Gerações, Gestão, Criatividade e Inovação

julho 23, 2020

Um dos temas sempre presentes na gestão de RH tem sido o das gerações, suas diferenças e potenciais conflitos entre elas. Pergunto-me se há uma espécie de contraponto a isso. Como esta questão é tratada principalmente realçando diferenças, olhando-se retrospectivamente pode-se identificar padrões constantes que trazem outras maneiras de abordar o tema.

Por exemplo, em Mind Set, Naisbitt discute o tema ‘mudar e mudanças’ na perspectiva do que muda efetivamente e o que permanece constante.

Sob o impacto da mídia, a nossa sensação de que tudo muda rapidamente está definida e sustentada pelos distintos meios de comunicação e relacionamento, além de inúmeras publicações. De outro lado, acompanhando Naisbitt, muito permanece constante.

A maioria das empresas ainda permanece estável; Amazon já passou dos 20 anos, e vem junto Facebook, Google, Apple é ainda mais longeva, além de marcas centenárias. Casas, carros e roupas inteligentes já estão por aí…

Mas, pergunta Naisbitt, estamos fazendo apenas de modo diferente, com mais alcance, com mais qualidade aquilo que já fazíamos antes?

E ainda, qual é a essência deste viver que aparenta constante mudança?

Vamos à escola, casamos e temos filhos que vão à escola, fisicamente ou à distância, escola esta que, sabemos, pouco muda (apesar dos apelos às reformas).

Casa, lar, família, trabalho, escola, saúde, lazer, relacionamentos afetivos, amorosos, continuam os mesmos. Filhos continuam tendo dificuldades com os pais, líderes e liderados continuam tendo problemas de relacionamento, o stress continua no trabalho.

Menores continuam se engravidando, meninas ainda sonham com príncipes, jovens querem novidades. Pessoas vão a templos religiosos, compram carros, roubam, matam, drogam-se. Ídolos da juventude continuam a morrer de overdose. Trabalhamos como sempre trabalhamos.

A vida nas fazendas pouco mudou, mas se modernizou; as estações determinam o ritmo da vida ali, agora com equipamentos e tecnologias eficientes. Enfim, há que se pensar nas mudanças em termos “do que muda’ e do ‘como muda’.

Gerações

Nesta linha de raciocínio, pergunto-me pelo que há de comum ou constante entre as gerações e as mudanças no QUE ou no COMO.

É comum entre as gerações, a necessidade do jovem questionar, mostrar-se ‘DIFERENTE’ e avançado em relação a seu tempo. Os valores anteriores já não servem mais. A busca de autoafirmação se dá contestando o que está estabelecido. Mas é comum, por exemplo, a atração pela tecnologia em todas as gerações. Nós nos deslumbrávamos com a geladeira nova nos anos 50, assim como com a luz elétrica anos antes. Os jovens dos anos 60 trouxeram o valor de uma juventude menos reprimida e socialmente engajada.

Então, é comum que a geração atual questione a anterior, como também será questionada pela posterior.

É comum que cada geração produza aquelas poucas (muito poucas) transformações dos padrões comuns das nossas vidas, com inventos, novos conceitos, novas filosofias, novos negócios. Mas, considerando-se os bilhões de humanos que somos, sempre foram – e provavelmente serão poucos, muito poucos – aqueles que transformam padrões sociais amplos.

Mas, é padrão de cada geração produzir rupturas nos ‘COMOS’ e nos “O QUÊS” por meio daqueles poucos, que acabamos elegendo como nossos referenciais, modelos ou líderes ideais.

Os “O QUÊS” de nossas vidas e trabalho continuam parecidos, na essência do que fazemos. Sempre trabalhamos…

Por mais que procuremos mudar as organizações com fortes críticas aos padrões ‘hierárquicos’, o que fazemos é contestar as relações de poder. TODAS as gerações fazem isso.

As empresas admiradas atualmente são hierárquicas, mas com outros valores de relações pessoais: elas melhoraram o “como”. Entretanto, continuamos a trabalhar em organizações hierárquicas, O ÚNICO MODO de organizar o trabalho que o ser humano conseguiu produzir, há mais de 2.000 anos.

As novas tecnologias provocaram grandes mudanças. Mas todas as gerações sempre ansiaram por novas tecnologias, novos ‘COMOS’para melhorar e ‘modernizar’.

