Escolher com quem trabalhar é uma das decisões gerenciais fundamentais. Os custos com processos seletivos podem variar de 3 a 10 salários, dependendo do nível da função envolvida. Mas os custos não envolvem apenas os processos de recrutamento e escolha. Os custos de uma demissão são ainda mais vultuosos, abrangendo o tempo investido no onboarding, em treinamento, integração cultural, decisões frágeis, e por aí vai.
O intrigante aparece quando consideramos, de um lado, os custos tão elevados do processo seletivo e, de outro, o pouco tempo investido, infinitamente pequeno, no processo de escolha. Compare tal decisão com o tempo de espera para aprovar um investimento num projeto.
Por exemplo: vamos assumir um custo médio de seleção para um cargo de média gerência como R$ 100.000,00. Agora vamos considerar o tempo investido na interação com dois ou três candidatos para tomar a decisão de contratação: entrevistas com recrutador, com RH, com o gestor responsável pela vaga e com pares, e por vezes um painel gerencial, entre outros. Tempo total de talvez 5 horas? Já li estudos que dizem que a decisão sobre uma pessoa ocorre nos primeiros 15 minutos de uma entrevista, que às vezes dura trinta, uma hora ou mais...
A pergunta é: quanto tempo a empresa tomaria para decidir liberar um pequeno investimento de R$ 100.000,00?
Veja, quando contratamos alguém existe a expectativa de que tal pessoa gere algum tipo de retorno sobre investimento no curto ou médio prazo. Esse prazo para retorno cresce quanto mais o cargo tiver um impacto estratégico nas decisões de negócio. Agora, se considerarmos que uma empresa pode tomar várias decisões de contratação ao longo de um mês, talvez cinco de mesmo valor por mês, então a empresa estaria autorizando um investimento de R$ 500.000,00/mês, apenas com essas decisões de contratação. Tudo isso num intervalo de tempo bastante curto: apenas um mês.
Isso pode ser perigoso, mas é assim que os processos seletivos funcionam. Decisões de impacto no longo prazo são tomadas no curto prazo.
Bem, onde queremos chegar? Qual a validade dos instrumentos utilizados nos processos seletivos? Aqui vão algumas considerações.
Historicamente os processos seletivos fazem uso de avaliações de currículo, entrevistas, uso de testes (diferentes naturezas), processos grupais (também de diferentes naturezas), referências etc.. E qual é a necessidade de quem contrata? Uma pessoa é contratada para aplicar seus recursos para resolver problemas.
Quais problemas? Há duas categorias principais de problemas: problemas mentais, que envolvem avaliar as condições, gerar alternativas de soluções e decidir; e há problemas sociais, que envolvem integrar, gerenciar, conduzir uma equipe, negociar, cooperar etc.
E qual é a relação entre os instrumentos acima e o sucesso na função? Existem dois fatores que parecem ser os mais consistentes em diferentes estudos: capacidade mental e competências, com poderes preditivos entre 45 e 50% aproximadamente. Todos os demais fatores aparecem como menos significativos na relação com o sucesso na vida prática do trabalho: avaliações de conhecimento do trabalho, avaliação pelos pares, assessment centers, testes de inteligência emocional, anos de experiência, e caindo muito quando tratamos de referências, tipos psicológicos e traços de personalidade como extroversão, introversão, agradabilidade etc.
Como pensar sobre o assunto?
Vou fazer um rápido comentário sobre instrumentos, me atendo aos mais populares e fazendo uma distinção entre o que entendemos por avaliações estáticas vs. avaliações dinâmicas.
Avaliações estáticas são aquelas em que a pessoa interage sozinha diante de alguma atividade, como testes de diferentes naturezas, de QI até questionários. Por que estáticos? Porque a pessoa não demonstra como poderia lidar com incerteza e falta de informação/conhecimento, considerar etapas à frente, situações típicas do ambiente de trabalho.
Os testes de QI sofrem fortes críticas desde o início dos anos 70. Sofrem vieses por algum tipo de conhecimento, experiência cultural ou acadêmica, além de trazerem os problemas cognitivos. Daí que surgiram múltiplas inteligências até chegarmos em, pasmem!, inteligência econômica e espiritual. Veja como nos distanciamos da definição clássica sobre inteligência que é a capacidade de resolver problemas! Lembrem-se também que, no mundo real, encontramos problemas mentais e os sociais...
