. Um counselor não tem conhecimento específico, técnico, que afeta o desempenho. Essa variável cabe ao líder coach. O aconselhador poderá ter extremo valor para o gestor e liderado por captar outras variáveis e orientar ações pertinentes. questões que afetam o momento. Nesse sentido, o aconselhamento pode abranger tanto o liderado quanto o próprio líder, uma vez que foi escolhido ou aceito como facilitador de reflexões sobre a carreira e o desempenho, sobre o impacto de novas decisões, ou quando novos insights são necessários.

Também existem algumas circunstâncias típicas que demandam o aconselhamento externo

  1. Quando os profissionais estão fora de flow (Fig. 2), isto é, existem tensões evidentes na relação entre as pessoas, ou aquelas decorrentes da insuficiência de suas capacidades para lidar com as demandas do ambiente. Tensões no sentido de decisões adiadas, perdas com custos ou desperdícios, algum tipo de sofrimento, por stress, por apreensão mais profunda. Também, quando forte apatia e mau uso do julgamento estejam presentes. Pessoas fora de flow, em geral, refletem alguma distância entre complexidade do trabalho e a sua capacidade.

Figura 2 – Flow, a experiência no trabalho

  1. Quando há conflitos no campo dos valores e das expectativas. Em geral envolvem questões que afetam novas decisões em torno de carreira, futuro e melhor uso das capacidades potenciais.
  2. Novas decisões estão sendo procuradas por parte da pessoa. Isto pode refletir um momento particular, onde as questões estão além do desempenho.
  3. Pode haver questões comportamentais específicas, como lidar com particularidades da própria personalidade, tais como agressividade, egocentrismo, arrogância, inacessibilidade, interferência, que podem ter causas numa dimensão pessoal, nem sempre acessível ao gestor.
  4. Quando um conhecimento especializado é fundamental para reverter um padrão comportamental.
  5. Quando alguém, devido a uma promoção, pode não antever ou compreender especificamente o escopo de seu trabalho.
  6. Quando novas decisões de carreira estão sendo consideradas.

O gestor é fundamental no desenvolvimento de sua equipe. Porém, há casos em que o gestor não tem as habilidades de coach. É uma oportunidade interessante para que alguém externo faça o aconselhamento e desenvolva as habilidades de coach fazendo com que estes completem suas de habilidades.

Formar a liderança em processos de coaching potencializa os resultados do papel gerencial. A dependência de uma assessoria externa para substituir o líder no seu papel de coach, não e saudável. O líder gerencial pode não ter habilidades específicas. Mas isto pode ser desenvolvido. Porém, é contra a natureza essencial do gerenciamento retirar do gestor a responsabilidade por este papel.

Do ponto de vista do liderado, ações combinadas de coaching e counseling podem ter alto valor agregado. Enquanto o coaching busca reverter as dificuldades de desempenho, o counseling facilitará o desenvolvimento de insights, expandindo a consciência do aconselhado para que ele encontre e utilize os seus recursos na direção necessária.

Muitas vezes, questões de desempenho são explicadas e superadas por reflexões acerca da história pessoal e por sua contextualização em novas perspectivas, favorecendo novas escolhas. Uma visão retrospectiva, como também uma contextualização em relação ao futuro farão enorme diferença.

Nesse aspecto, o Pieron tem uma atuação diferenciada no mercado, pois os aconselhamentos que promove consideram dentre outras coisas o diálogo sobre estimativas de capacidade potencial futura, ou seja, olhando o longo prazo.

Em geral, as pessoas durante os aconselhamentos mostram que conhecem muito bem suas competências. Porém, pode faltar-lhes perspectiva ou recursos para uma reflexão motivadora acerca do tamanho de ambiente em que querem atuar e com qual grau de turbulências estarão confortáveis. Sempre há aprendizado importante durante esses trabalhos.

Ninguém muda caso não queira. Coaching e counseling estão fundamentados num profundo interesse e respeito entre as partes. Tudo isso tem a ver com mútua aceitação. Implica em confiança recíproca e ausência de manipulação ou instrumentalização das relações.

Esse é o grande desafio para a eficácia dos trabalhos de coaching e counseling: assentar-se em bases de confiança mútua e possibilidade de crescimento.

Referências: Stamp, Gillian. Material interno do Bioss International e Instituto Pieron. Maturana, H; e outros. Formação humana e capacitação.

Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

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Autodesenvolvimento, Carreira

Gerações, Gestão, Criatividade e Inovação

Um dos temas sempre presentes na gestão de RH tem sido o das gerações, suas diferenças e potenciais conflitos entre elas. Pergunto-me se há uma espécie de contraponto a isso. Como esta questão é tratada principalmente realçando diferenças, olhando-se retrospectivamente pode-se identificar padrões constantes que trazem outras maneiras de abordar o tema.

Por exemplo, em Mind Set, Naisbitt discute o tema ‘mudar e mudanças’ na perspectiva do que muda efetivamente e o que permanece constante.

Sob o impacto da mídia, a nossa sensação de que tudo muda rapidamente está definida e sustentada pelos distintos meios de comunicação e relacionamento, além de inúmeras publicações. De outro lado, acompanhando Naisbitt, muito permanece constante.

A maioria das empresas ainda permanece estável; Amazon já passou dos 20 anos, e vem junto Facebook, Google, Apple é ainda mais longeva, além de marcas centenárias. Casas, carros e roupas inteligentes já estão por aí…

Mas, pergunta Naisbitt, estamos fazendo apenas de modo diferente, com mais alcance, com mais qualidade aquilo que já fazíamos antes?

E ainda, qual é a essência deste viver que aparenta constante mudança?

Vamos à escola, casamos e temos filhos que vão à escola, fisicamente ou à distância, escola esta que, sabemos, pouco muda (apesar dos apelos às reformas).

Casa, lar, família, trabalho, escola, saúde, lazer, relacionamentos afetivos, amorosos, continuam os mesmos. Filhos continuam tendo dificuldades com os pais, líderes e liderados continuam tendo problemas de relacionamento, o stress continua no trabalho.

Menores continuam se engravidando, meninas ainda sonham com príncipes, jovens querem novidades. Pessoas vão a templos religiosos, compram carros, roubam, matam, drogam-se. Ídolos da juventude continuam a morrer de overdose. Trabalhamos como sempre trabalhamos.

A vida nas fazendas pouco mudou, mas se modernizou; as estações determinam o ritmo da vida ali, agora com equipamentos e tecnologias eficientes. Enfim, há que se pensar nas mudanças em termos “do que muda’ e do ‘como muda’.

Gerações

Nesta linha de raciocínio, pergunto-me pelo que há de comum ou constante entre as gerações e as mudanças no QUE ou no COMO.

É comum entre as gerações, a necessidade do jovem questionar, mostrar-se ‘DIFERENTE’ e avançado em relação a seu tempo. Os valores anteriores já não servem mais. A busca de autoafirmação se dá contestando o que está estabelecido. Mas é comum, por exemplo, a atração pela tecnologia em todas as gerações. Nós nos deslumbrávamos com a geladeira nova nos anos 50, assim como com a luz elétrica anos antes. Os jovens dos anos 60 trouxeram o valor de uma juventude menos reprimida e socialmente engajada.

Então, é comum que a geração atual questione a anterior, como também será questionada pela posterior.

É comum que cada geração produza aquelas poucas (muito poucas) transformações dos padrões comuns das nossas vidas, com inventos, novos conceitos, novas filosofias, novos negócios. Mas, considerando-se os bilhões de humanos que somos, sempre foram – e provavelmente serão poucos, muito poucos – aqueles que transformam padrões sociais amplos.

Mas, é padrão de cada geração produzir rupturas nos ‘COMOS’ e nos “O QUÊS” por meio daqueles poucos, que acabamos elegendo como nossos referenciais, modelos ou líderes ideais.

Os “O QUÊS” de nossas vidas e trabalho continuam parecidos, na essência do que fazemos. Sempre trabalhamos…

Por mais que procuremos mudar as organizações com fortes críticas aos padrões ‘hierárquicos’, o que fazemos é contestar as relações de poder. TODAS as gerações fazem isso.

As empresas admiradas atualmente são hierárquicas, mas com outros valores de relações pessoais: elas melhoraram o “como”. Entretanto, continuamos a trabalhar em organizações hierárquicas, O ÚNICO MODO de organizar o trabalho que o ser humano conseguiu produzir, há mais de 2.000 anos.

As novas tecnologias provocaram grandes mudanças. Mas todas as gerações sempre ansiaram por novas tecnologias, novos ‘COMOS’para melhorar e ‘modernizar’.

O que mudou de uma geração para outra não seria, de fato, mudanças no COMO se faz – ao invés de mudanças essenciais no QUE se faz?

Vimos mudanças essenciais no FAZER das chamadas gerações X, Y, Z, ou quaisquer outras?

As novidades observáveis são mudanças na forma “COMO” nos movemos, “como” compramos, “como” nos comunicamos, “como” aprendemos ou estudamos.

Os velhos e os antigos de hoje, foram os jovens do passado. Os jovens de hoje, serão os velhos e os antigos do futuro.

Seria um erro julgar o futuro com os valores de hoje, pois as próximas gerações trarão os mesmos padrões de críticas das gerações anteriores.

Pensando em tudo isso, qual seria o impacto para a gestão de gerações?

Se é esperado que uma geração entrante vá mostrar padrões previsíveis, tal como questionar a geração anterior´, então, procuremos refletir sobre alguns pontos, sobre outros critérios.

  • Velocidade e ambição de rapidamente crescer na carreira? Não creio que todas as pessoas, de qualquer geração, tivessem ou tenham a ambição de serem CEOs. Não creio que os mais jovens entrantes possam ser rapidamente conduzidos a tomarem decisões estratégicas e conduzir o futuro de um negócio. Alguns, sim, mas poucos. Afinal, a maioria das start-ups morrem cedo.
  • Equilíbrio entre vida pessoal e profissional? Aí está um valor pelo que vale a pena brigar. Será novo? Um novo ‘o que’ ou um novo ‘como’? Mais ócio criativo? Mas, quem organizará a sociedade para garantir tudo isso? Talvez os jovens aspirem a menos “emprego” e mais “trabalho”? Mais autorrealização? Sim, há uma potencial mudança para o “como”, mas como mudar A ESSÊNCIA da vida produtiva, do trabalho?
    • Tenho conhecimento de jovens da geração Y ou até Z, que já trabalham 12 horas por dia.
  • Hoje, a adolescência está se estendendo, em casos até os 30 anos; tende a ser um padrão de jovens que preferem viver em casa: o quarto é o habitat social alimentado pelas redes. É uma mudança no o quê? Esses será o novo padrão da vida social? Difícil dizer que sim. A vida sem relações sociais não parece ter muito significado.
  • A tecnologia parece estar criando um outro tipo de padrão de convívio familiar e a necessidade de questionar os “mais velhos” toma a forma de uma rebeldia dos filhos contra os, que querem que seus eles saiam dos seus quartos e da tela de acesso “ao mundo”, agora virtual. Mantém-se o “como” atualizado para o século XXI?

