Porque os líderes gerenciais não deveriam ser descartados do papel de coach

julho 30, 2020

Proponho o tema com base no meu livro – Confiança entre líderes e liderados. A tese era que quando líderes e liderados estão em condição de flow, a confiança é mútua. Quando essa relação é ótima os depoimentos de entrevistados são claros: esperam receber confiança a respeito de suas capacidades de usar os próprios julgamentos, esperam accountabilities e autoridades para decidirem dentro de limites estabelecidos. Desafortunadamente, apenas 10% dos pares entre líderes e liderados mantinham uma relação flow/flow e de confiança mútua. Estes – privilegiados? – transmitiam uma sensação de ‘destino compartilhado’ que fazia os olhos brilharem, mais do que nunca, por sentirem-se engajados, engajados consigo mesmos, pois o flow gera esta experiência de ‘tempo que passa rápido’, que tudo o que faço faz sentido, de que minhas capacidades são testadas em seus limites, de que a recompensa intrínseca pelo que faço está além dos limites esperados pelo contrato formal com o trabalho. Com confiança mútua.

Com base nisto é que acredito que o título acima merece atenção. Se você, gestor, alguma vez aceitou alguém, que não você mesmo, como coach de um de seus liderados, você foi descartado. E, pior, você negou seu papel de liderança gerencial. Há culpados aqui? O culpado é a terceirização da função de coach? É a falta de tempo? É porque o assunto ‘comportamento’ ou os assuntos que têm a ver com ‘pessoas’ não competem ao líder gerencial?

Discutir o tema envolve considerar alguns princípios que guiem a discussão. Coloco três para reflexão. O primeiro é que liderança gerencial não é um cargo, é um papel social assumido por uma pessoa que aceita ser responsável pelos resultados de outros, e que é reconhecido pela organização. O segundo é que um líder gerencial é, de fato, responsável pelos resultados de seus liderados. O terceiro, é que a função de coach é inerente ao papel de líder gerencial – o que me parece óbvio.

Algumas palavras sobre os três princípios. Primeiro. Liderança gerencial é um papel social publicamente visível. Há um contrato psicológico entre líder e liderados onde estes aceitam a liderança do outro e se comprometem a aplicar o melhor de seus esforços na busca dos propósitos definidos pela liderança. Não é um cargo. O líder gerencial tem a seu ‘cargo’ a responsabilidade da guiar outros e, ao mesmo tempo, a de produzir seus próprios outputs que caracterizam as suas contribuições pessoais (sob a liderança de outra pessoa). Segundo. Responsabilidade pelo ‘output’ dos liderados. Para tal, as responsabilidades envolvem formar uma equipe com espírito realizador, escolher com quem trabalhar, reconhecer o desempenho, afastar aqueles que não atendem às expectativas. Terceiro. Como ser responsável pelo output dos liderados se não os acompanho, se não os coordeno, se não identifico o que potencialmente pode dar errado ou não está caminhando bem, com os liderados?

Assim sendo, o líder gerencial precisará de alguns poucos requisitos para plenamente exercer seu papel social: valorizar assumir tal papel e se sentir comprometido em conduzir os requisitos gerenciais. Isso nada tem a ver com o ‘tipo de personalidade de liderança’ ou tipologias de qualquer natureza. Envolve uma combinação equilibrada de accountabilities e autoridades. Dentro dos requisitos destaco:

  • Reuniões regulares com todos os subordinados imediatos para discutir contexto, planos, problemas e sugestões;
  • Definir contexto: atualizações frequentes das bases dentro do que o trabalho precisa ser conduzido;
  • Planejamento: apresentação de caminhos alternativos para lidar com os problemas, e para assegurar que os liderados compreendam e tragam seus inputs;
  • Atribuição de tarefas: Atribuir tarefas que definem os limites do trabalho, o tempo e padrões esperados.
  • Apreciação do desempenho: julgar o quão bem os liderados estão trabalhando e canalizando seus melhores esforços para realizar os objetivos, e discutir com eles.
  • Revisão de mérito: julgar e conduzir discussões periódicas com relação à efetividade pessoal de cada liderado, e conduzir avaliações anuais a respeito do como os liderados aplicam suas capacidades de trabalho e decidir sobre bandas de remuneração;
  • Coaching: ajudar os liderados a aprender como lidar com uma variedade de processos que ocorrem dentro da unidade de trabalho, de modo que possam avançar em suas funções.
  • Selecionar e integrar.
  • Remover ou demitir (não necessariamente).
  • Melhoria contínua.

