Potencial Humano: o diferencial do modelo Work Levels

agosto 15, 2016

Ainda sentimos a necessidade de esclarecer conceitos. Na prática, termos como competências, tipos psicológicos, traços, são confundidos - erroneamente - com potencial. Fala-se de potencial, mas "entrega-se" traços de personalidade, tipos, estilos ou competências. E, então, não se consegue vislumbrar tendências de crescimento futuro das pessoas. É necessário um claro entendimento do que é potencial. A figura 1 - Talent Pool abaixo- ilustra a relação entre complexidade, potencial e crescimento ao longo do tempo.

No cotidiano, potencial é uma palavra utilizada para explicar entidades distintas e diferenciar facetas de uma mesma entidade. Diferentes entidades são explicadas pelo termo potencial: inteligência ou liderança, por exemplo. Alguém tem potencial porque é inteligente; ou tem "potencial" de liderança. Ou diferentes facetas para explicar o potencial como, por exemplo, diferentes competências ou tipos psicológicos ou múltiplas inteligências.

Nem um nem outro refletem o que é potencial humano naquilo que deveria ser uma qualidade distintiva e única dos organismos vivos. Confundimos atributos ou função com o aspecto em si a ser medido, tal como liderança - um atributo ou aspecto de uma função ou carisma. Mas liderança em si não define o que é potencial humano. Falamos de um traço ou de uma habilidade.

Totalidade

Organismos vivos comportam-se como uma totalidade. Mas as práticas usuais de medição "quebram" os organismos em partes. A dificuldade de apreender num todo aquilo que o organismo "é capaz" - isto é, seu potencial - é a principal causa da confusão.

Primeiro temos que distinguir a capacidade potencial - aquilo que um organismo é capaz de fazer - dos atributos do organismo, aspectos ou traços específicos. Seria algo como distinguir entre o quanto um organismo é capaz e o como o organismo realiza algo. Confundir o como com o quanto nos leva a desviar a atenção daquilo que é fundamental medir. Podemos confundir o como da comunicação com o quanto - em termos de complexidade de trabalho que consigo realizar. Podemos confundir o como da liderança com o quanto do potencial - liderar em direção a que tamanho de resultados? Na ação, sem dúvida os organismos dependem tanto do quanto como do como. Mas o primeiro é distintivo entre as pessoas.

O que distingue a capacidade potencial entre os organismos? Vamos considerar uma analogia simples. Plantando- se um conjunto de árvores selecionadas da mesma espécie oriundas de uma mesma árvore mãe, num mesmo solo e sob as mesmas condições ambientais, ainda assim vamos observar diferenças marcantes em cada árvore, seja no tamanho, espessura do tronco, volume de galhos e folhas, e também na quantidade e qualidade das frutas. A ontogenia se expressa diferentemente e parece ter uma causalidade pessoal. Não temos controle sobre ela.

Como seres humanos, somos formados pelas mesmas partes. Contudo, vemos grandes variações entre as pessoas. Podemos citar variações óbvias, como cor de pele, tamanho, sexo, até diferenças mais sutis, como reações, atitudes, preferências. Tudo isto, porém, está na esfera do como de cada organismo.

O que diferenciará cada organismo é sua relação com o tempo, ou intencionalidade. A capacidade potencial humana tem sua expressão singular nos organismos em quanto à frente uma pessoa é capaz de considerar consequências ao definir objetivos e desenvolver decisões e planos para transformar uma intenção em resultados.

Esta capacidade distintiva de poder olhar à frente e apontar para algo em diferentes horizontes de tempo é aquilo que chamo de quanto. Na prática, este quanto pode ser traduzido em como se tornar líder de mercado entre cinco e sete anos à frente, reduzir custos em 15 a 18 meses, ganhar 25% de participação no setor x com determinado produto em até dois ou três anos, e também consertar uma máquina em uma semana ou desenvolver um treinamento gerencial em seis meses. Enquanto organismos somos seres intencionais, orientados por metas e aptos a conviver com diferentes graus de incertezas.

Somos equipados com recursos para diferentes graus de turbulências ao nosso redor. Isto tudo se refere ao quanto. Quando falamos de potencial fazemos referência ao "tamanho do projeto" que uma pessoa consegue sustentar ao longo de um determinado tempo. É isto que as organizações precisam saber, pois dependem da construção do futuro, que não está dado, mas apenas cogitado nas intenções de seus líderes e que será realizado por meio de um processo de múltiplas delegações de responsabilidades.