Olhando através das muitas gerações e o mundo que foi construído por meio do trabalho, aparentemente fomos competentes em lidar com as diferenças. ‘Novos’ sucederam os ‘velhos’, os velhos deixaram legados e os novos de então outros legados. Se a nova geração expressa ansiedade por se afirmar e abrir espaço para suas necessidades, isso não é novidade, sempre aconteceu.

No final da década de 60, estudantes se organizavam para contestar. Hoje, a facilidade da comunicação eletrônica pode tornar esta atitude ainda mais intensa, senão poderosa. O que mudou?  Apenas o “como”.

Se há resistências de uma geração para o que é apresentado pela nova, é importante ressaltar que resistência a mudanças sempre fez parte das relações entre grupos: mesmo entre jovens existe a intolerância, a não aceitação das diferenças…

Organizações se debatem com a constante “gestão da mudança”, com a necessidade de serem criativas e inovadoras. A competição sempre foi uma constante na vida organizacional.

Não há a meu ver, uma NOVIDADE na busca do vamos criar, vamos fazer diferente, etc, que a nova geração parece trazer, até porque mudança e necessidade criativa são padrões humanos. E falando novamente no contexto organizacional, incerteza e imprevisibilidade sempre foram os pressupostos e contextos para a liderança gerencial.

Aqueles que criaram rupturas criaram novas bifurcações, novos ‘o quês’, que afetam e afetarão as atuais e as novas gerações.

Mudança é um padrão constante; há que se viver com ela. Novos ‘comos’ devem ser bem-vindos e o ambiente organizacional deveria estar sempre preparado para surpresas, novidades, rupturas, readaptações. Nem sempre é o caso, mas isto também é uma constante, e independe de qual é a geração. Grande parte das organizações sobrevivem por décadas, e sempre conviveram com os conflitos de gerações.

Mundo aberto e em transformação é matéria-prima para inovações e elas vêm pela intuição de poucos, que criam tais rupturas. Quem são as pessoas da geração atual que farão isso? Que farão os rompimentos com O QUE se FAZ atualmente?

Não nos parece que mais “Facebook”, “Twitter”, “Google”, “Uber”, “Deliveries”, sejam de fato soluções criativas.

As organizações estão trazendo para dentro de si personagens estereotipados das mudanças no COMO FAZER ou estão identificando talentos capazes de reorganizar e redefinir o QUE FAZER, de redefinir PROPÓSITOS?

Como voltamos a falar de talento, vamos pensar um pouco na sua demografia e escassez.

Demografia do talento

A disputa por ‘talentos’ sempre foi uma constante através de todas as gerações. A arte de os atrair e manter também é uma constante, variando apenas o COMO FAZER, sempre adaptados aos contextos e condições atuais.

Em geral a criatividade está nos ‘comos’, pois podemos reorganizar e recombinar as coisas, os conhecimentos e as práticas.

A inovação – e algo da genialidade – está no rompimento com os ‘o quês’. Claro, numa organização talvez não precisemos de ‘Einsteins, Galileus ou Newtons’. Não creio que estas “genialidades” sejam atributos específicos de alguma geração. Contudo as novas gerações terão desafios globais ainda mais significativos, pois os impactos das ‘grandes decisões’ atuais (governos, tecnologia, iniciativa privada e grupos sociais) afetarão sobremaneira não mais a relação específica entre um líder e um liderado em si, mas nos exporão a questões que exigirão grandes rupturas nos ‘o quês’. Saltos qualitativos nos padrões de questionamento dos ‘o quês’ serão muito bem-vindos, até porque podem representar a continuidade saudável dos conflitos entre gerações.

A escassez dos talentos

Sempre foi uma constante. Elliott Jaques nos dá uma ideia disto pela extrapolação de seus estudos longitudinais sobre capacidade potencial, ou seja, o uso do julgamento e discernimento em condições de incerteza (fig.1).

Enquanto as novidades DAS FORMAS trazidas pelas novas gerações referem-se a novos valores e comportamentos, os desafios de conduzir negócios alinhados com a realização de seu propósito estratégico, demandarão capacidades que poucos trarão. Capacidades como visão corporativa, de sociedades emergentes, condições ambientais, mercados futuros, novos valores para as próximas gerações. Uma visão pessimista? Não parece ser.

Não é incomum a sensação de que estamos com lacunas de lideranças. Na sociedade e nas empresas. Igualmente para as organizações locais, a escassez é uma realidade que deve ser encarada não apenas sob olhar educacional ou das especialidades. A condução dos negócios por meio de uma liderança focada em capacidade humana, e menos em tarefa, é escassa. A gestão e busca do talento é uma realidade com limitação demográfica – e os processos seletivos não deveriam confundir habilidade criativa com capacidade inovadora.

Na perspectiva de Elliot Jaques a capacidade potencial, sendo o uso do julgamento e discernimento, não é treinável. Por isso mesmo, é um fator de desequilíbrio qualitativo importante, que pode significar ganhos em competitividade. É esta capacidade de julgamento e discernimento que tem a ver com o antever, ‘enxergar’ caminhos à frente, explorar a ausência de conhecimento, pois o conhecido é acessível a todos.

Parece óbvio que isto tem que ir além dos questionamentos em relação aos ‘comos’ e prosperar por meio de novidades disruptivas com os ‘o quês’. É a questão empreendedora, que transcende e atravessa as gerações.

Nesta perspectiva, bem-vindas as novas gerações que continuam a gerar a constância das mudanças significativas, assim como fizeram todas as outras.

É necessário cuidar para não limitar as expressões das gerações atuais, de forma que as repetições das resistências não impeçam o florescer dos novos talentos. Dessa forma, é preciso investir no semear caminhos para que aqueles significativos poucos possam produzir mudanças qualitativamente transformadoras.

As novas organizações deveriam se inspirar nos princípios de Organizações Generativas, tendo como um de seus pilares formar e cuidar das próximas gerações.

Figura 1


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Autodesenvolvimento, Capacidade, Carreira

Desempenho pessoal – cognição, emoção e flow

Os fatores ‘internos’ do desempenho são dependentes da pessoa, e são tratados segundo seus ‘recursos’, os quais, por sua vez, seguem o ponto de vista de seus “departamentos”: inteligência, emoções, aspectos ‘herdados’ – filogenética e ontogenética.O tema ‘desempenho pessoal’ é tratado de maneira desigual por diferentes linhas e pode ser didaticamente compreendido em duas categorias: fatores ‘externos’ e fatores ‘internos’. Os externos abrangem condições como ambiente, liderança, aspectos estruturais e contextuais da organização ou do negócio. Nosso interesse aqui é destacar os ‘fatores internos’ da pessoa, sem deixar de fazer considerações sobre os fatores ‘externos’.

A primeira compreensão do desempenho e do comportamento dividia as funções psicológicas em três categorias: emoção, conação ou vontade, e cognição (ou inteligência e raciocínio). Posteriormente, a Psicologia passou a usar vários dos sistemas de um organismo para fazer referência a diferentes áreas de desempenho: sensação, percepção, memória, emoções, inteligência, pensamento, imaginação, criatividade, cognição, necessidades e também personalidade. Uma terceira orientação, da psicanálise, construída por Freud, descreve um sistema dinâmico de relação entre ego, superego e id, e suas partes funcionais: consciente, pré-consciente e inconsciente. Depois de Freud o Homem já não mais é visto como plenamente consciente e racionalmente dono de si e de suas ações.

Desdobramentos mais recentes descrevem nossas mentes por entidades específicas e independentes, como inteligência emocional, diferentes inteligências como matemática, verbal, interpessoal, intrapessoal e competências.

O movimento das competências trouxe o questionamento sobre o Q.I. A neurociência tenta compreender o cérebro e suas funções. A inteligência emocional trouxe uma percepção sobre a importância das relações interpessoais, a estabilidade emocional e o autoconhecimento. As competências libertaram o julgamento sobre as pessoas das amarras do currículo e da escolaridade. Nenhuma das linhas, porém, define especificamente a capacidade do organismo (pessoa) para o trabalho (Jaques, 2002). A dicotomia entre cognição e emoção ainda persiste, em paralelo à visão do organismo como um todo, isto é, integração entre biologia e mente. Também há, ainda, aqueles que entendem que ‘inteligência emocional’ é a chave dos problemas de desempenho. Entendemos que não. A compreensão do ‘organismo como um todo’ requer mais do que encontrar as ‘partes’. Vamos acrescentar mais alguns pontos.

O que é trabalho humano? Trabalho humano é definido por Jaques (1996) como ‘o uso do julgamento e discernimento na produção de escolhas e tomada de decisão na busca de realização de uma intenção, um objetivo, que está definido num tempo futuro’. Para Jaques, a capacidade ‘trabalho’ varia de pessoa para pessoa. Cada um estará mais confortável com determinados horizontes de tempo para a realização de projetos. O humano é um ser sempre em ‘locomoção’, intencionado, orientado para o futuro, definindo metas, objetivos e projetos. Isto define a capacidade potencial de cada um. Daqui decorre nosso segundo conceito. Enquanto que processos de coleta de dados, análise e síntese são bem mais conscientes, o julgamento, que envolve escolha e decisão não o é. Julgamento é uma propriedade do organismo e seus processos não são diretamente acessíveis, isto é, a ‘decisão nos chega’.

Aqui chegamos num ponto em que os fatores ‘internos’ das pessoas em ação tem duas dimensões: a consciente e a inconsciente. Vejamos alguns elementos típicos e seus entendimentos:

Cognição. Envolve os processos pelos quais compreendemos o mundo, usando operações mentais como lógica, dedução, seleção de informações, hipóteses, categorização, estratificação da compreensão, conceituação ou abstração em relação ao mundo concreto, articulamos ideias, comunicamos, entre outras qualidades.