Não há nada de misterioso nisso tudo. E se você não concorda com aqueles princípios (ou sua organização entende que não deva praticá-los), então ser descartado do papel de coach não faz a menor diferença. E se isso acontece provavelmente seus liderados não o reconhecem como líder deles! Aí cabe a pergunta: ‘o que é que você espera de um papel de líder gerencial’ (e que não incluiria ser coach)? A contrapartida poderia ser ‘Ah, eu não sei como praticar o coaching com meus liderados’. Bem, aí temos um bom começo. Se não sabe, então pode aprender (desde que você valorize liderar pessoas). Considerando que aceitou o papel de líder gerencial então “não saber + valorizar ser = querer aprender”, querer praticar e querer assumir a responsabilidade de coach.

Reforço um pouco mais a discussão. coaching praticado pelo líder gerencial tem como perspectiva criar um contexto para o desempenho do liderado, apontar para o propósito, transmitir-lhe confiança na capacidade de julgar e optar por um caminho, e acompanhar o empenho e esforços dos liderados para realizar os desafios atribuídos dentro de um horizonte de tempo definido e dos recursos disponibilizados. Envolve tornar o liderado accountable e com as autoridades equivalentes. Caso algo não caminhe bem, então o coaching é necessário para que o liderado compreenda a amplitude do seu cargo, o quão distante poderia estar das expectativas, como está mobilizando suas capacidades e usando os recursos disponíveis em favor da realização do propósito. Interessante! O processo do coaching está interessado na relação entre a pessoa e os resultados esperados. O líder gerencial estará interessado (e motivado por) nas dificuldades para alcançar tais resultados e no como poderá mostrar, orientar, treinar, guiar, dar apoio, dar os recursos necessários para que tal aconteça. Envolve comportamento? Claro que sim. Comportamentos são aspectos observáveis das pessoas tais como fazer perguntas, como a pessoa comunica os acontecimentos, como procura pelos outros, como reage nas reuniões de trabalho, como escreve, como analisa, que iniciativa toma para buscar e construir colaboração, como reage a frustrações nas relações de trabalho, como compreende seu papel e dos colegas e pares, enfim, inúmeros. Mas, também, como a pessoa julga e toma decisões, como avalia as condições existentes e como projeta suas ações para buscar os resultados. Essas dimensões são diretamente acessíveis ao líder gerencial. Claro, um líder gerencial não será um ‘big brother’ acompanhando seus liderados em todas e quaisquer circunstâncias. Mas o líder gerencial criou condições de confiança mútua na relação entre eles e terá aqueles momentos frequentes de acompanhamento, de revisões, de conversas sobre a evolução do trabalho, sobre as dificuldades, e encontrará as oportunidades de praticar as habilidades necessárias. Digo frequentes, e não a rotina de final de ano. Não há nada de transcendental nisso. Fazemos muito disso com colegas, amigos, parceiros.

Mas há que diferenciar. Um líder gerencial coach não é um ‘psicoterapeuta’. Essas questões cabem a especialistas. Na maioria das vezes ele é um líder gerencial e também um liderado e o contexto do trabalho envolve questões específicas que afetam o ‘bem-estar’ da pessoa no seu ambiente, dentro do grupo e na relação com seu líder. Envolve expectativas por resultados e é responsabilidade do líder compreender e intervir no quão bem seu liderado está caminhando na direção deles (resultados). Nesse sentido o coaching gerencial é uma questão extremamente pragmática. Tudo o que fugir dos limites do trabalho ou da experiência, sensibilidade e conhecimentos do líder gerencial devem ser tratados por outras abordagens, que não as gerenciais. Se algo transcende as competências do líder gerencial, então cabe orientar, sugerir e aconselhar a buscar apoio, provavelmente de profissionais especificamente preparados. Algumas organizações possuem serviços de apoio para tal.

