Sobre o ‘dentro ou fora da caixa’

junho 25, 2020

[vc_row][vc_column][vc_column_text]Texto original de 15/08/2017

Pieron Reflexões

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Você sabe – claro! – que é mais do que comum o jargão ‘pense fora da caixa’. É fácil entender o estímulo que se quer passar para o ambiente de trabalho: pense diferente, encontre saídas criativas, não seja conservador, olhe para o que não é óbvio; enfim, inúmeros direcionadores, que têm claramente seus méritos.

Mas o que se quer dizer com ‘caixa’? Aplicado a pessoas, ‘caixa’ quer dizer, no biológico, o seu corpo, no mental, suas capacidades e no social, o impacto no ambiente que seriam capazes de produzir. No ambiente organizacional a ideia de ‘pensar fora da caixa’ envolve também um estímulo para as pessoas se liberarem das ‘amarras’ das relações formais em favor da liberdade da expressão criativa de cada um. Creio que ninguém discorda disso. Quando falamos, porém, de tomar decisões que comprometerão recursos da organização, a coisa toma outra forma. Como o sistema de decisões de uma organização segue (ou deveria seguir) uma relação ótima entre accountabilities e autoridades, alguém, em última instância, fará o filtro do que é aceitável considerar ou não dos ‘pensamentos fora da caixa’ que foram trazidos. Afinal, grupos não tomam decisões, mas participam da produção de ideias e planos. Alguém tomará a decisão final, comprometerá os recursos disponíveis para construí-la no tempo e assumirá as suas consequencias. Interessante, no momento da decisão, estou ‘dentro ou fora da minha caixa’? Quantas e quantas decisões são consideradas fracas, ou interessantes, ou apropriadas? Só saberemos qualificá-las algum tempo depois de tomada, algumas vezes, anos a frente! E, talvez, nem nos lembraremos da relação entre ‘caixas’ e as decisões tomadas. Ou sim, lembraremos? Daí que…

Não existe ficar fora da caixa!

Essa parece ser uma afirmação contraditória. Para esclarecê-la é necessário assumir alguns princípios, tanto da natureza humana quanto da natureza das organizações de trabalho. A relação entre esses dois aspectos (pessoa e organizações) é o contexto para se pensar a respeito. Senão, vejamos. Na perspectiva da natureza humana, pensar fora dos limites do meu biológico e mental é uma impossibilidade. Uso, aqui, as referências de Maturana, um dos maiores pensadores cognitivos das últimas décadas. Segundo ele, nosso sistema pessoal é, de um lado, ‘fechado’ e, de outro, mantém interações com o meio. O meio desencadeia mudanças no meu sistema pessoal. Contudo, o meu sistema pessoal aceita somente aquelas mudanças que o meu próprio sistema é capaz de suportar. Assim, mudo em função das minhas condições estruturais, reorganizando-me de modo a manter a minha coerência. Você sabe disso: quanto aproveita ou aproveitou de ideias e conceitos muito diferentes e que não ‘cabiam’ na sua caixa? Quantos conselhos ou feedbacks você já recebeu, mas somente muito tempo depois os reconheceu (mas não naquele momento)? As organizações e suas interações com o ambiente também funcionam assim. O meio produz suas mensagens e dissonâncias, e as organizações reagem conforme suas ‘caixas’ são capazes de assimilar, reagir ou se reestruturar.

Então, do que se trata?

Veja está famosa frase de Einstein: “Penso 99 vezes e nada descubro. Deixo de pensar, mergulho no silêncio e a verdade me é revelada”, aí vejo a questão da ‘caixa’. Está dentro da pessoa o que quer que ela possa acessar. Não teremos as mesmas ‘verdades’ de Einstein, mas as nossas, das nossas caixas. E por essas verdades imagino e entendo que sejam soluções criativas, perspectivas diferentes, ideias e intuições sobre novos caminhos. Se for o ‘sair da caixa’, talvez seja então permitir-se explorar os limites da sua caixa. Você está explorando os limites da sua ‘caixa’? E quais são esses limites?

Nossas ‘caixas’ fazem upgrades ao longo do tempo, mas não de hoje para amanhã.

Há conceitos que ajudam a pensar sobre os limites. Um deles é o da nossa capacidade potencial. Imagino que todos aceitam que há diferenças entre as pessoas enquanto capacidade para lidar com variáveis mais ou menos incertas, mais ou menos ambíguas, como também para decidir em graus maiores ou menores de incertezas e antecipando o futuro. Também imagino que podemos olhar nossa história e perceber que ‘nossas caixas’ fizeram ‘upgrades’. Sua caixa lhe ajudava a assumir certas perspectivas, compreensões, ímpetos criativos para alguma coisa quando você tinha 20 anos. Hoje, digamos, com 45, você é capaz de tomar perspectivas diferentes, aumentadas. Esse é o modelo de Jaques e os Work Levels. Também Kegan traz um modo parecido de compreender o desenvolvimento humano por estágios. Há estágios em que nossa mente é ‘socializada’, há estágios em que nossa mente é autoral, há estágios em que é transformacional. Segundo ele, também crescemos, mas nem todos para os dois últimos níveis. Escuto de vários gestores: “eu estresso meus liderados e eles respondem ainda melhor”. Aí digo, “ah, então você os colocou em flow”!