Emoção. E aqui o termo ganha várias interpretações. Entendemos como: ‘a experiência de um estado sustentado de atenção e prontidão para agir’ (Jaques, 2002). Estados de prontidão para agir aparecem, por exemplo, em situações em que um perigo é antecipado ou um ataque está para acontecer, como também emoções marcadas pelo amor. A prontidão é um estado no qual o sistema autônomo entra em ação, e nossa musculatura total está mais viva do que nunca. Não temos controle consciente sobre isto. É um exemplo da dimensão inconsciente de nossas ações.

O conceito de inteligência emocional (QE) é impreciso. O conceito de Q.I. fez um grande ‘desserviço’ na medida em que mais categorizou e pré-conceituou as pessoas do que ajudou a compreender a dinâmica delas em ação. E mais: nunca foi efetivamente validado e nunca mostrou correlação com o desempenho na vida prática (McClelland). O conceito de Q.E., em sua imprecisão, passa a ser usado para quaisquer atividades humanas não definidas pela cognição. Q.E. entra nos limites do psicopatológico, na medida em que faz referências a estados emocionais marcados por medo, raiva, depressão, entre outros (Goleman, 1999).

A inteligência emocional segue o mesmo caminho do QI. Na medida em que tenta explicar as diferenças no desempenho faz uso dos aspectos cognitivos e não emocionais em si – emoções não nos ajudam a compreender o mundo! A inteligência emocional consegue, sim, captar aspectos ‘negativos’ que podem interferir no desempenho. Resta saber se estes aspectos ‘negativos’ são decorrentes do ‘stress’ do organismo por estar ‘fora de flow’, comentado adiante. Este é nosso entendimento.

Psicopatologia. Está ligada ao conceito psicanalítico de repressão. Vários tipos de conflitos psicológicos não resolvidos são tratados pelos mecanismos de repressão. Como qualquer conhecimento consciente, o conhecimento (o que está) reprimido afeta o fluxo do trabalho orientado para objetivos. Faz isto fornecendo poderosos e atraentes objetivos (metas) – mas reprimidos – a serem escolhidos e que irão caracterizar comportamentos obsessivos, desilusões, ansiedades inexplicáveis, reações abruptas e outros comportamentos ‘irracionais’. Operam como estados de prontidão criando um contexto que está além da compreensão racional. Obviamente que tratar destas questões não é fácil. Do contrário, poderíamos ter simplesmente a possibilidade de escolher não ter ansiedade, como também parar imediatamente de fumar. Mas trazer à consciência estas questões nos capacita a ganhar mais controle na definição do foco consciente e nos limites do comportamento orientado para objetivos.

Estados emocionais dão assistência ao organismo em relação a seus objetivos, metas e desejos. Desta maneira, todo estado emocional precisa ser situacional e temporário. Estados emocionais que continuam além dos requerimentos situacionais se tornam um sério impedimento, colocando o organismo numa condição de risco, interferindo com sua capacidade de construir um efetivo e flexível campo de atenção. Tornam-se muito estranhas certas ofertas de ‘treinamento para inteligência emocional’ em um ou dois ‘cursos’, ou em grupo!

Metacognição. Desde o final dos anos 60, as ciências psicológicas passaram por grandes modificações. Uma das correntes mais importantes, representada por Luria, compreende o funcionamento mental através de quatro grandes processos cognitivos – o PASS – Planejamento, Atenção, Sequencial e Simultâneo.

Planejamento consiste na programação, regulação e verificação do comportamento. Trata de um conjunto de decisões ou estratégias que uma pessoa adota e modifica para resolver um problema e alcançar um objetivo (Das, Naglieri e Kirby, 1994).

Para estes autores, planejamento é caracterizado pelo propósito! A qualidade a ser destacada pelo planejamento é ‘a flexibilidade e avaliação’, não apenas da ação dos outros, mas, também, da própria ação e dos próprios sucessos e erros.

Um componente-chave do planejamento é a metacognição, que é a consciência e o conhecimento sobre os processos cognitivos. Planejamento e metacognição não são processos totalmente acessíveis à consciência. Contudo, sua ausência ou debilidade está sempre correlacionada ao fracasso de alguma maneira, fracasso ‘na instrução e na alocação dos recursos’ para a performance (Das, e outros, 1994). A metacognição tem dois aspectos muito importantes. Primeiro, está profundamente relacionada com a motivação: estratégias só se tornam efetivas quando combinadas a um propósito e uma necessidade. Segundo aspecto: o desenvolvimento desta faculdade acontece ‘aos saltos’, em etapas.

Metacognição tem a ver, então, com alocação de recursos nas atividades de planejamento de um comportamento ou ação de uma pessoa. Estes recursos são os conhecimentos (para coisas e pessoas), experiências, faculdades cognitivas, interesses e a compreensão dos estados emocionais.

O processo de desempenho.

O conceito de flow. De acordo com Stamp, adaptando ideias de Csíkszentmihalyi (1991), o desempenho numa tarefa, num cargo ou num projeto, é compreendido pelo conceito de ‘flow’ – uma interação adequada entre complexidade do trabalho e nossa capacidade. Quando estamos ‘in flow’, a experiência que temos do mundo e do trabalho pode ser comparada ao que os orientais definem como ‘nirvana’. Nossas decisões são eficazes e eficientes, usamos adequadamente os recursos, conseguimos considerar as diferentes variáveis afetando o escopo de nosso trabalho, e não comprometemos nem os recursos a nós depositados nem a nossa estabilidade. Estar ‘in flow’ envolve um bom encontro entre complexidade, capacidade e também o valor que atribuímos ao nosso trabalho. Se os dois primeiros estiverem adequados, mas não valorizarmos o que fazemos, nosso desempenho poderá cair. Complexidade de trabalho acima da capacidade gera ‘stress’, decisões adiadas, ansiedade e custos muitas vezes incalculáveis para a organização. A ideia de Flow descreve um organismo atuando numa experiência de ‘totalidade’, onde cognição, emoção e julgamento funcionam harmonicamente.

Como organismos orientados por objetivos e metas, estamos sempre definindo nosso campo de atenção, ou o teremos definido por alguém numa relação de trabalho, por exemplo, pela liderança.

Nossa ação será explicada, primeiro, pelas nossas decisões e escolhas. Nossas decisões e escolhas estão limitadas por nosso poder de julgamento em relação ao futuro. A manutenção, por algum tempo, de nosso poder de atenção e foco emocional depende da ausência de características emocionais negativas (e não positivas).

Somos, contudo, organismos estruturalmente determinados (Maturana, 2001) e, como tal, a quantidade de turbulência que conseguimos aceitar em relação ao ambiente está determinada por nossa estrutura. Isto é, organismos vivos são flexíveis enquanto sua estrutura consegue manter-se acoplada dinamicamente numa relação de troca com o ambiente. Não é qualquer meio que os organismos suportam. Turbulências além dos limites farão o organismo desprezar certa quantidade e qualidade de informação. É uma questão de sobrevivência.

Para entender o desempenho do ponto de vista do indivíduo precisamos considerar pelo menos duas dimensões: a horizontalidade e a verticalidade. Por verticalidade entendemos o ‘tamanho do projeto’, medido pelo horizonte de tempo de conclusão. Por horizontalidade, os atributos da capacidade humana. Estes atributos têm como limitador a capacidade das pessoas para considerar diferentes horizontes de tempo à frente. Aqui o conceito de flow é determinante. Na medida em que o horizonte de tempo aumenta em relação à capacidade do organismo, o indivíduo entra numa zona de turbulência acima de suas possibilidades. Nestas condições, os recursos metacognitivos, cognitivos e emocionais não serão suficientes para garantir desempenho. Se estiverem aquém, é provável que outros comportamentos inadequados surjam, mas não por ‘stress’ e, sim, desmotivação.

A responsabilidade do ambiente. Sendo organismos estruturalmente determinados, o ambiente – representado no trabalho pelas políticas de uma organização, liderança e condições de trabalho – tem fundamental importância. Organismos estruturalmente determinados podem ser comparados a máquinas. Toda máquina tem sua capacidade, seu limite. Podem até operar no limite, mas irão requerer pausas para manutenção ou substituição. Como seres vivos somos seres emocionais, persistentes, responsáveis. Muitas vezes, operamos aquém de nossas capacidades e nos sentimos inúteis. Muitas vezes, estamos felizes e satisfeitos, alegres e integrados. Estamos ‘in flow’. Em outras ocasiões, somos exigidos além da capacidade, fracassamos. Em muitos e insistentes casos, perdemos o trabalho, somos despedidos.

Infelizmente, muitas organizações ainda insistem no ‘princípio de Peter’ – todo mundo é promovido até o limite de sua capacidade. E perdem o emprego. É a forma empírica – e tardia de conhecer o potencial humano. Hoje, pelos trabalhos de Jaques, essa antecipação do conhecimento sobre a capacidade potencial humana está disponível. Não se justificam mais as políticas de desenvolvimento de pessoal desconsiderarem o conceito de ‘flow’. É uma questão de responsabilidade pelo conhecimento.

A responsabilidade do ambiente está em criar as condições contextuais que usem o melhor das pessoas para mantê-las tanto quanto possível dentro dos limites do flow. Isto requer conhecimento, por parte da organização e da liderança, das capacidades de cada um. E também envolve conhecimento por parte das pessoas sobre seus limites potenciais.

Os custos para as organizações e pessoas, de indivíduos fora de flow, são facilmente contabilizados. De um lado, para a pessoa, ansiedade, mal-estar, baixa autoestima, doenças, ‘stress’ e perda do trabalho. Para a organização, decisões adiadas ou malconduzidas, gastos, desperdícios, oportunidades perdidas, além de afastamentos, turnover indesejável, novas contratações.

Embora os aspectos determinantes da performance estejam em boa parte com as pessoas, elas estão inseridas num ambiente e este, pelo poder que lhe é conferido, tem vital responsabilidade pelo conhecimento sobre elas. É a função da liderança. Mas não há processo de coaching capaz de reverter condição de pessoas exigidas além dos limites de sua capacidade. Contudo, ainda se gasta muito dinheiro tentando reverter condições estruturalmente irreversíveis, pelo menos por um determinado período de tempo.

Leia mais

  • Csikszentmihalyi, Mihalyi. Flow. USA: Perenial. 1991.
  • Das,J.P; Naglieri, J.A; Kirby, J.R. Assessment of Cognitive Process. USA: Allyn and Bacon. 1994.
  • Jaques, E. Requisite Organization. USA: CasonHall. 1996.
  • Goleman, D; Trabalhando com a Inteligência Emocional. SP. Ed. Objetiva. 1999.
  • Maturana, H. Cognição, Ciência e Vida Cotidiana. MG: UFMG. 2001.
  • Jaques, E. Life and Behavior of Living Organisms. USA: Praeger. 2002.