Vale também considerar que o coaching gerencial não é uma discussão sobre carreira e futuro. O foco está muito no presente, na relação da pessoa com seu trabalho e o ambiente social a que pertence na organização. Algumas empresas têm o papel do mentoring – alguém com pelo menos um nível acima do líder gerencial – para que certas questões das políticas mais gerais da organização, compreensão das perspectivas do negócio e mesmo das carreiras possam ser abordados e servirem de reflexão para uma orientação para o longo prazo. De certa forma o coaching gerencial se insere no ciclo da gestão do desempenho e está muito preocupado com o pleno uso dos recursos e potencialidades dos liderados.

Por que o líder gerencial não pode ser descartado? Nessa dimensão de entendimento, os recursos disponíveis para o desempenho do liderado estão sob a responsabilidade do líder gerencial. Assim sendo, o líder gerencial tem todas as condições para conduzir o papel de coach de uma maneira realista e focada em garantir que ‘não perca’ o seu liderado. Afinal, no limite, demitir alguém seria como que um atestado de que os sistemas de gestão de pessoas talvez não tenham funcionado tão bem!

Mas, e as pessoas lideradas que sentem que seus líderes não praticam coaching com elas? Assumo como princípio para explorar essa pergunta que estamos falando de um sistema meritocrático. Se assim o é, não haveria o porquê da pergunta. Mas ela existe. Numa unidade produtiva mínima dentro de uma organização há pelo menos três protagonistas ou níveis: o liderado, o líder e o líder do líder. É responsabilidade do líder do líder compreender o quanto seus liderados estão se empenhando para exercer seus papéis de liderança (o que inclui coaching). Na perspectiva de Elliott Jaques1, qualquer trabalhador tem alguns direitos. Destaco dois: direito de ter seu potencial plenamente realizado e o direito a recorrer sobre o como é avaliado. Esta última pode até soar estranho para alguns. Envolve um paradigma muito comum nos processos de avaliação de desempenho2. Este paradigma é o da autoavaliação do liderado quando da reunião de feedback do desempenho. Veja, se estamos falando de organizações com valores meritocráticos e de accountabilities e autoridades claras, é responsabilidade do gestor julgar o desempenho do seu liderado e compartilhar o seu julgamento. Daí a importância do preparo do gestor como líder gerencial em ter detalhes sobre o desempenho e estar preparado para as reuniões. O líder gerencial é quem define o escopo de trabalho do liderado, é ele quem atribui responsabilidades, prazos e recursos, e é ele que conta com o desempenho do liderado para o bem do desempenho da área ou departamento. Um liderado que se sinta injustiçado naturalmente deve ter algum caminho para trazer as suas insatisfações, o que envolve uma cultura organizacional muito específica e de confiança mútua. Além disto, o interesse do líder está em fazer com que o desempenho do liderado evolua, e seus julgamentos devem estar orientados para caracterizar tanto o que percebe quanto o que espera de cada liderado, o que abrirá as oportunidades para o coaching gerencial. Se uma organização não reconhece e não garante tais direitos muito provavelmente a liderança gerencial pode não canalizar plenamente sua atenção para as questões do como contribuir com o desenvolvimento das pessoas no trabalho. E, talvez, também não se preocupem se o papel de coach do líder gerencial está sendo descartado.