Este quanto não se mistura aos comos, mas se completa com eles. As pessoas poderão não conseguir concluir os projetos somente com a capacidade potencial. Precisarão de habilidades como facilidade para envolver as pessoas e motivá-las a ter atitudes como persistência e autoconfiança. Porém, estes comos isolados não são suficientes para levar as pessoas às suas realizações se não houver a capacidade potencial adequada para enxergar complexidades à frente, para visualizar as inserções das decisões em contextos de diferentes dimensões, para ser capaz de vislumbrar - antecipadamente - alternativas a serem alocadas nos momentos de turbulências ou desvios de rota.

Enquanto muitos dos comos dos comportamentos podem ser aprendidos e modificados, o quanto - da quantidade de incertezas que conseguimos suportar como o horizonte de tempo à frente que conseguimos cogitar - é exatamente o que diferencia uma pessoa da outra.

Muitas vezes falhamos não por sermos "novos" ou "velhos", mas porque não conseguimos vislumbrar mais à frente do que os outros. Juventude não é sinônimo de maior capacidade. Velhice não é sinônimo de estagnação. Nosso poder de julgamento cresce ao longo do tempo, não na mesma velocidade e não para os mesmos níveis de complexidade.

Potencial nos organismos vivos tem a ver com a capacidade de olhar para o futuro e apontar para um resultado visualizado, ainda não tangenciado, mas que dirigirá nossas ações e projetará a necessidade dos recursos.

Este potencial exige recursos para se realizar: os comos. Estes comos podem ser treinados, despertados, instigados. Mas não está nos comos a explicação do que uma pessoa é capaz de fazer quando as condições são incertas e ambíguas. Nosso poder de julgamento frente a estas condições é que fará a diferença. Competências são recursos alocados. Mas não é nas competências que encontraremos as respostas para o que é potencial humano.

Competências foca o passado buscando em experiências anteriores os comos das pessoas. Porém, ao falarmos de construção do futuro, o aspecto distintivo é conseguir olhar para a frente e ser capaz de lidar com ambiguidades e incertezas que inevitavelmente surgirão. E novas competências serão necessárias.

Crescer em potencial

Infelizmente, muitas organizações ainda se baseiam suas análises de potencial no modelo da Matriz BCG do marketing (rebatizada de Nine Box quando em uso pelo RH), plotando pessoas nas coordenadas Potencial x Desempenho (fig. 2). Criam- se quadrantese colocam-se nomes ou números em cada quadrante. Ao se perguntar qual o potencial das pessoas no quadrante Alto Potencial x Alto Desempenho, a resposta é que as pessoas podem crescer dois ou três jobs. Ora, crescer em jobs não é necessariamente crescer em potencial, na medida em que diferentes jobs podem exigir o mesmo nível de capacidade potencial.

Figura 1: Talent Pool

Figura 1: Talent Pool

Figura 2: Matriz Nine Box

Figura 2: Matriz Nine Box

O modelo Work Levels ilustra insistentemente isto, ao definir cinco níveis máximos de complexidade de trabalho para uma unidade complexa de negócios (e até sete para algumas corporações). Dentro de cada nível existem diferentes cargos e funções que permitem uma carreira, mas não necessariamente mudança de capacidade potencial. Ao focar capacidade potencial, devemos olhar para o quanto. E, também, dar uma resposta para o quanto cresce o organismo, para que possamos planejar para frente

O modelo baseado na Matriz BCG (Nine Box) não oferece esta resposta. Na realidade, não se baseia em nenhuma teoria sobre potencial humano. Em geral, centra-se na percepção do desempenho, focado em competências. Mas nada nos diz sobre o quanto e o crescimento.

Assim, apenas classifica-se, mas não se compreende o que é distintivo das pessoas. Cometem-se injustiças.

Pessoas com o chamado "baixo potencial" e "alto desempenho", poderão ter sua capacidade crescendo em horizontes não percebidos pelo modelo, limitando suas carreiras.

Para ler mais: Jaques, Elliott. Social Power and The CEO. USA: Quantum Books. 2002

Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

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