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Autodesenvolvimento

Vocação: o que torna cada indivíduo autor da sua própria biografia

Todo mundo sonha dormindo, mesmo que não se recorde. Acordados, sonhamos também em nos tornar alguém. Quando adultos, somos esse alguém tão desejado e sonhado? Os bem afortunados irão afirmar, satisfeitos, que realizaram seu sonho. Os não tão bem sucedidos dirão: “puxa, quase nada do que imaginava consegui fazer!”

O trabalho tradicional ocupa mais de um terço de nosso tempo. Se levarmos em conta o tempo que dedicamos nos informando e pesquisando pela Internet, e o tempo investido para o auto-aprimoramento e desenvolvimento, com certeza, mais da metade da nossa existência estará focada no nosso trabalho. Assim, a escolha de nossa profissão deve ser bem realizada e estar alinhada com o que sentimos em nosso interior.

Vocação, do latim vocatione, é o ato de chamar. É escolha, talento, aptidão. É um “chamado interno”, um chamamento para aquilo que temos de único e especial. Podemos até optar por uma profissão conhecida, onde há muitos atuando, mas a maneira como a realizaremos sempre será única, como a nossa essência.

Neste mundo veloz, de conexão na rede virtual, de frenesi de informações efêmeras e desencontradas, o chamado interno de cada um corre o risco de ficar mais distante, abafado. As nossas angústias, reflexões e diálogos internos sobre a nossa vocação devem ser ouvidos, elaborados e formulados porque neles está a resposta para nossa busca pessoal.

A jornada da vocação começa em ouvir este chamado interior. Este chamamento aponta para as carreiras em que sentiremos, antes de tudo, felicidade e satisfação. Mas não termina aí. Neste mundo global e dinâmico, as competências pessoais serão determinantes. Além delas, o profissional do futuro dependerá de sua capacidade de aprender sozinho, de imaginar amplitudes de uso do seu conhecimento, da capacidade de criar novas condições e soluções, e de habilidade para rapidamente integrar-se na rede de relações e conseguir oportunidades para si e para seus desejos de realização.

Vida e morte se alternam. O planeta respira com dificuldade e o possível sucesso profissional nos incendeia, confundindo nossos valores e questões sobre o que nos fará felizes. A tecnologia reina e os princípios econômicos ditam nossos valores: competição, capacidade de estar à frente do outro, valor agregado (ao acionista), custos e benefícios, e ainda como eu, jovem de hoje, poderei participar disso tudo. Os valores atuais nos olham como meios de produção, meios de agregar valor aos lucros, aos resultados.
E por falar em valor, seremos totalmente responsáveis pelo nosso valor. Esta será uma jornada cada vez mais solitária, como a jornada mitológica do herói. Você estará conectado, embora do outro lado talvez ninguém lhe veja como pessoa.

Talvez como um bit na rede, um site curioso, ou mais uma quantidade de informação e conhecimento que possa ou não interessar.

E, de fato, se sua bagagem não for rapidamente importante e visível como fonte potencial de lucro e negócio, você será descartado. Por quem? Por uma outra massa de informações. Neste mundo de paradoxos, verificamos que neste século, o indivíduo faz diferença. Observe o empenho das empresas em reter os verdadeiros profissionais de talento.

Ciclos da vida

A nossa vida é feita de períodos. Há basicamente o período da busca pelo sucesso, vivido até os 35 anos, e o período intermediário, quando buscamos ser mais coerente com o nosso ‘chamado interno’. É um período de crise importante, em geral entre os 35 e 50 anos. Muitas pessoas se vêem frustradas ao olhar para o passado e se perguntam: “sou o adulto que eu imaginava ser quando adolescente?” Mais à frente, a vida nos cobrará a tranqüilidade da sabedoria e da paz para ajudar as novas gerações com a experiência vivida.

Cada juventude trará em sua vida adulta novos valores. Sou de uma juventude dos anos 60. Vivi liberdades até então nunca sonhadas por meus pais. Hoje meu olhar talvez seja bem distinto do olhar deles. Mas a juventude atual será responsável por criar novos horizontes. O meu olhar para o mundo talvez seja pouco relevante para o futuro, daqui a 30 anos. Exceto a aprendizagem única de poder dar uma resposta ao meu próprio chamado interior, uma resposta positiva que afirma que segui uma jornada que me trouxe satisfação e felicidade.
Vocação é seguir nosso chamado interior. Considere isto. Considere seu diálogo interior e ligue-se ao seu chamado. Esse alinhamento será a força motriz para conquistar o que deseja. O futuro está para ser construído na jornada de cada um.

Escreva a sua biografia!

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Autodesenvolvimento, Cultura

Resiliência na turbulência em tempos de Pandemia

É de senso comum que as relações sociais e de trabalho precisaram ser alteradas com a pandemia do coronavírus. A necessidade imperativa do isolamento social demanda  ações da empresa de configurar uma maneira “diferente” de proteger as pessoas e de mantê-las produtivas – em casa.

É claro que muitas atividades requerem a presença física do trabalhador: um operário que maneja uma máquina de produção, a empregada doméstica, os profissionais de saúde, dentistas, médicos, enfermeiros etc. No entanto, muitas das atividades administrativas e técnicas, de natureza mais relacionada com dados e informações – como contadores, analistas, compradores – ou que dependam da inspiração mental – como o caso dos jornalistas, desenvolvedores de jogos, websites e softwares – podem muito bem serem feitas, com a mesma qualidade, de casa.

Uma recente pesquisa da Mercer sobre home office identificou, entre as mais de 800 empresas consultadas, que 75% delas usam esta prática por diferentes motivos, como custos, benefício ao profissional e qualidade de vida. O trabalho em casa, requer um perfil profissional adaptado a essa rotina, envolve disciplina, organização, silencio, espaço físico coerente com a atividade, onde a rotina do lar não interfira nessa dinâmica.

Envolve investimentos da organização, caso empregado, em recursos de computadores, smartphone, acesso remoto de internet, sistemas, para promover o conforto e condições necessários ao profissional para trabalhar. Envolve o perfil “ideal” de profissional que se adapte melhor a atividades com menos contato social, menos interação entre colegas, e menos oportunidades para o “olho no olho”.

Ficou perceptível nesta pandemia, o quanto o isolamento afetou muitas pessoas, que “precisam” sair de casa, conversar, ter uma rotina de ida ao banco, ao supermercado; e sem isso há um impacto direto em estados de humor. Outras pessoas veem nisso um certo conforto, o isolamento como oportunidade para estar com a família, poder pensar sem ser interrompido, construir a própria rotina.

Teremos, no futuro, que selecionar pessoas com perfil para o trabalho no escritório e para o home office. Profissionais com falta de mobilidade, que exijam muitos recursos de acessibilidade, serão elegíveis para os trabalhos, com as mesmas condições de igualdade, em qualquer empresa que ofereça esta modalidade de trabalho.

No aspecto da liderança, muitas coisas precisarão ser consideradas. O sentimento de “perda de controle” sobre a produtividade do profissional poderá ser entendida como um dano para o gestor. Uma das condições básicas para essa situação está relacionada com a confiança. Pode haver dúvida se ele está realmente trabalhando, se vai conseguir entregar o trabalho no prazo definido, se está cumprindo a jornada de trabalho.

Uma relação com base na confiança envolve crença na capacidade do liderado tomar as melhores decisões, no discernimento sobre seu papel e responsabilidades, e isso implica em limites previamente estabelecidos e que serão os elementos para aprimoramento e recompensa. O líder gerencial precisa confiar na capacidade técnica da equipe, porque ele foi o responsável por formá-la e capacitá-la e dar a liberdade para que atue e decida. É fundamental uma relação transparente, aberta e coerente, onde objetivos, metas, expectativas são devidamente esclarecidos.

O gerente precisa confiar em si mesmo e na sua capacidade de escolher os profissionais adequados para as posições, delegar de acordo com tal capacidade, cobrar desempenho confiante, nos recursos disponíveis do indivíduo, e recompensar devidamente. Tudo isso, independente da pessoa estar fisicamente presente ou “online”.

O resultado a ser controlado está na qualidade da entrega dos trabalhos. O valor agora está na comunicação, na transparência das informações, no diálogo preciso em termos de “o quê para quando” e em “quais condições”; e o gestor aí neste meio, como o grande favorecedor das melhores condições de trabalho para o liderado. O sentido da delegação eficiente parte das relações de confiança.

Assim, num momento pós pandemia, um processo de identificação e capacitação de gestores será fundamental, para que as organizações possam perceber as vantagens de trabalhar de forma otimizada, confiante na capacidade das pessoas, dando espaços para que todos possam crescer e exercitar a sua melhor forma de entregar resultados.

Aqui, a tecnologia será um elemento fundamental para garantir meios eficientes de avaliação do desempenho das pessoas, com critérios e indicadores bem definidos, em plataformas sistemicamente bem encadeadas, que permitam relacionar desempenho com o nível de impacto sobre os diferentes processos e sistemas. Assim, a importância do trinômio papel humano, gestão eficiente e recursos tecnológicos, que pode, se bem articulado, pode resultar em pessoas felizes, motivadas e entregando acima das expectativas.

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Autodesenvolvimento, Capacidade, Recursos Humanos

Sistema Assessment

“Conheça a si mesmo” nos remete ao autoconhecimento, a uma das mais importantes competências para o desenvolvimento pessoal. Contudo, esse conhecer-se tornou-se quase impossível com o advento da Psicanálise no Séc. XX. Freud e seus discípulos nos colocaram frente ao inconsciente, fazendo do autoconhecimento um intenso trabalho, um profundo processo, que pressupõe que não somos conscientes da totalidade do que somos.

Nos anos 70 a Janela de Johari fez sucesso nos programas de treinamento. Falava das áreas conhecidas, das desconhecidas e também das “cegas”, as inacessíveis ao indivíduo e a outras pessoas. Sem dúvida, esses princípios ainda permanecem válidos.

Agora, esses princípios são resgatados pelo ângulo do assessment, segundo o qual há múltiplas perspectivas nas avaliações. A introdução do termo nas ciências humanas aplicadas aconteceu no final dos anos 50, quando a AT&T estruturou um programa de identificação de talentos gerenciais e se propôs a fazer acompanhamentos ao longo de 10 anos para verificar o grau de precisão das predições. Os estudos constam no livro The Assessment Center (Byham, 1978). Daí originaram-se as práticas mundialmente utilizadas dos assessment centers. No Brasil algumas empresas começaram a utilizá-las no final dos anos 80 e minha experiência na Rhodia é um exemplo. Entretanto, o termo assessment somente ganhou presença marcante em RH a partir da metade da década passada.