Há temas que transcendem as questões do trabalho. Em geral envolvem categorias ligadas a padrões psicológicos, crises ou dúvidas existenciais, relações matrimoniais, com filhos que, sem dúvida, podem impactar as relações de trabalho. Mas não é da competência do líder gerencial envolver-se com eles para conduzi-los. Claro, com sua experiência de vida, pode dedicar tempo para ouvir seu liderado, sensibilizar-se com as questões e por fim, fazer recomendações do como a pessoa poderia buscar algum apoio. Muitas organizações possuem serviços de orientação, convênios, serviços externos. Mas, nestes domínios, o líder gerencial não tem responsabilidade por conduzir qualquer intervenção.

Por fim, conduzi uma reflexão tão somente na perspectiva da liderança gerencial e no que entendo que caracteriza o papel do coach numa organização. No meu livro Confiança entre líderes e liderados3 retomo as palavras de Gillian Stamp: “líderes gerenciais são pessoas que entendem que liderança gerencial não é um ‘cargo’, é um papel social e, como tal, afeta o destino daqueles com quem trabalha e, ao mesmo tempo, assumem as incertezas de um ‘destino compartilhado’ com seus liderados.”

E, então, o que é o coach externo? Bem, deixo para você essa reflexão. Talvez envolva qualquer coisa que não seja a responsabilidade do líder gerencial, mas também não de especialistas, tal como psicoterapeutas. Daí que cabe uma observação. Coaches externos não têm responsabilidade pelo desempenho do liderado, não têm autonomia sobre os recursos disponíveis, não tem autoridade para definir as tarefas dos liderados, como também não os têm os liderados.

 Referências

  • Jaques, Elliott; Requisite Organization. USA. Cason-Hall Publishers, 1997
  • Grote, Dick; How to be good at performance appraisal. USA. Harvard Business Review; 2011
  • Bruno, M.L. Confiança entre líderes e liderados. São Paulo. Biblioteca24horas. 2016

Clique aqui para ouvir no Spotify.

[vc_row][vc_column][vc_column_text]Texto original de 13/03/2017

Pieron Reflexões

[spreaker type=player resource=”episode_id=40039738″ width=”100%” height=”200px” theme=”light” playlist=”false” playlist-continuous=”false” autoplay=”false” live-autoplay=”false” chapters-image=”true” episode-image-position=”right” hide-logo=”false” hide-likes=”false” hide-comments=”false” hide-sharing=”false” hide-download=”true”]

Clique aqui para ouvir no Spotify

Proponho o tema com base no meu livro – Confiança entre líderes e liderados. A tese era que quando líderes e liderados estão em condição de flow, a confiança é mútua. Quando essa relação é ótima os depoimentos de entrevistados são claros: esperam receber confiança a respeito de suas capacidades de usar os próprios julgamentos, esperam accountabilities e autoridades para decidirem dentro de limites estabelecidos. Desafortunadamente, apenas 10% dos pares entre líderes e liderados mantinham uma relação flow/flow e de confiança mútua. Estes – privilegiados? – transmitiam uma sensação de ‘destino compartilhado’ que fazia os olhos brilharem, mais do que nunca, por sentirem-se engajados, engajados consigo mesmos, pois o flow gera esta experiência de ‘tempo que passa rápido’, que tudo o que faço faz sentido, de que minhas capacidades são testadas em seus limites, de que a recompensa intrínseca pelo que faço está além dos limites esperados pelo contrato formal com o trabalho. Com confiança mútua.

Com base nisto é que acredito que o título acima merece atenção. Se você, gestor, alguma vez aceitou alguém, que não você mesmo, como coach de um de seus liderados, você foi descartado. E, pior, você negou seu papel de liderança gerencial. Há culpados aqui? O culpado é a terceirização da função de coach? É a falta de tempo? É porque o assunto ‘comportamento’ ou os assuntos que têm a ver com ‘pessoas’ não competem ao líder gerencial?