Os questionários de “personalidade” não são, de fato, avaliações de personalidade no seu sentido estrito. Avaliações de personalidade seriam avaliações dinâmicas quando fossem utilizados certos testes consagrados na psicologia e que hoje já não são muito utilizados, exceto em alguns contextos específicos. Os inventários, que vieram para “simplificar” esse processo, também são avaliações estáticas. A pessoa é convidada e assinalar num questionário o que ela valoriza ou como ela se percebe. Assim, confunde-se preferência com competência.
Segundo, as avaliações dinâmicas. Ah, já sei, dinâmicas de grupo! Não, não se trata de “dinâmicas de grupo”, um termo tão mal-entendido como mal aplicado. Uma avaliação dinâmica envolve o tipo e qualidade de interação que uma pessoa estabelece com a outra. Um entrevistador de pesquisa de mercado, por exemplo, não faz uma avaliação dinâmica pois simplesmente coleta dados, sem ter que compreender a dinâmica por traz da preferência da pessoa entrevistada.
Dinâmica de Grupo é uma matéria da Psicologia Social, um termo introduzido por Kurt Lewin nos idos dos anos 1930/40. É compreendida por alguns referencias teóricos, como os de Wilfred Bion ou os Grupos Operativos de Pichon Rivière. Envolve acompanhamento de um grupo em ação de modo a captar a sua dinâmica por um coordenador treinado que observa e faz intervenções para que o grupo se desenvolva e amadureça como um grupo, o que requer tempo. Nos anos 80 e 90 os team-buildings ajudavam os grupos a aprender como elaborar e lidar com seus conflitos e dificuldades.
Assim, uma atividade em grupo utilizada em seleção não é dinâmica de grupo. Trata-se simplesmente do uso de técnicas de trabalhos em grupo - e são poucas, variando os tipos de exercícios: técnica de consenso, inversão de papéis e/ou debates entre duas partes, grupos sem líder, estudos de caso e discussões, só para citar alguns. É tão estático que existe alguém que “aplica” uma técnica e os observadores fazem suas inferências.
Talvez o principal problema dessa abordagem esteja no impacto que um determinado “evento” ou tipo de comportamento seja generalizado como uma capacidade e, pior, previsão de sucesso. E pode ser injusta com algumas pessoas. Numa entrevista a pessoas mais reflexiva pode mostrar qualidades que não apareceriam numa atividade em grupo. Contudo, a dimensão mental é a que tem maior relação com o sucesso no trabalho, maior valor preditivo.
As avaliações dinâmicas envolvem um entrevistador fundamentado em algum modelo que orienta a sua interação com alguém. Nesse sentido, duas bases de conhecimentos apontam para essa direção: o modelo efetivo por competências e modelo Work Levels®.
O modelo por competências (muito distante do simples “C.H.A.”) se propõe avançar na dinâmica que mobiliza uma pessoa a agir demonstrar suas competências enquanto descreve alguns feitos pessoais. Um entrevistador preparado estimula e capta as estratégias de ação e geração de resultados de uma pessoa, e as correlaciona com o modelo organizacional. O modelo por competências sugere uma boa correlação com o sucesso no cargo atual, mas não em relação ao futuro, já que olha para o passado e, no futuro, outras competências serão necessárias.
O modelo Work Levels tem na sua essência uma avaliação dinâmica que integra um modelo de olhar para a complexidade dos diferentes níveis de uma organização e a equivalente capacidade do trabalho mental de uma pessoa em relação às complexidades. É dinâmica porque a pessoa será convidada a descrever como funciona ou opera num processo sobre o qual ela não tem controle (como na avaliação estática) e a voltar-se para dentro de si mesma e, durante o processo, trazer como enxerga, como combina variáveis, como se organiza e planeja, como a incerteza é uma amiga ou inimiga, enfim, diferentes categorias de conversação. Um diálogo e não uma mera entrevista. Diferente do modelo por competências, o modelo Work Levels olha também para os padrões mentais e modos de reagir a diferentes temas que se relacionam com o mundo do trabalho. Também, é o único modelo com uma teoria e práticas confiáveis de olhar para o crescimento futuro da capacidade de discernir e julgar, que cresce ao longo do tempo para todos nós.
Escolher com quem trabalhar é uma responsabilidade gerencial. Nada surpreendente nisso. Por isso deve-se cercar de métodos e bons preditores que “conversem” o mais coerentemente possível com a dinâmica do mundo do trabalho. Assim, criamos condições para que as pessoas façam contribuições para criar e manter um ambiente socialmente saudável e produtivo. Bons investimentos e cuidado com os processos seletivos certamente geram retornos e quanto mais estáticas as avaliações, menor a probabilidade de sucesso.