O que fazer com a ‘caixa’?

Na perspectiva do trabalho em organizações precisamos considerar ao mesmo tempo a pessoa (e sua ‘caixa de capacidade’), a estrutura organizacional e a liderança gerencial. Quando existe um bom encontro entre a complexidade do trabalho a ser desenvolvido e a capacidade das pessoas, a experiência que temos é de flow (hoje um conceito um pouco mais conhecido, embora não tão levado a sério pelas organizações). Se você tem este bom encontro e também valoriza a natureza do trabalho a ser desenvolvido, então, provavelmente você estará com as condições de explorar os limites da sua caixa e contribuir pela motivação intrínseca, com a plenitude da sua criatividade e boa vontade em favor da realização do trabalho. Provavelmente surgirão de modo natural, ideias e insights, porque você nem está estressado por uma complexidade maior do que a sua caixa, e nem menor. Assim, enxergará as melhores decisões, descobrirá caminhos alternativos, conseguirá desvencilhar-se dos esquemas racionais do pensar e ‘olhar para dentro e ouvir’ seus insights (ou julgamentos), já que não há sentimento de insegurança, dúvidas ou preocupações que pudessem bloquear o fluxo natural da sua relação com o trabalho.

No trabalho, o que dificulta explorar os limites da minha caixa, ou estar em flow?

Além da relação acima, entre complexidade da função e a capacidade da pessoa, as políticas, sistemas gerenciais e liderança recebida afetam a sua condição de flow. Se os sistemas não são percebidos como justos é menos provável que as pessoas se sentirão plenamente engajadas em oferecer mais do que é pedido. Se a liderança não percebe que as pessoas estão fora de flow, e nada fazem por isso, para que pedir que pensem fora da caixa se elas nem mesmo têm a possibilidade de explorar os limites das suas caixas? Em muitas pessoas aparecerão insights: onde mais eu posso buscar uma condição de me sentir realizado com o meu trabalho (isto é, usar a minha caixa plenamente)?

Também, se a estrutura é ‘antirrequisito’, isto é, tem níveis desnecessários, haverá sobreposições de níveis e isso limitará a possiblidade de ter as pessoas em flow. Se a liderança não é de confiança mútua, haverá mais controle, ou haverá uma experiência de falta de clareza no trabalho. Se a liderança é de confiança mútua e flow, então haverá espaços para se valer da criatividade e do sentimento de autoria para aceitar riscos, para usar sua criatividade, e outros recursos ‘ainda não atualizados da sua ‘caixa’.

De quem é a responsabilidade?

Se o jargão ‘pense fora da caixa’ é entendido dessas maneiras, a responsabilidade é da liderança – que é produtora e sofredora das consequencias do ter as pessoas em condições de realizar seus plenos potenciais. Uma liderança fora de flow não gera confiança, e não gerando confiança quer controlar ‘as caixas’ de cada um ou não consegue fazer com que as pessoas tragam suas contribuições no limite do possível. Estar ou não em flow é uma decisão que as organizações tomam. As ‘caixas’ pertencem a cada pessoa. O que eu faço com minha decisão é escolha minha. Nas organizações, a minha decisão nem sempre estará baseada na boa vontade de contribuir no meu melhor. Não porque eu não queira, mas, sim, porque o espaço das possibilidades não estará de acordo com o que posso realizar atualmente. E se isso continuar, as frustrações aumentarão.

As pessoas, ainda segundo Jaques, têm alguns ‘direitos’ no trabalho. Um deles, fundamental, é o direito de ter sua capacidade plenamente aplicada, porque traz um sentido de realização e respeito. Afinal, pessoas não são ‘caixas’ como objeto e, sim, sujeitos em movimento, sempre em direção ao futuro. Poderemos fazer muito se conseguirmos trazer esses movimentos cooperando para algum bem coletivo, incluindo a realização pessoal, ajudando cada um explorar e contribuir nos limites de suas (se assim quiser chamar), ‘caixas’. Pedir que as pessoas funcionem fora das suas ‘caixas’ pode ser um pedido impossível de ser realizado. Trazer novos insights, criatividade ou novas respostas é o modo como ‘descobrimos o que ainda não conhecemos de ‘nossas caixas’. Muitas vezes teremos boas surpresas![/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

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