O que mudou de uma geração para outra não seria, de fato, mudanças no COMO se faz – ao invés de mudanças essenciais no QUE se faz?

Vimos mudanças essenciais no FAZER das chamadas gerações X, Y, Z, ou quaisquer outras?

As novidades observáveis são mudanças na forma “COMO” nos movemos, “como” compramos, “como” nos comunicamos, “como” aprendemos ou estudamos.

Os velhos e os antigos de hoje, foram os jovens do passado. Os jovens de hoje, serão os velhos e os antigos do futuro.

Seria um erro julgar o futuro com os valores de hoje, pois as próximas gerações trarão os mesmos padrões de críticas das gerações anteriores.

Pensando em tudo isso, qual seria o impacto para a gestão de gerações?

Se é esperado que uma geração entrante vá mostrar padrões previsíveis, tal como questionar a geração anterior´, então, procuremos refletir sobre alguns pontos, sobre outros critérios.

  • Velocidade e ambição de rapidamente crescer na carreira? Não creio que todas as pessoas, de qualquer geração, tivessem ou tenham a ambição de serem CEOs. Não creio que os mais jovens entrantes possam ser rapidamente conduzidos a tomarem decisões estratégicas e conduzir o futuro de um negócio. Alguns, sim, mas poucos. Afinal, a maioria das start-ups morrem cedo.
  • Equilíbrio entre vida pessoal e profissional? Aí está um valor pelo que vale a pena brigar. Será novo? Um novo ‘o que’ ou um novo ‘como’? Mais ócio criativo? Mas, quem organizará a sociedade para garantir tudo isso? Talvez os jovens aspirem a menos “emprego” e mais “trabalho”? Mais autorrealização? Sim, há uma potencial mudança para o “como”, mas como mudar A ESSÊNCIA da vida produtiva, do trabalho?
    • Tenho conhecimento de jovens da geração Y ou até Z, que já trabalham 12 horas por dia.
  • Hoje, a adolescência está se estendendo, em casos até os 30 anos; tende a ser um padrão de jovens que preferem viver em casa: o quarto é o habitat social alimentado pelas redes. É uma mudança no o quê? Esses será o novo padrão da vida social? Difícil dizer que sim. A vida sem relações sociais não parece ter muito significado.
  • A tecnologia parece estar criando um outro tipo de padrão de convívio familiar e a necessidade de questionar os “mais velhos” toma a forma de uma rebeldia dos filhos contra os, que querem que seus eles saiam dos seus quartos e da tela de acesso “ao mundo”, agora virtual. Mantém-se o “como” atualizado para o século XXI?

Olhando através das muitas gerações e o mundo que foi construído por meio do trabalho, aparentemente fomos competentes em lidar com as diferenças. ‘Novos’ sucederam os ‘velhos’, os velhos deixaram legados e os novos de então outros legados. Se a nova geração expressa ansiedade por se afirmar e abrir espaço para suas necessidades, isso não é novidade, sempre aconteceu.

No final da década de 60, estudantes se organizavam para contestar. Hoje, a facilidade da comunicação eletrônica pode tornar esta atitude ainda mais intensa, senão poderosa. O que mudou?  Apenas o “como”.

Se há resistências de uma geração para o que é apresentado pela nova, é importante ressaltar que resistência a mudanças sempre fez parte das relações entre grupos: mesmo entre jovens existe a intolerância, a não aceitação das diferenças…

Organizações se debatem com a constante “gestão da mudança”, com a necessidade de serem criativas e inovadoras. A competição sempre foi uma constante na vida organizacional.

Não há a meu ver, uma NOVIDADE na busca do vamos criar, vamos fazer diferente, etc, que a nova geração parece trazer, até porque mudança e necessidade criativa são padrões humanos. E falando novamente no contexto organizacional, incerteza e imprevisibilidade sempre foram os pressupostos e contextos para a liderança gerencial.

Aqueles que criaram rupturas criaram novas bifurcações, novos ‘o quês’, que afetam e afetarão as atuais e as novas gerações.

Mudança é um padrão constante; há que se viver com ela. Novos ‘comos’ devem ser bem-vindos e o ambiente organizacional deveria estar sempre preparado para surpresas, novidades, rupturas, readaptações. Nem sempre é o caso, mas isto também é uma constante, e independe de qual é a geração. Grande parte das organizações sobrevivem por décadas, e sempre conviveram com os conflitos de gerações.