Discutir o tema envolve considerar alguns princípios que guiem a discussão. Coloco três para reflexão. O primeiro é que liderança gerencial não é um cargo, é um papel social assumido por uma pessoa que aceita ser responsável pelos resultados de outros, e que é reconhecido pela organização. O segundo é que um líder gerencial é, de fato, responsável pelos resultados de seus liderados. O terceiro, é que a função de coach é inerente ao papel de líder gerencial – o que me parece óbvio.

Algumas palavras sobre os três princípios. Primeiro. Liderança gerencial é um papel social publicamente visível. Há um contrato psicológico entre líder e liderados onde estes aceitam a liderança do outro e se comprometem a aplicar o melhor de seus esforços na busca dos propósitos definidos pela liderança. Não é um cargo. O líder gerencial tem a seu ‘cargo’ a responsabilidade da guiar outros e, ao mesmo tempo, a de produzir seus próprios outputs que caracterizam as suas contribuições pessoais (sob a liderança de outra pessoa). Segundo. Responsabilidade pelo ‘output’ dos liderados. Para tal, as responsabilidades envolvem formar uma equipe com espírito realizador, escolher com quem trabalhar, reconhecer o desempenho, afastar aqueles que não atendem às expectativas. Terceiro. Como ser responsável pelo output dos liderados se não os acompanho, se não os coordeno, se não identifico o que potencialmente pode dar errado ou não está caminhando bem, com os liderados?

Assim sendo, o líder gerencial precisará de alguns poucos requisitos para plenamente exercer seu papel social: valorizar assumir tal papel e se sentir comprometido em conduzir os requisitos gerenciais. Isso nada tem a ver com o ‘tipo de personalidade de liderança’ ou tipologias de qualquer natureza. Envolve uma combinação equilibrada de accountabilities e autoridades. Dentro dos requisitos destaco:

  • Reuniões regulares com todos os subordinados imediatos para discutir contexto, planos, problemas e sugestões;
  • Definir contexto: atualizações frequentes das bases dentro do que o trabalho precisa ser conduzido;
  • Planejamento: apresentação de caminhos alternativos para lidar com os problemas, e para assegurar que os liderados compreendam e tragam seus inputs;
  • Atribuição de tarefas: Atribuir tarefas que definem os limites do trabalho, o tempo e padrões esperados.
  • Apreciação do desempenho: julgar o quão bem os liderados estão trabalhando e canalizando seus melhores esforços para realizar os objetivos, e discutir com eles.
  • Revisão de mérito: julgar e conduzir discussões periódicas com relação à efetividade pessoal de cada liderado, e conduzir avaliações anuais a respeito do como os liderados aplicam suas capacidades de trabalho e decidir sobre bandas de remuneração;
  • Coaching: ajudar os liderados a aprender como lidar com uma variedade de processos que ocorrem dentro da unidade de trabalho, de modo que possam avançar em suas funções.
  • Selecionar e integrar.
  • Remover ou demitir (não necessariamente).
  • Melhoria contínua.

Não há nada de misterioso nisso tudo. E se você não concorda com aqueles princípios (ou sua organização entende que não deva praticá-los), então ser descartado do papel de coach não faz a menor diferença. E se isso acontece provavelmente seus liderados não o reconhecem como líder deles! Aí cabe a pergunta: ‘o que é que você espera de um papel de líder gerencial’ (e que não incluiria ser coach)? A contrapartida poderia ser ‘Ah, eu não sei como praticar o coaching com meus liderados’. Bem, aí temos um bom começo. Se não sabe, então pode aprender (desde que você valorize liderar pessoas). Considerando que aceitou o papel de líder gerencial então “não saber + valorizar ser = querer aprender”, querer praticar e querer assumir a responsabilidade de coach.

