Não sou filósofo, mas não resisti em me perguntar sobre esse tema. Então dei uma olhada lá atrás, no Iluminismo, movimento filosófico do século XVIII. Uma rápida síntese caracteriza o Iluminismo como uma crença absoluta da razão como forma única do homem alcançar a tão sonhada autonomia intelectual, o progresso material e o desenvolvimento das virtudes morais. Em resumo, o conhecimento científico. Nem precisamos mencionar o quanto a ciência evoluiu nos últimos séculos. Mas, o que isso tem a ver com o indivíduo, a pessoa e o desenvolvimento?
Quando, pelo Pieron, iniciamos a Universidade da Pessoa, nos era claro que os investimentos nos programas de desenvolvimento não geravam as tão desejadas mudanças duradouras e radicais nos participantes. Ora, a grande maioria dos programas de desenvolvimento têm uma forte base cognitiva. Nada de errado nisso. Apenas que eles atendem a um certo nível de mudanças: corretivas e adaptativas.
Exemplos? Mudanças corretivas exercitam um modo ‘certo’ de operar algo. As adaptativas treinam em maneiras desejáveis de se comportar e aplicar algum conhecimento: trabalhar em equipe, conduzir relações interpessoais, dar feedback e negociar. E as evolutivas? Transformam um determinado modo de se envolver com algo e constroem uma nova maneira de ver, agir e se comportar. Uma mudança na forma de ‘ser’ da pessoa, que não deixa espaço para ‘recaídas’ e nem para retornar ao que era antes. Isso porque a mudança acontece em níveis mais sensíveis como no sistema de valores e na identidade.
Programas de desenvolvimento de liderança, por exemplo, sempre deveriam ser evolutivos. Talvez até almejem, mas dificilmente alcançam. Daí, então, o que vem primeiro, pensamentos ou emoções? O iluminismo não teria dúvida em afirmar a predominância do pensamento ou do intelecto!
Lendo sobre o assunto você verá que emoções vêm antes dos pensamentos. Deveria ser lógico. Quando crianças, a nossa relação com o mundo foi emocional, nossas experiências eram emocionais, e sobre elas fomos construindo ‘pensamentos’ ou entendimentos não lógicos sobre nós, sobre os outros, sobre o ‘mundo’. Isso tudo foi se estruturando num plano inconsciente e determinando atitudes e modos de pensar a vida mais à frente, como hoje acontece conosco, adultos.
Claro, há o desenvolvimento cognitivo correndo em paralelo, e que começa a ganhar estrutura a partir dos anos escolares e vai se consolidando a partir dos 12 anos de idade aproximadamente. Ousaria dizer que, até então, foram as emoções que qualificaram os aprendizados do viver, do que é bom, do que é certo, de como se comportar, de que mundo é este, etc. O crescimento cognitivo nos leva a viver no plano das ideias, do pensamento, da abstração e da lógica consciente. Idealmente também formaria a capacidade de pensar a respeito de nós mesmos; isto é, a autoconsciência que desenvolveria a compreensão da vida emocional e das nossas emoções. Mas não funciona assim; as emoções continuam lá, gerando atitudes, reações inexplicáveis, decisões impulsivas, além de medos, receios, inseguranças. A nossa lógica não consegue entender isso e sempre se surpreende: “Ué, de onde saiu isso? ” E as tratamos algo como “depois eu cuido disso”.
Mas, queremos mudanças evolutivas, não é? E há muita razão quando as empresas se queixam de que as mudanças importantes e desejáveis não acontecem ou, quando acontecem, não são duradouras. Razões? Como citei iluminismo, talvez, de alguma forma, ainda exista uma crença de que a razão será suficiente para construir autonomia nas pessoas. Mais do que isso, uma autonomia intelectual plena de alguém desprovido de quaisquer interferências das emoções em suas ações. Mas não é o que acontece, pois as emoções vêm antes dos pensamentos, e continuarão a vir. Se apenas ‘pensar’ sobre elas fosse suficiente para nos fazer evoluir, já o teríamos feito e não haveria necessidade de psicoterapias.
Nada contra o pensamento ou o trabalho intelectual. Precisamos vitalmente deles. É por meio dos pensamentos racionais que podemos tomar consciência do que acontece com a gente, definimos metas para nossas vidas, planejamentos, organizamos, criticamos, aprendemos sobre o trabalho. Mas não sabemos ao certo por que tratamos tão mal alguém em certas circunstâncias, por que, no último momento mudamos totalmente a decisão, por que fugimos de uma conversa mais profunda e honesta com alguém, ou porque nossa vida afetiva vai mal. Mas, se quiserem mais ‘cientificidade’, a entrada sensorial sempre passa pelos centros emocionais do cérebro antes de chegar ao córtex frontal - o lugar para nosso pensamento racional.
As emoções ‘não pensam’, mas muitas delas dirigem nossas ações sem que percebamos. Baseadas na história do nosso desenvolvimento, as emoções têm como que uma ‘teoria’ sobre quem somos, sobre as pessoas e sobre o viver. Sabemos que ficamos raivosos, mas não sabemos descrever o processo que nos levou a reagir assim. É por meio dos pensamentos conscientes que podemos considerar o quanto as nossas emoções nos afetam, nos surpreendem e nos tomam abruptamente quando agimos de uma maneira totalmente animalesca. Se quiser mais exemplos, nossa experiência coletiva com a pandemia está cheia deles. Mas é por meio do emocionar-se e acessar nossas emoções que poderemos dar início a um trabalho de desenvolvimento evolutivo. Isso é autodesenvolvimento e crescimento pessoal.
Dificilmente as organizações ousarão apoiar programas que lidarão com a profundidade das nossas emoções, suas razões e suas histórias. O ambiente de trabalho parece não ser o ambiente para tanto. Tampouco canalizarão os investimentos milionários que anualmente fazem em desenvolvimento (de base iluminista?) para processos psicoterapêuticos para grande número de pessoas, até porque gostariam de ter respostas mais rápidas de mudanças evolutivas.
Por isso consideramos a Universidade da Pessoa como uma resposta a tais necessidades de crescimento pessoal evolutivo, entendendo que isso é possível quando se inverte a lógica dos programas de desenvolvimento: investir no profissional pelas razões iluministas não se traduz em mudanças evolutivas para a pessoa; mas, invertendo a lógica e investindo na Pessoa, oferecendo métodos de autoinvestigação e autoesclarecimento, você terá ganhos nas duas dimensões, profissional e pessoal. Investir no líder gerencial não melhora os pais em casa lidando com a família e filhos, mas ao investir na pessoa você terá ganhos como pais e como líderes gerenciais.
Afinal, emoções vêm antes dos pensamentos e a autonomia só é real quando pensamentos e atitudes estão alinhados e não nos vemos ‘misturados’ com as nossas emoções, ofuscando nosso discernimento.
Para isso nasceu a Universidade da Pessoa: para que cada pessoa acesse a si mesma de maneira estruturada, e torne suas emoções aliadas do seu desenvolvimento evolutivo. Para isso construímos - Pieron e Universidade da Pessoa - o programa Desenvolvimento Psicossocial da Liderança Gerencial.