Mundo aberto e em transformação é matéria-prima para inovações e elas vêm pela intuição de poucos, que criam tais rupturas. Quem são as pessoas da geração atual que farão isso? Que farão os rompimentos com O QUE se FAZ atualmente?

Não nos parece que mais “Facebook”, “Twitter”, “Google”, “Uber”, “Deliveries”, sejam de fato soluções criativas.

As organizações estão trazendo para dentro de si personagens estereotipados das mudanças no COMO FAZER ou estão identificando talentos capazes de reorganizar e redefinir o QUE FAZER, de redefinir PROPÓSITOS?

Como voltamos a falar de talento, vamos pensar um pouco na sua demografia e escassez.

Demografia do talento

A disputa por ‘talentos’ sempre foi uma constante através de todas as gerações. A arte de os atrair e manter também é uma constante, variando apenas o COMO FAZER, sempre adaptados aos contextos e condições atuais.

Em geral a criatividade está nos ‘comos’, pois podemos reorganizar e recombinar as coisas, os conhecimentos e as práticas.

A inovação – e algo da genialidade – está no rompimento com os ‘o quês’. Claro, numa organização talvez não precisemos de ‘Einsteins, Galileus ou Newtons’. Não creio que estas “genialidades” sejam atributos específicos de alguma geração. Contudo as novas gerações terão desafios globais ainda mais significativos, pois os impactos das ‘grandes decisões’ atuais (governos, tecnologia, iniciativa privada e grupos sociais) afetarão sobremaneira não mais a relação específica entre um líder e um liderado em si, mas nos exporão a questões que exigirão grandes rupturas nos ‘o quês’. Saltos qualitativos nos padrões de questionamento dos ‘o quês’ serão muito bem-vindos, até porque podem representar a continuidade saudável dos conflitos entre gerações.

A escassez dos talentos

Sempre foi uma constante. Elliott Jaques nos dá uma ideia disto pela extrapolação de seus estudos longitudinais sobre capacidade potencial, ou seja, o uso do julgamento e discernimento em condições de incerteza (fig.1).

Enquanto as novidades DAS FORMAS trazidas pelas novas gerações referem-se a novos valores e comportamentos, os desafios de conduzir negócios alinhados com a realização de seu propósito estratégico, demandarão capacidades que poucos trarão. Capacidades como visão corporativa, de sociedades emergentes, condições ambientais, mercados futuros, novos valores para as próximas gerações. Uma visão pessimista? Não parece ser.

Não é incomum a sensação de que estamos com lacunas de lideranças. Na sociedade e nas empresas. Igualmente para as organizações locais, a escassez é uma realidade que deve ser encarada não apenas sob olhar educacional ou das especialidades. A condução dos negócios por meio de uma liderança focada em capacidade humana, e menos em tarefa, é escassa. A gestão e busca do talento é uma realidade com limitação demográfica – e os processos seletivos não deveriam confundir habilidade criativa com capacidade inovadora.

Na perspectiva de Elliot Jaques a capacidade potencial, sendo o uso do julgamento e discernimento, não é treinável. Por isso mesmo, é um fator de desequilíbrio qualitativo importante, que pode significar ganhos em competitividade. É esta capacidade de julgamento e discernimento que tem a ver com o antever, ‘enxergar’ caminhos à frente, explorar a ausência de conhecimento, pois o conhecido é acessível a todos.

Parece óbvio que isto tem que ir além dos questionamentos em relação aos ‘comos’ e prosperar por meio de novidades disruptivas com os ‘o quês’. É a questão empreendedora, que transcende e atravessa as gerações.

Nesta perspectiva, bem-vindas as novas gerações que continuam a gerar a constância das mudanças significativas, assim como fizeram todas as outras.

É necessário cuidar para não limitar as expressões das gerações atuais, de forma que as repetições das resistências não impeçam o florescer dos novos talentos. Dessa forma, é preciso investir no semear caminhos para que aqueles significativos poucos possam produzir mudanças qualitativamente transformadoras.

As novas organizações deveriam se inspirar nos princípios de Organizações Generativas, tendo como um de seus pilares formar e cuidar das próximas gerações.

Figura 1


Clique aqui para ouvir no Spotify.

>