Reforço um pouco mais a discussão. O coaching praticado pelo líder gerencial tem como perspectiva criar um contexto para o desempenho do liderado, apontar para o propósito, transmitir-lhe confiança na capacidade de julgar e optar por um caminho, e acompanhar o empenho e esforços dos liderados para realizar os desafios atribuídos dentro de um horizonte de tempo definido e dos recursos disponibilizados. Envolve tornar o liderado accountable e com as autoridades equivalentes. Caso algo não caminhe bem, então o coaching é necessário para que o liderado compreenda a amplitude do seu cargo, o quão distante poderia estar das expectativas, como está mobilizando suas capacidades e usando os recursos disponíveis em favor da realização do propósito. Interessante! O processo do coaching está interessado na relação entre a pessoa e os resultados esperados. O líder gerencial estará interessado (e motivado por) nas dificuldades para alcançar tais resultados e no como poderá mostrar, orientar, treinar, guiar, dar apoio, dar os recursos necessários para que tal aconteça. Envolve comportamento? Claro que sim. Comportamentos são aspectos observáveis das pessoas tais como fazer perguntas, como a pessoa comunica os acontecimentos, como procura pelos outros, como reage nas reuniões de trabalho, como escreve, como analisa, que iniciativa toma para buscar e construir colaboração, como reage a frustrações nas relações de trabalho, como compreende seu papel e dos colegas e pares, enfim, inúmeros. Mas, também, como a pessoa julga e toma decisões, como avalia as condições existentes e como projeta suas ações para buscar os resultados. Essas dimensões são diretamente acessíveis ao líder gerencial. Claro, um líder gerencial não será um ‘big brother’ acompanhando seus liderados em todas e quaisquer circunstâncias. Mas o líder gerencial criou condições de confiança mútua na relação entre eles e terá aqueles momentos frequentes de acompanhamento, de revisões, de conversas sobre a evolução do trabalho, sobre as dificuldades, e encontrará as oportunidades de praticar as habilidades necessárias. Digo frequentes, e não a rotina de final de ano. Não há nada de transcendental nisso. Fazemos muito disso com colegas, amigos, parceiros.

Mas há que diferenciar. Um líder gerencial coach não é um ‘psicoterapeuta’. Essas questões cabem a especialistas. Na maioria das vezes ele é um líder gerencial e também um liderado e o contexto do trabalho envolve questões específicas que afetam o ‘bem-estar’ da pessoa no seu ambiente, dentro do grupo e na relação com seu líder. Envolve expectativas por resultados e é responsabilidade do líder compreender e intervir no quão bem seu liderado está caminhando na direção deles (resultados). Nesse sentido o coaching gerencial é uma questão extremamente pragmática. Tudo o que fugir dos limites do trabalho ou da experiência, sensibilidade e conhecimentos do líder gerencial devem ser tratados por outras abordagens, que não as gerenciais. Se algo transcende as competências do líder gerencial, então cabe orientar, sugerir e aconselhar a buscar apoio, provavelmente de profissionais especificamente preparados. Algumas organizações possuem serviços de apoio para tal.

Vale também considerar que o coaching gerencial não é uma discussão sobre carreira e futuro. O foco está muito no presente, na relação da pessoa com seu trabalho e o ambiente social a que pertence na organização. Algumas empresas têm o papel do mentoring – alguém com pelo menos um nível acima do líder gerencial – para que certas questões das políticas mais gerais da organização, compreensão das perspectivas do negócio e mesmo das carreiras possam ser abordados e servirem de reflexão para uma orientação para o longo prazo. De certa forma o coaching gerencial se insere no ciclo da gestão do desempenho e está muito preocupado com o pleno uso dos recursos e potencialidades dos liderados.

Por que o líder gerencial não pode ser descartado? Nessa dimensão de entendimento, os recursos disponíveis para o desempenho do liderado estão sob a responsabilidade do líder gerencial. Assim sendo, o líder gerencial tem todas as condições para conduzir o papel de coach de uma maneira realista e focada em garantir que ‘não perca’ o seu liderado. Afinal, no limite, demitir alguém seria como que um atestado de que os sistemas de gestão de pessoas talvez não tenham funcionado tão bem!

