O filet mignon e a meritocracia

janeiro 26, 2016

O CEO Brasil de uma multinacional que opera em terras tupiniquins foi surpreendido em sua última visita a uma das plantas da empresa. Quando deixava o refeitório – onde fez questão de almoçar como se fosse apenas mais um funcionário – foi surpreendido pelo supervisor de turno: “Seria ótimo se você viesse almoçar aqui todos os dias” – informou com ironia – “assim teríamos carne de primeira o ano todo” – concluiu.

Uma história parecida se passou com o CEO de uma mineradora canadense que tive o prazer de conhecer a cerca de um ano. Ao visitar uma das minas da companhia, percebeu que a tinta que cobria as paredes do almoxarifado e as faixas de segurança desenhadas no chão parecia fresca demais. “Será que haviam refeito a pintura e limpado todo o lugar apenas para me receber?”– pensou consigo mesmo.

Para alguns, isso pode parecer banal, mas casos como esses não deveriam ter lugar numa meritocracia. Uma característica marcante das meritocracias é que o único elemento que justifica o tratamento diferenciado de uma pessoa é o trabalho.

Numa meritocracia, o único elemento que justifica o tratamento diferenciado de uma pessoa é o trabalho.

Por exemplo, numa meritocracia as diferenças entre o trabalho de uma pessoa e de outra justificam o quanto elas são pagas. Por outro lado, tanto o CEO quanto o operador de empilhadeira deveriam ser sujeitados a exatamente as mesmas regras de segurança, como, por exemplo, vestir uniforme e EPIs quando transitarem por uma área de risco de acidentes. Ou seja, o sistema de cargos e salários deve – justificadamente – diferenciar as pessoas. Já os sistemas de segurança devem tratá-las precisamente da mesma forma – equalizá-las. Confundir sistemas de diferenciação e de equalização um com o outro faz com que as meritocracias adoeçam e se transformem em outra coisa.

Esse é um dos motivos pelos quais tantas organizações discursam sobre meritocracia, mas não levam suas próprias palavras a sério. Afinal, garantir que os sistemas de diferenciação sejam baseados apenas critérios diretamente ligados ao trabalho mexe com símbolos destatus que as pessoas aprenderam a valorizar.

Um cliente recentemente me contou da experiência de mudar o layout dos escritórios da sua empresa. Antes disso, os diretores tinham salas particulares com mesas de madeira enormes, de onde enxergavam suas equipes do lado de fora. Quando tiveram que se relocar, junto com seus times, para bancadas onde o analista e o diretor tinham o mesmo espaço, mesma mesa e mesma cadeira, houve uma enxurrada de indignação. Sempre por parte dos diretores, diga-se de passagem.

Então o CEO e o assistente de manutenção deveriam poder comer a mesma comida no refeitório da fábrica? Se a empresa tem como política fornecer refeição para seus funcionários e não há nada no trabalho do CEO e do assistente de manutenção que justifique uma alimentação diferenciada, sem dúvidas que sim. Alguns diriam que, se fosse para existir diferenciação, o almoço do assistente deveria ser o mais reforçado, já que seu trabalho tem uma demanda física muito maior do que o do CEO. Pelo menos numa meritocracia, as coisas deveriam ser assim.

Até uma rede de notícias dos EUA –  país que coloca a meritocracia como um dos seus valores fundamentais –  exala surpresa quando um CEO do outro lado do Pacífico elimina alguns sistemas e símbolos de diferenciação e come no refeitório como se fosse apenas mais um funcionário. Ele parece saber que, na hora do almoço, não é diferente de nenhum outro funcionário.

Transformar organizações em meritocracias não é trivial. Pense nisso.

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