Na estrutura original dos assessment centers, pessoas (os avaliados) são acompanhadas por múltiplos avaliadores (gerentes seniores da organização, psicólogos e consultores especialmente treinados) e participam de atividades programadas, como entrevistas, jogos e simulações em grupo, testes e apresentações.

O espírito dos assessment centers é a multiplicidade das avaliações e avaliadores. A essência do assessment center é “NUNCA DEPOSITE NUM SÓ INSTRUMENTO AS CONCLUSÕES SOBRE UMA PESSOA“. Compreender uma pessoa é uma tarefa de grande responsabilidade e acreditar que um único instrumento é suficiente para tal é de uma ingenuidade atroz.

Nos últimos 40 anos (refiro-me às primeiras experiências com os assessment centers), muita coisa mudou. O mundo, diz-se, está dinâmico; o tempo, menor; a velocidade, maior; e há necessidade de respostas rápidas. Solução? Avaliações rápidas por computador. Sua validade? Bem, depende da aplicação e qualidade da pesquisa, e fundamentos de cada instrumento. Mas, há algumas boas práticas.

O melhor sistema é aquele que consegue dar uma ampla perspectiva sobre a pessoa, olhando-a de diferentes ângulos, sem abrir mão do princípio de múltiplos instrumentos. Contudo, a condução de assessment em três ou quatro dias começa a se tornar difícil, pelo tempo e custos envolvidos.

Soluções encontradas

Assessment center típico, sintetizado

Os trabalhos concentrados têm dado bons resultados. A estrutura de um dia de trabalho para grupos reduzidos (cerca de 12 pessoas, por exemplo) pode envolver instrumentos e 360 graus conduzidos eletronicamente; algumas atividades em grupos; entrevista com consultores e com gerentes e feedback em horário posterior. Este modelo tem-se mostrado prático e eficiente. Os feedbacks dos participantes são muito positivos e empresa e pessoa obtêm um amplo espectro de percepções, que depois são utilizadas em planos de desenvolvimento.

Assessments individuais

Nestes processos, o assessment individual prescinde das atividades em grupo. A ênfase é colocada nos processos de entrevista e testes, e a perspectiva 360 graus. Os processos de entrevista podem ser conduzidos de diferentes maneiras:

  • Entrevistas por competências – focando histórico de realizações e identificando estratégias de solução de problemas. São, no mínimo, duas horas com o avaliado.
  • Avaliação de conhecimento e estratégias de solução de problemas especializadas – foco no domínio de conhecimentos especializados e uso deles. São analisados velocidade no processamento e uso de informações e de estratégia de pensamento.
  • Motivações de carreira – são perguntas simples e cruciais, como: “o que, de fato, é motivador fazer?”; “se pudesse escolher as atividades e organizá-las no tempo, como faria?”; ou ainda, “você gosta, efetivamente, de trabalhar com gente?” O que se quer saber são os valores práticos das pessoas e em qual direção se sentem mais confortáveis dirigindo suas capacidades.

Os instrumentos de assessment

Em resumo, coloca-se dentro do conceito de assessment toda e qualquer avaliação sobre uma pessoa. Podemos classificar os instrumentos:

1. Questionários e inventários

São dois tipos: questionário único, baseado num conceito. Exemplos típicos são os que se baseiam em tipologia (a mais comum é a Junguiana), e sistemas com múltiplos testes que se aproximam do modelo de assessment.

Como ilustração de questionário único, comentamos o modelo Insights Discovery.

Como ilustração de múltiplos testes num só sistema, podemos citar o LPA, que é um dos componentes do nosso processo de Assessment Estratégico. Baseado em pesquisa e fundamentado em diferentes autores, o LPA é uma sistema de seis questionários e seus relatórios fazem cruzamentos das combinações usuais e não usuais entre os questionários, simulando, de fato, um sistema de assessment center. Moderno, pode ser feito online. O LPA cobre a percepção de uma pessoa sob múltiplas perspectivas: papéis em equipe; gestão de conflitos; estilo pessoal; estilos de aprendizagem; estilo de trabalho; e escala profissional gerencial. O LPA é uma opção altamente diferenciada para assessment, principalmente de executivos.

Todos estes sistemas são oferecidos com suporte tecnológico, sendo que o LPA tem como diferencial a produção de perfis, comparação de pessoas com múltiplos perfis, análise de equipes, comparação entre equipes, montagem de equipes, além de um amplo sistema de apoio estatístico que permite a criação de normas próprias e a comparação das pessoas com diferentes normas, entre outras facilidades, como a customização do output com base em competências. Vai além do assessment em si, oferecendo uma ferramenta de gestão da informação produzida.

2. O 360 graus, amplamente difundido

Contudo, o diferencial que poucos (ou nenhum) sistemas trazem aparece na utilização do ELDI. Baseado em conceitos de Kegan sobre desenvolvimento e maturidade, o ELDI identifica os chamados inibidores de performance que todo alto executivo não deveria ter ou, pelo menos, deveria tê-los muito controlados. São chamados de inibidores traços como arrogância, interferência, temperamento, inacessibilidade, agressividade e egocentrismo. Estes traços nunca aparecem nas avaliações 360 graus, que focam somente o positivo, não favorecendo investimento profundo no autoconhecimento.

3. Testes de Personalidade

Questionários e inventários não são testes de personalidade. Bons testes, utilizados como base para feedback, geram reflexões profundas e importantes para os avaliados. Os melhores instrumentos de diagnóstico ainda estão em torno de Rorschach e TAT, análises grafológicas feitas com critério e uso de feedback, Pfister e Lüscher, por exemplo. São sistemas que permitem entrar no mundo interior das pessoas e conversar com elas sobre questões mais profundas. Lembrem-se de que estamos falando de autoconhecimento.

4. O Potencial

Infelizmente o mercado trata tudo o que foi abordado acima como potencial. Potencial tem a ver com crescimento futuro. Assim, poder conversar com as pessoas acerca da tendência de crescimento de suas capacidades ao longo do tempo (10, 15, 20 anos à frente) fecha o cerco dos assessments. Contudo, falar de potencial requer conceito e metodologia. Mais uma vez temos que nos remeter para o sistema Work Levels – o único que permite esse tipo de estimativa de maneira científica. Com base no Work Levels pode-se discutir com cada pessoa a estimativa de trajetória de carreira com base nos níveis de complexidade de trabalho. Esta informação, que não aparece em nenhum dos sistemas acima descritos, é específica e requer procedimento especializado.

Em resumo, sistemas de assesment devem produzir uma leitura de cada pessoa por vários ângulos: seu potencial – atual e futuro; seu perfil de traços e competências, suas forças; seus valores (direção que quer dar para o uso de sua capacidade); aspectos de personalidade que podem interferir em seu desempenho; como é percebido em seu desempenho (360 graus).

O que fazer com os pontos fracos? Um estudante fez avaliações na escola e os resultados apresentados para o pai foram: “seu filho é muito bom em português, mas muito fraco em matemática”. O pai não teve dúvidas e contratou uma excelente professora de português.

Pontos fracos devem ser tratados de duas maneiras. Primeiro, ajudar o avaliado a reconhecer e aceitá-los. As informações do assessment são de extrema valia para tal. Tem a ver com o autoconhecimento. Segundo, ajudar o avaliado a desenvolver estratégias de controle que evitem que estes pontos interfiram em seu desempenho. Traços de personalidade não são pontos fortes ou fracos. Querer que alguém deixe de ser introvertido para ser extrovertido é uma brincadeira de mau gosto. As empresas gastam muito mais dinheiro querendo modificar o indivíduo em vez de investir no que a pessoa tem de melhor. Gerenciar é, sim, uma arte e uma vocação. O assessment é um instrumental que pode facilitar a vida da organização e de cada pessoa envolvida. Mas é na relação da pessoa consigo mesma e com sua liderança que as informações serão de fato aproveitadas.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Autodesenvolvimento, Liderança, Recursos Humanos

Sem feedback, voamos às cegas

Sem feedback, voamos às cegas.

— Folkman

Sem aprendizagem não podemos viver. Sem feedback não podemos aprender.

— Rubin & Campbell

Não oferecer feedback é um tipo de castigo psicológico.

— Williams

Diante destas frases, o senso comum pode nos levar a pensar que o feedback é sempre bom de oferecer e receber, que é uma prática fácil e natural, algo que qualquer pessoa consegue fazer. Mas será que praticá-lo é tão simples quanto o pode parecer?

Parece ser um consenso que o feedback é central para o gerenciamento da performance, seja para o autogerenciamento como para o gerenciamento da performance dos outros. Via de regra, o feedback é considerado como um elemento importante para orientar, motivar, reforçar comportamentos e evitar passos pouco efetivos. Com o feedback, espera-se que o indivíduo possa se orientar melhor para atingir os objetivos com os quais ele se envolve.

Alguns efeitos positivos do feedback

  1. Mantém as pessoas informadas;
  2. Favorece a realização do trabalho de forma mais efetiva;
  3. Corrige eventuais erros do passado;
  4. Promove o crescimento das pessoas a partir das próprias realizações; e
  5. Estimula o envolvimento das pessoas com as tarefas.

Podendo se valer de diferentes fontes, o feedback está bastante disponível no ambiente organizacional. As fontes podem ser a própria pessoa (como objeto da autorreflexão),  uma figura de autoridade (como um gerente ou professor), os pares (dentro de uma equipe), os subordinados (quando a pessoa exerce um papel de comando), uma avaliação psicológica, um amigo; mas em todas elas é preciso que a fonte seja identificada como digna de confiança para que o feedback possa favorecer a obtenção de efeitos consistentes. Seria ingenuidade pensar que qualquer prática que envolva seres humanos pode ser levada adiante de uma forma intensa e produtiva sem que exista uma relação de reciprocidade entre quem oferece e quem recebe.

Apesar de acessível e importante, obstáculos podem surgir e tornar difícil a apropriação deste recurso, gerando efeitos indesejáveis ou contrários a intenção original da prática.

Dificuldades para dar feedback

  1. Poucas pessoas gostam de discutir as próprias dificuldades;
  2. As pessoas não acreditam na fonte do feedback;
  3. Os envolvidos não são suficientemente confiantes para lidar com críticas;
  4. O feedback é utilizado apenas como instrumento de poder; e
  5. O feedback é deliberadamente destrutivo ao invés de construtivo.