Mas, e as pessoas lideradas que sentem que seus líderes não praticam coaching com elas? Assumo como princípio para explorar essa pergunta que estamos falando de um sistema meritocrático. Se assim o é, não haveria o porquê da pergunta. Mas ela existe. Numa unidade produtiva mínima dentro de uma organização há pelo menos três protagonistas ou níveis: o liderado, o líder e o líder do líder. É responsabilidade do líder do líder compreender o quanto seus liderados estão se empenhando para exercer seus papéis de liderança (o que inclui coaching). Na perspectiva de Elliott Jaques1, qualquer trabalhador tem alguns direitos. Destaco dois: direito de ter seu potencial plenamente realizado e o direito a recorrer sobre o como é avaliado. Esta última pode até soar estranho para alguns. Envolve um paradigma muito comum nos processos de avaliação de desempenho2. Este paradigma é o da autoavaliação do liderado quando da reunião de feedback do desempenho. Veja, se estamos falando de organizações com valores meritocráticos e de accountabilities e autoridades claras, é responsabilidade do gestor julgar o desempenho do seu liderado e compartilhar o seu julgamento. Daí a importância do preparo do gestor como líder gerencial em ter detalhes sobre o desempenho e estar preparado para as reuniões. O líder gerencial é quem define o escopo de trabalho do liderado, é ele quem atribui responsabilidades, prazos e recursos, e é ele que conta com o desempenho do liderado para o bem do desempenho da área ou departamento. Um liderado que se sinta injustiçado naturalmente deve ter algum caminho para trazer as suas insatisfações, o que envolve uma cultura organizacional muito específica e de confiança mútua. Além disto, o interesse do líder está em fazer com que o desempenho do liderado evolua, e seus julgamentos devem estar orientados para caracterizar tanto o que percebe quanto o que espera de cada liderado, o que abrirá as oportunidades para o coaching gerencial. Se uma organização não reconhece e não garante tais direitos muito provavelmente a liderança gerencial pode não canalizar plenamente sua atenção para as questões do como contribuir com o desenvolvimento das pessoas no trabalho. E, talvez, também não se preocupem se o papel de coach do líder gerencial está sendo descartado.

Há temas que transcendem as questões do trabalho. Em geral envolvem categorias ligadas a padrões psicológicos, crises ou dúvidas existenciais, relações matrimoniais, com filhos que, sem dúvida, podem impactar as relações de trabalho. Mas não é da competência do líder gerencial envolver-se com eles para conduzi-los. Claro, com sua experiência de vida, pode dedicar tempo para ouvir seu liderado, sensibilizar-se com as questões e por fim, fazer recomendações do como a pessoa poderia buscar algum apoio. Muitas organizações possuem serviços de orientação, convênios, serviços externos. Mas, nestes domínios, o líder gerencial não tem responsabilidade por conduzir qualquer intervenção.

Por fim, conduzi uma reflexão tão somente na perspectiva da liderança gerencial e no que entendo que caracteriza o papel do coach numa organização. No meu livro Confiança entre líderes e liderados3 retomo as palavras de Gillian Stamp: “líderes gerenciais são pessoas que entendem que liderança gerencial não é um ‘cargo’, é um papel social e, como tal, afeta o destino daqueles com quem trabalha e, ao mesmo tempo, assumem as incertezas de um ‘destino compartilhado’ com seus liderados.”

E, então, o que é o coach externo? Bem, deixo para você essa reflexão. Talvez envolva qualquer coisa que não seja a responsabilidade do líder gerencial, mas também não de especialistas, tal como psicoterapeutas. Daí que cabe uma observação. Coaches externos não têm responsabilidade pelo desempenho do liderado, não têm autonomia sobre os recursos disponíveis, não tem autoridade para definir as tarefas dos liderados, como também não os têm os liderados.

 

Referências

  • Jaques, Elliott; Requisite Organization. USA. Cason-Hall Publishers, 1997
  • Grote, Dick; How to be good at performance appraisal. USA. Harvard Business Review; 2011
  • Bruno, M.L. Confiança entre líderes e liderados. São Paulo. Biblioteca24horas. 2016

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

>