O ABC e a opcionalidade do Google

agosto 11, 2015

Ontem Larry Page anunciou uma reorganização no Google e a criação da Alphabet Inc., uma nova holding que consolidará todos negócios do grupo. O maior desses negócio é o próprio Google, que passa a ser uma subsidiária integral da Alphabet e passa a ter um CEO próprio. Outros negócios, que passam a ser irmãos do Google, incluem as iniciativas nas áreas de saúde, automação residencial, drones e investimentos.

Alguns comentários foram bem rápidos ao reduzir a reorganização a uma suposta tentativa de atender aos pedidos de investidores e analistas de ações, que sempre quiseram acesso a informações financeiras e operacionais de forma detalhada e segmentada. Soa como simplismo demasiado e o ponto essencial parece ter sido ignorado: o Google quer preservar sua opcionalidade.

Recomendo a leitura do anúncio feito ontem (10/8/2015), que é um ótimo exemplo de como uma corporação com market cap de USD 450 bilhões pode se comunicar de maneira clara e sem rodeios. Marco Antônio Antonino —  que, assim como Sergey Brin e Larry Page, também liderou um império com bastante sucesso e nas horas vagas era filósofo — ficaria orgulhoso do estilo sem excessos.

O que é opcionalidade?

Opcionalidade é uma propriedade que se refere a situações nas quais os ganhos potenciais são muito altos (às vezes ilimitados) e os riscos, muito pequenos e previamente quantificáveis.

Um exemplo notório de opcionalidade é a estratégia de investimentos de fundos de venture capital. Esses fundos fazem pequenos investimentos num grande número de start-ups. A maior parte desses investimentos é perdida, mas um único caso de sucesso pode trazer retornos da ordem de 10.000%. A ideia é que esses retornos excepcionais cubram todas as perdas e ainda proporcionem ganhos extraordinários aos investidores.

Se você quer saber mais sobre opcionalidade, recomendo ler os livros de Nassim Taleb. Por enquanto, basta saber que opcionalidade não é monopólio dos fundos de venture capital. Qualquer organização pode — e deve — criar suas próprias opcionalidades.

Onde está a opcionalidade do Google?

Duas passagens são particularmente interessantes para quem se interessa por gestão e mostram, na prática, o valor da opcionalidade.

A primeira passagem resgata o que tem sido a estratégia do Google desde sua criação:

As Sergey and I wrote in the original founders letter 11 years ago, “Google is not a conventional company. We do not intend to become one.” As part of that, we also said that you could expect us to make “smaller bets in areas that might seem very speculative or even strange when compared to our current businesses.”

Isso é uma boa resposta às críticas que muitas companhias inovadoras recebem ao criar opcionalidade. Muitas vezes as críticas são justificadas com o uso de termos como “core business” e “foco”. É preciso saber a diferença.

Vamos à segunda passagem. Sistemas nos quais as decisões são centralizadas reduzem ou eliminam opcionalidade, já que reduzem o número oportunidades de retornos assimétricos. Estruturas organizacionais são exemplos clássicos de sistemas que podem criar (ou destruir) a opcionalidade e o Google parece entender isso de forma muito clara, a julgar pela passagem abaixo:

Our company is operating well today, but we think we can make it cleaner and more accountable.

Estruturas organizacionais que têm o número certo de níveis gerenciais (sim, existe ciência para isso!) conseguem obter muita clareza de autoridades e responsabilidades. Isso abre espaço para que as decisões sejam tomadas de forma descentralizada e para que a organização se beneficie dessa opcionalidade.

Outro ponto que vale mencionar é que empresas que promovem uma reorganização dessa magnitude e repercussão, tipicamente o fazem apenas quando têm que lidar com performance insuficiente e/ou quando motivadas por alguma tentativa de arbitrar o valor de seus ativos. Temos que tirar o chapéu quando isso é feito em momentos de bonança, como parece ser o caso em pauta.

O movimento é acertado ou não? O tempo dirá. Independente disso,  temos que cumprimentar organizações que não têm medo de fazer movimentos para criar mais opcionalidade, aumentar suas chances de repetir ou amplificar os sucessos do passado e conviver bem com a incerteza e ambiguidade que caminha junto a tudo isso.

Investidores parecem ter reagido bem, já que as ações do Google subiram 6% no dia de hoje. Mas isso não quer dizer nada. Como julgar, em um pregão, o valor de decisões que surtirão efeitos pelos próximos 10 ou 15 anos?

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