Entretanto, os efeitos do feedback sobre a performance dependem da característica motivacional da pessoa envolvida; e seu estilo individual e valores também atuam como variável acerca da importância que ela atribuirá para o feedback. Vroom cita um estudo realizado na França em 1958 no qual grupos de pessoas com alta motivação para conquista de metas desempenhavam melhor quando recebiam feedback acerca dos resultados nas tarefas; e que grupos de pessoas com alto interesse em afiliação aumentavam o desempenho quando recebiam feedback acerca de “sentimentos”, mais do que em relação à realização das tarefas.

Alguns tipos de feedback

  1. Feedback positivo: reforça o comportamento;
  2. Feedback corretivo: muda o comportamento;
  3. Feedback insignificante: vago e genérico;
  4. Feedback ofensivo: destrutivo;
  5. Feedback inadequado: feito com base naquilo que o indivíduo não pode mudar; e
  6. Feedback silencioso: é não-verbal, normalmente dado “sem palavras”.

O feedback positivo visa reforçar o comportamento toda vez que ele ocorre. Dar feedback positivo é diferente de apenas dizer “muito bem”, além disso, ele deve enfocar os comportamentos que são valorizados ou eficientes para que o resultado final seja atingido.

Dar um “tapinha nas costas” é bem diferente de oferecer feedback positivo. Dizer para a pessoa que um trabalho foi bem feito normalmente aumenta o bem estar e costuma inflar o ego, mas não vai além disso. O feedback positivo deve deixar claro quais as forças do indivíduo são importantes para a organização.

A definição de elogio ou feedback positivo pode ser entendida como aquele que identifica o comportamento ou resultados desejados de seu pessoal ou aqueles que ultrapassam as expectativas. O propósito do elogio é incrementar os comportamentos desejados em seu pessoal ou a performance dele. O impacto do elogio é significativo, aumenta a confiança do colaborador, a performance e a motivação (Hataway, 2006).

Muitas pessoas consideram que é bastante fácil dar um feedback positivo, e eles quase não ocorrem no dia-a-dia do trabalho. Prover a pessoa com feedback positivo implica em uma ação de afirmação, de aceitação ou aprovação de algum comportamento ou ação.

Feedback corretivo ou crítico pode ser definido como a arte de avaliar ou analisar com conhecimento e propriedade. Normalmente as pessoas definem um feedback crítico como sendo um ato de criticar de forma desfavorável, sendo que a crítica é entendida como uma forma de apontar aquilo que nunca dá certo e não como uma oportunidade de desenvolvimento.

Quando o feedback crítico é entendido como uma oportunidade de expandir nossa compreensão, é mais uma ferramenta para chegarmos a resultados positivos. Oferecido com propriedade, ele se torna um feedback construtivo (Hataway, 2006).

Precisamos também compreender que existe uma diferença entre uma crítica positiva e uma crítica negativa e elas devem fazer parte de um balanço na avaliação da performance ou do comportamento.  Em ambos os casos elas devem e podem ser construtivas. Para Bee & Bee (2002), a crítica construtiva visa corrigir e melhorar o comportamento de baixa qualidade ou insatisfatório e deve fornecer informações sobre o comportamento e o desempenho com base em dados objetivos, estimulando aquele que está sendo criticado a comprometer-se com a busca de padrões estabelecidos de comportamento e desempenho.

Contudo, este tipo de feedback se afigura como o mais difícil de acordo com Williams (2005), uma vez que o que podemos também observar é que somente as pessoas com elevado grau de confiança tendem a considerar as críticas como estímulos para fortalecer o desempenho delas.

Feedback genérico ou vago é aquele que aborda uma expressão global do problema, por exemplo, quando nós dizemos a uma pessoa “você precisa se comunicar melhor” ou “você precisa motivar mais os outros”. Este feedback provavelmente deve refletir esforços de mudança em termos globais. As pessoas podem dizer “eu estou melhorando minha….” e no final da sentença colocar os termos: comunicação, motivação, consideração.

Quantas vezes nós ouvimos as pessoas dizerem que conhecem as suas dificuldades e os pontos que precisam ser melhorados, mas quando perguntadas acerca de quais ações elas tem levado a efeito para tal, surge uma frase assim “eu tenho refletido sobre…”.

Folkman (2006) afirma que metas globais não levam a nenhum comportamento específico e fazem com que nós evitemos o teste da realidade. Ao não estabelecermos metas que podem ser avaliadas de forma concreta ou quando não temos parâmetros definidos, não podemos avaliar se estamos melhorando ou não; ficamos apenas na expectativa ou na crença de que estamos fazendo o que é necessário.

Feedback ofensivo: o feedback ofensivo ou destrutivo pode ser baseado no desprezo ou em ataques diretos à pessoa. Para Bee & Bee (2002) “o feedback destrutivo costuma acontecer só quando as coisas saem erradas (esse tipo de atitude lhe parece familiar?) e quando não há padrões pelos quais se pode avaliar o desempenho ou o comportamento, ou qualquer plano que vise o desenvolvimento.

O feedback inadequado, que tanto pode ocorrer em função do momento ou em função daquilo que a pessoa tem poucas condições de mudar (uma pessoa me disse uma vez que não gostava da “cara” de um trainee em uma avaliação do trabalho). Segundo Paula (2005) este tipo de feedback pode trazer consequências psicológicas indesejadas e aumentar o sentimento de insuficiência das pessoas.

Muitas vezes o feedback acontece depois de muito tempo do comportamento ou dos resultados atingidos, ou então não levam em consideração a capacidade da pessoa em lidar com críticas, a sensibilidade de cada um. Creio que todos nós sabemos o que é levar uma bronca na frente dos outros, por mais justo que seja o motivo.

Ocorre que em muitas empresas o feedback aparece somente nas avaliações que ocorrem no final de cada trabalho ou mesmo no final de um ano. “Muitas vezes, a pessoa se vê soterrada pelas críticas, que não raramente se referem a questões e acontecimentos ocorridos há muito tempo, que já não estão claros na memória e sobre os quais a pessoa não possui mais qualquer influência” (Bee & Bee, 2002).

O tipo de feedback que é chamado feedback silencioso, segundo Hataway, é aquele que não provê nenhuma resposta verbal. De acordo com a autora, o propósito deste tipo de feedback é manter o status quo e com ele não existem surpresas; se bem que o efeito do silêncio tende a ser uma diminuição na motivação e na performance dos empregados.

Mas o feedback silencioso não quer dizer que não exista uma comunicação, pois não precisamos mandar mensagens somente com palavras. Muitas vezes, a postura daquele que deveria dar o feedback denuncia, de forma sutil ou não, que algum tipo de comportamento ou resultado gerou algum impacto. Nestas ocasiões, o silêncio fala…

Quando o comportamento ou as contribuições da pessoa são ignorados, ao não receber feedback quando solicitado ou então,recebê-lo centrado apenas naquilo que a pessoa fez de errado, é improvável que alguém siga motivado ou que isso venha a fazer com que a pessoa tome mais iniciativas para contribuir.

Provavelmente, muitas dificuldades derivam de o  feedback não apresentar critérios e objetivos claros, bem como, de as pessoas ou a organização não terem o hábito de oferecer ou receber feedback; ou seja, elas simplesmente não sabem “como fazer”. Entretanto, pedir e prover feedback são habilidades, e como tais, podem ser aprendidas e desenvolvidas. E da mesma forma como qualquer outro tipo de relacionamento, ele segue regras e precisa ser baseado em princípios, tais como, respeito mútuo, visão positiva do ser humano e responsabilidade por resultados, entre outros.

Papéis para os gerentes

Sue Bishop atribui seis papéis fundamentais para o gerente quando desempenha um papel no qual ele precisa oferecer feedback. São eles:

O gerente como avaliador: quando a avaliação do trabalho é feita revelando um equilíbrio entre uma atividade bem realizada e uma observação construtiva para a melhora da performance, normalmente as pessoas aceitam o feedback sem defensividade ou ressentimentos. Mas esta prática não pode ser realizada uma vez ao ano, mas sim, em uma base regular. Os gerentes e a equipe precisam monitorar constantemente o progresso, motivação, resolução de problemas.

Para que um trabalho seja bem apreciado, ele precisa ter alguns padrões estabelecidos, que precisam ser discutidos e comunicados à equipe, para que se possa monitorar a performance passada e presente.

O hábito de documentar as conclusões de uma reunião, quais decisões foram tomadas, por exemplo, servem como ponto de apoio para encorajar as pessoas a melhorar a performance, uma vez que os objetivos ou acordos estão claros.

A avaliação também deve contemplar um clima de parceria entre o gerente e o colaborador, até para que surja a oportunidade de o gerente receber feedback de como o seu modelo de gerenciamento está sendo percebido e, da mesma maneira de quem recebe, o que pode ser melhorado.

O gerente como coach: coaching é uma das áreas do gerenciamento na qual dar (e receber) feedback construtivo é um elemento chave ao considerarmos que, dentre tantas outras habilidades, o coach deve ser um bom comunicador e hábil para ouvir e instigar quem recebe o coach a identificar as suas áreas de problemas e a incrementar alternativas.

Como coach, ao oferecer feedback para um colaborador, três assuntos devem ser abordados, que  por parecerem um tanto óbvios, por vezes são deixados de lado.

  1. Forças e oportunidades de desenvolvimento;
  2. O impacto das ações individuais no trabalho; e
  3. Quais os caminhos para se fazer as coisas de modo mais efetivo.

Além disso, não podemos esquecer que o feedback sobre a performance deve ser dado rápida e frequentemente, buscando um equilíbrio entre uma apreciação do trabalho bem feito com as informações necessárias para que a performance aumente.

O gerente como censor: como todo excelente gerente, que sabe dar um feedback construtivo no momento certo, em algumas ocasiões será necessário usar uma abordagem mais corretiva com o staff. As atitudes corretivas podem ir de um assinalar, passar por um repreender e chegar à demissão.

O propósito deste tipo de abordagem é o de chamar a atenção da pessoa às falhas na performance, comportamentos inadequados e, como a maioria das formas de feedback, deve ser composto de um balanço entre o elogio e a crítica.

O maior propósito da crítica é ser construtiva. Comentar somente o que deu errado sem sugerir uma solução é essencialmente destrutivo e a intenção deveria ser identificar e ajudar a pessoa a corrigir os comportamentos inaceitáveis sem comprometer a autoestima.

Critique o comportamento de forma bem específica, nunca a pessoa pelos seus traços pessoais, pergunte à pessoa como ela vê o problema e cheque se ambos estão entendendo a mesma coisa.

Lembrando que, segundo Williams, este tipo de feedback é um dos mais difíceis. Frequentemente ocorre o julgamento, as relações de poder tendem a aflorar, ainda mais quando quem oferece o feedback tem uma tendência a encontrar bodes expiatórios para as suas próprias deficiências.

O gerente como conselheiro: aconselhar é um tema vasto. Bishop entende que o “Counselling” (com C) deveria ser conduzido por pessoas não somente bem treinadas ou qualificadas, mas emocionalmente competentes para lidar com os problemas dos outros de forma isenta, mas sem perder a empatia.

Mas o “counselling” (com c) é parte de qualquer tipo de gerenciamento, quando um membro do staff necessita de conselhos em um nível pessoal. O gerente pode não se sentir tão confortável neste papel, então é de sua responsabilidade discutir a possibilidade de uma ajuda especializada.

O “counselling” envolve captar emoções, sentimentos, interpretá-los ou demonstrar que há uma disponibilidade para ouvir e compreender, não somente fazer recomendações, mas refletir com a pessoa acerca do que ela quer dizer, ajudá-la a analisar o problema, proporcionar pontos de vista diferentes.

Raramente, dificuldades pessoais podem ou devem ser exploradas em reuniões. É preciso encontrar o espaço certo para deixar a pessoa se expressar, fazendo observações se necessário, desde que um rapport tenha sido previamente construído para não tornar a pessoa reticente. A pessoa precisa saber que está sendo ouvida e que as suas questões podem ser tratadas de forma positiva e construtiva.

O gerente como um “apresentador”: quando fazemos uma apresentação precisamos levar em consideração a resposta do público-alvo. A comunicação em duas vias nos diz que para que uma pessoa dê o melhor, ela precisa saber se as suas palavras estão repercutindo. É necessário um constante ajustamento e reajustamento acerca das palavras, gestos, expressões faciais. Sendo a resposta positiva ou negativa, ela é fundamental para a comunicação.

Então, para saber se os seus esforços como aquele que oferece feedback estão sendo atingidos, você precisa receber feedback. Quanto mais se fica mergulhado na leitura de notas, gráficos, sem olhar para as pessoas ao redor, mais tediosa se torna a “apresentação”. É, portanto, necessário prestar atenção nas reações da platéia e ter estratégias diferentes para atingir o público.

Se você sabe que não é um bom orador ou que “falar em público” não é o seu forte, seria interessante fortalecer esta habilidade através de um curso ou workshop no qual você pudesse praticar a sua apresentação.

O gerente como selecionador: por vezes, precisamos oferecer feedback nos processos seletivos, situação que se  torna particularmente desagradável quando temos de lidar com pessoas que não foram admitidas.

Neste caso, a técnica “sandwich” pode ser apropriada (para quem não sabe, a técnica “sandwich” é começar e terminar com pontos fortes), ainda aqui o feedback deveria ser sempre balanceado. Nós temos uma tendência a lembrar mais facilmente da primeira e da última coisa de uma lista, esquecendo o que está no meio, o que no caso do feedback também é importante como aspectos para uma revisão por parte da pessoa.

Como ao oferecer feedback temos um compromisso com a honestidade das informações, considerar somente os aspectos positivos de um perfil seria no mínimo uma visão ingênua, até porque “positivo” e “negativo” admitem valores bastante relativos quando falamos de seres humanos.

Feedback, muitas vezes, significa fornecer informações ou fatos, sejam eles aceitos ou não, e precisa ser constante, objetivo, tornando-se efetivo quando os envolvidos trabalham juntos e quem o recebe assume a responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento, incrementando uma dinâmica de constante movimento em relação à mudança e aperfeiçoamento. Desenvolver habilidades para oferecer e receber feedback é, segundo Bee & Bee, “quase como adotar um novo estilo de vida”.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Autodesenvolvimento

Devolutiva: Relação Empática de Aprendizagem e Troca

Diante do avaliador, as pessoas experimentam uma sensação de insegurança, obviamente por não saberem o que fazer para atender às expectativas. Algo que contraria a maioria das situações que enfrentamos no dia-a-dia, quando geralmente partimos com planos definidos ou, pelo menos, temos uma noção de que tipo de resposta oferecer ao ambiente diante das exigências.

Assim, nada mais natural que, diante deste tipo de circunstância de avaliação, o indivíduo assuma uma atitude defensiva, de pouca exposição. Se bem que o contrário também acontece; ou seja, o indivíduo exagera na tentativa de cercar todas as possibilidades de fornecer uma resposta adequada.

A entrevista de devolutiva tem-se mostrado eficiente no sentido de favorecer a participação e colaboração dos avaliados, quando este contrato é estabelecido no início do processo. A devolutiva ou o feedback, como queiram, precisa ser encarada como parte da avaliação, não apenas uma obrigação legal do psicólogo.

O feedback também funciona para atenuar os fantasmas acerca da figura de todo poderoso do avaliador e transfere para o psicólogo a responsabilidade de estabelecer uma relação de troca, para receber questionamentos e até para validar os resultados obtidos junto ao cliente acerca das suas interpretações; do contrário, a onipotência pode acabar tornando burocrático um processo que pode enriquecer ambos os lados.

Uma troca entre avaliador e avaliado — na qual temos de evitar assumir posturas com verdades definitivas e favorecer, neste momento, uma relação empática — é um elemento fundamental para a exploração da avaliação como um todo e não termina quando o avaliado se levanta da cadeira e sai pela porta, pois muita coisa ele pode estar carregando para sua vida.

A devolutiva é uma oportunidade de se acabar com o mito de que os psicólogos são os mais indicados para dizer aos outros o que fazer , devolvendo para o indivíduo a responsabilidade sobre o seu desenvolvimento. O psicólogo é um facilitador, que pode discutir, sugerir; não é um profissional que tem sempre respostas prontas. Embora tentador ao senso comum, dar conselhos não é tido como favorável pelos autores que trabalham com psicodiagnóstico.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Pieron.

 

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Autodesenvolvimento, Capacidade, Carreira

Carreira, Capacidade e Idade

A reportagem de capa da revista Exame, publicada no primeiro semestre deste ano, sobre a ‘Carreira Após os 40 Anos’ reflete a falta de conceitos com que se pensa o gerenciamento da capacidade humana para o trabalho e ainda mostra, paradoxalmente, as inconsequentes conclusões oriundas desta inconsciência. Ela traz danos às pessoas ao abordar assuntos vitais sem bases fundadas a respeito da natureza humana, trata a vida de maneira impulsiva e reflete um profundo engano acerca do talento humano, que teria sua melhor performance nos jovens.

Não somente a imprensa mostra inconsciência e carência de conceito, como também muitas empresas. Sem compreender muito bem a natureza da capacidade humana para o trabalho, a organização acaba definindo políticas que afastam as pessoas que vivem o melhor de seu potencial, quando se tornam mais ‘sábias’. Um exemplo freqüente é o estímulo à aposentadoria precoce.

Nossa experiência com organizações mostra claramente a necessidade de se ter uma concepção clara sobre a natureza da capacidade das pessoas. As empresas querem encontrar potenciais, visualizar o desenvolvimento das pessoas, incentivar o espírito empreendedor em todos. Elas afirmam em discursos que todos podem ser CEOs e assim por diante. Sem dúvida, são ações e intenções importantes e motivadoras. No entanto, como entender tudo isto dentro de um sistema gerencial voltado para resultados, para a competição, e também, por que não, para gerar oportunidades de realização pessoal?

Pretendo, à luz de teoria científica, validada e desenvolvida dentro de ambiente de trabalho, e pesquisada com profissionais que tomam decisões e participam dos destinos das organizações, esboçar algumas questões que podem dar alguma orientação para estas ações de gerenciamento de carreira, de capacidade humana, de desenvolvimento.

A escola americana de gerenciamento, essencialmente inspirada numa visão ‘behaviorista’ (comportamental) de pessoa humana, impregnou-nos de práticas que envolvem estimular comportamentos e recompensar respostas. Ainda nos debatemos com sistemas de ‘avaliação de desempenho’ (o eterno dilema, avaliar resultados?, como reconhecer o desempenho?, como remunerar o talento?), e, observem, parece que cada vez mais entramos num labirinto acerca do como conviver com a natureza humana no trabalho. Nos ensinaram a procurar no extrínseco os principais elementos para a gestão das pessoas e suas motivações. Nos ensinaram, ainda, a interagir pouco com as pessoas e sua natureza intrínseca, suas aspirações, seu autoconhecimento.

Minhas referências conceituais acerca da natureza humana têm outra fonte: uma visão cognitiva e auto-relizadora do ser humano – ou escola européia. Uma das principais referências desta escola são os trabalhos de Elliott Jaques (Tavistock Institute e Brunel University, Londres). Jaques, hoje, está para as teorias organizacionais, assim como Freud, para a Psicanálise e Adam Smith, para a Economia. Afinal, os únicos trabalhos científicos essencialmente longitudinais (20 – 30 anos, dados de mais de 15 países), centrados no estudo da complexidade do trabalho nas organizações e no da capacidade humana para o trabalho são dele e de sua equipe.

Jaques, entre outras coisas, pode ser considerado como ‘o pai do tempo’. Seus trabalhos levaram-nos a conhecer que uma das janelas mais importantes da atividade humana (ou cérebro, se preferir) é a janela do tempo. Seus trabalhos identificaram as ‘sete camadas de tempo’ para a organização do trabalho e das pessoas em torno do trabalho (Fig. 1). Ele descobriu que a maneira mais objetiva de se medir a complexidade de um trabalho é o tempo – a distância futuro na qual as pessoas conseguem se ver comprometidas com alguma coisa, ou o espaço de tempo futuro para o qual elas são capazes de formular metas e realizá-las. Bem, se conseguíssemos bater uma fotografia do horizonte de tempo com que os profissionais em uma organização estão trabalhando, provavelmente encontraríamos alguma distribuição parecida com a da figura 1.

Habilidades de construção de visões
Figura 1

Esta hipótese torna-se um dos pilares da concepção de Jaques sobre a natureza das estruturas hierárquicas e da capacidade humana para o trabalho. Ele constatou o que distingue um trabalho de outro, e conseqüentemente, a liderança, é o horizonte de tempo com que trabalhamos e projetamos ações no futuro. Por que os intervalos de tempo aumentam à medida que crescem as percepções de importância e responsabilidade, à medida em que o indivíduo desloca-se para níveis cada vez mais elevados nos sistemas executivos? Além disso, por que uma série regular de passos no nível da organização ocorre em determinados níveis de intervalos de tempo? Sua conclusão é a de que o intervalo de tempo máximo com o qual uma pessoa consegue lidar e alcançar mede e define o poder cognitivo dessa pessoa.1

Sete camadas de tempo, sete níveis máximos de complexidade para a gestão de um empreendimento (cinco para uma business-unit, sete para um empreendimento multinacional), sete níveis de capacidade das pessoas para conduzir ações no contexto do trabalho mundano.

Hoje, as pesquisas modernas com o cérebro estão confirmando e reafirmando as hipóteses de Jaques.2 Estas pesquisas falam de componentes biológicos específicos para o processamento e comando do futuro: os lobos pré-frontais, adiante da fissura de Rolando. Estudos sociológicos e antropológicos convergem. Outros sobre o desenvolvimento da cognição até o desenvolvimento moral sondam a mente como uma espécie de caixa do tempo: somos criaturas limitadas pelo tempo. Cada indivíduo, por sua natureza (autodeterminação) coloca-se limites sobre aquilo que irá se permitir fazer com o seu tempo, e, dentro desses limites, vive sua vida.

O desconhecimento dessa realidade fundamental gera boa parte da ansiedade profissional, que atinge qualquer organização, líder ou administrador. 3

Para Jaques, o alinhamento entre os horizontes temporais das tarefas e a capacidade das pessoas são a condição essencial para o pleno uso do potencial humano e o bem-estar no trabalho.4 Continuamos a tratar as pessoas como fornalha de carvão. Simplesmente abrimos as portas e atiramos um monte de tarefas sem atentar para o ‘horizonte de tempo’ de quem recebe essas atribuições. Depois nos perguntamos: por que os níveis de combustão da fornalha não atendem às expectativas?

Carreira, capacidade das pessoas e bem-estar no trabalho

Outro ponto fundamental do trabalho de Jaques é sua visão otimista e bem diferenciada da cultura tradicional de inteligência e ‘QI’. Com base em suas pesquisas ‘on-the-job’, cientificamente validadas, a capacidade das pessoas para o trabalho e para lidar com diferentes níveis de complexidade cresce ao longo do tempo. Durante mais de três décadas Jaques andou pelos corredores de numerosas organizações, observando e medindo o fator temporal como determinante do sucesso do gerenciamento de tarefas. Basicamente, suas conclusões apontam para diferenças significativas nas capacidades das pessoas, e estas têm a ver essencialmente com lidar com a incerteza e a ambigüidade, as quais formam um outro pilar de sua concepção.

Trabalhando com diferentes horizontes de tempo, as empresas conseguem se organizar para lidar com diferentes níveis de incerteza e, assim, integrar ações de gestão direta com ações tipicamente estratégicas e que demorarão muitos anos para frutificar (vide Fig. 1). Naquelas diferentes camadas de tempo, nós mostramos diferentes competências para lidar com a incerteza e a ambigüidade. Assim, dentro da organização, quando trabalhando com os diferentes horizontes de tempo alinhados, podem-se observar capacidade e competência no gerenciamento de fatores tais como:

  • Capacidade para considerar a incerteza como um recurso;
  • Capacidade para pensar além das regras;
  • Disposição para produzir teorias;
  • Uso de informações contraditórias;
  • Receptividade para todos os recursos;
  • Habilidade para ouvir o não dito;
  • Habilidade para procurar respostas divergentes e contraditórias, e conviver com a ambigüidade delas;
  • Habilidade para prestar atenção no que é, não é, e no que poderia ser;
  • Capacidade para conviver com o conhecimento, o desconhecimento, e também com aquilo que talvez nunca será desvendado;
  • Maior capacidade para conviver com processos de desenvolvimento, e menos com eventos.

Eu tenho convicção de que vocês, ao lerem estes fatores, poderão identificar em si mesmos maior ou menor tolerância ou habilidade de trânsito por eles. O que faz o tempo tão diferente de uma pessoa para outra ainda não tem uma explicação definitiva. Mas é possível o gerenciamento destas qualidades.

Jaques e sua equipe desenvolveram sistemas que conseguem identificar o ‘horizonte temporal’ das pessoas e das organizações, e a maneira de usar esta informação para o benefício mútuo. Para Jaques, a injustiça está em não reconhecer estas diferenças e apostar cegamente em processos de delegação que poderão causar perplexidade, ansiedade, decisões retardas, impróprias, sob a crença de que podemos fazer qualquer coisa em qualquer momento. Ele acha isto injusto, inadequado, e comprova o mau gerenciamento.5 (Fig 2)

Experiência dos sistemas
Figura 2

 

Todos evoluem para um nível além do atual. Contudo, como esta informação pode ser mais útil? Antes teremos que vencer um importante tabu. Se, de um lado, nossa capacidade cresce ao longo do tempo, existem diferenças individuais neste crescimento. Sem dúvida que para a empresa conhecer estes limites é fundamental, para que possa adequar a capacidade de acordo com os níveis de complexidade de trabalho. Mas, e a pessoa? Como reage, eventualmente, se tiver uma informação do tipo, ‘o melhor investimento de sua capacidade nos próximos 5/10 anos, com base no modelo Work Levels®, parece ser em atividades em que possa se responsabilizar pela condução de projetos, tarefas, com horizontes de tempo entre um e dois anos’ (tarefas assim são de gerentes de departamento, vendas, desenvolvimento, na carreira gerencial; ou assessores e consultores internos, na carreira ‘solo’). Contudo, para muitas pessoas, este ‘horizonte de tempo’ tende a se expandir no futuro (idade). E muitos podem experimentar mais uma, duas, três, quatro transições significativas na capacidade de condução do trabalho.

Entendemos que esta qualidade de informação traz mais benefícios do que prejuízos. Assim, as pessoas se fortalecem e podem pensar mais seriamente sobre o seu próprio destino. Este controle deve estar com o profissional que, sem dúvida, obterá benefícios por isso. Tudo isso tende a aumentar a probabilidade de sucesso da pessoa em trabalhos de equipe, grupos ou organizações.

Tudo depende ainda do grau de confiabilidade das políticas organizacionais. Em nossa experiência com milhares de feedbacks abordando a questão da capacidade humana e seu crescimento, e o como poderiam usar sua capacidade para o trabalho, observamos que muitas pessoas temem ser discriminadas por não ter grandes ambições como quer o senso comum. Averiguamos que muitas pessoas ficariam muito satisfeitas se as empresas aceitassem que estão felizes em determinados níveis de trabalho mesmo sendo intermediários. A crença de que todo subordinado quer o cargo de seu chefe nem sempre é verdadeira.

O conceito de trabalho que Jaques utiliza está associado ao uso do julgamento (trabalho humano não é medido pelo esforço ou energia empregada). Para ele, capacidade tem a ver com ‘o que fazemos quando não sabemos o que fazer’. Nosso trabalho, em encontrar o melhor match entre capacidade e desafio, visa, essencialmente, procurar contribuir para que todos se beneficiem do julgamento. Assim, é necessário um ambiente de confiança mútua. Usamos melhor nosso julgamento (intuições) quando não estamos sob stress, tensão, isto é, quando estamos na condição que entendemos por ‘flow’ (fig. 2).6

A condição de ‘flow’ ilustra tanto os benefícios como o mau uso da capacidade. Muitas empresas ‘promovem’ as pessoas para posições maiores por entender que sua alta performance (‘flow’) é indicador para promoção, sem aguardar o tempo de amadurecimento devido

Com estes pressupostos, entendemos que cada um possui um potencial, tanto atual como futuro, que hoje pode ser dimensionado, estimado, em termos de tendências, com relativo grau de precisão. E acreditamos que esta informação é essencial para o plano pessoal de carreira. Cada um de nós possui um projeto, ainda que inconsciente, de nosso futuro. A abordagem Work Levels® quer ajudar as pessoas a mergulhar em seus processos e compreender alguns aspectos de suas capacidades.

Muitas empresas não compreendem que a capacidade humana cresce ao longo do tempo. Muitas também, por terem promovido pessoas quando estavam em sua condição ‘flow’, acabam por querer confirmar a predestinação do ‘ser promovido ao seu nível de incompetência’. Esta, sim, uma profecia que se confirma pela inconsciência que se tem a respeito da capacidade humana e de seu crescimento. Não existe necessidade alguma de se promover pessoas ao seu nível de incompetência. Precisamos sim é conhecer as competências, e evitar julgamentos precipitados e, de fato, pseudo-otimistas acerca do quanto se pode fazer num determinado momento da vida. Acho justo utilizar conceitos e teorias que procuram garantir o adequado match entre pessoas e seus desafios – o que gera bem-estar e confiança nas políticas organizacionais. Qualquer pessoa desconfia dos julgamentos quando lhe oferecem algo acima ou abaixo de sua capacidade. Muitos se sentem constrangidos em recusar. Muitos gostariam de deixar de fazer o que fazem, outros de fazer muito mais do que realizam. A maior arte é gerenciar o uso da capacidade das pessoas. Os ganhos são muito mais compensadores do que formular discursos acerca do potencial infinito de cada um, o que, na prática, poucos acreditam. Mas todos acreditam, sem dúvida, na capacidade de auto-realização, do pleno uso de suas capacidades e seus recursos criativos em benefício do crescimento de uma comunidade. Esta me parece a responsabilidade essencial dos gestores de carreira ou desenvolvimento. A base é um profundo conhecimento da capacidade humana, seu desenvolvimento. Sem dúvida, isto não passa apenas pelos programas de treinamento. Também não entendemos que as perspectivas de carreira se encerram aos ’40’. Talvez esta seja a maior das blasfêmias acerca da natureza humana e sua capacidade. Jaques é claro: ‘muitos irão realizar o potencial após o período da aposentadoria’.7 Muitas empresas poderão estar perdendo competências em seus estágios de ‘sabedoria’, isto é, em momentos em que poderiam utilizar seu julgamento para problemas de maior complexidade para o benefício do empreendimento.

Referências Bibliográficas

  • Jaques, E., Journal of Applied Behavioral Science , Vol. 22, 1986.
  • Loye, D, Brain, Mind and Future Vision. Shambala, 1983.
  • Lynch, D., Kordis, P., The strategy of the Dolphin, Brain Technologies, 1988.
  • Jaques, E. Requisite Organization. Cason & Hall, 1996.
  • Jaques, E. Creativity and Work. Cason & Hall, 1988.
  • Adaptado de Mihalyi Cszencst. – Flow. Harper & Row.
  • Jaques, E., Human Capability. Cason & Hall. 1994.

Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

 

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