Talent Pool ou 9 Box?

junho 2, 2015

Em junho de 2009, escrevi e o artigo que deu origem a este post: Comparações entre o Talent Pool® e o 9 boxJá era evidente, naquela época, o crescimento na utilização do modelo 9 box por muitas organizações. E esse crescimento não parou nesses seis anos que se passaram. Hoje, arrisco dizer que, se você está envolvido com gestão e recursos humanos, já ouviu falar do modelo e, talvez, já tenha até sido objeto dele.

Ironicamente, parece que, quanto mais se usa o 9 box, mais manifestações de interesse recebemos, no Instituto Pieron, com relação ao Talent Pool®, nosso modelo de gestão da capacidade humana instalada em uma organização. Nossa experiência é de que o Talent Pool® dá as respostas que os praticantes do 9 box procuram, mas frequentemente têm dificuldades de obter pelas limitações inerentes ao modelo. Alguns de nossos clientes, ao trabalharem conosco, optam por utilizar o Talent Pool® para “alimentar” o 9 Box, enquanto outros, acabam adotando o Talent Pool® como seu único modelo para gestão de capital humano.

Mas não saltemos diretamente às conclusões. Um dos pedidos que sempre nos fazem, quando estamos explicando nosso modelo de trabalho, é se poderíamos fazer uma análise comparativa entre o Talent Pool® e o 9 Box (ver Quadro I abaixo).

Quadro I
Quadro I: Talent Pool vs Nine Box

Responder a isso requer cuidado e qualquer análise precisa ser criteriosa. Para tanto, elejo alguns critérios de comparação, que serão discutidas livremente neste post:

  • Forma de organizar a informação e visualizar as dimensões do capital humano instalado para permitir seu gerenciamento
  • Definições claras: Bases teóricas, validade e conceitos definidos, em particular a respeito de potencial (envolve grau de cientificidade, pesquisa, validade, bibliografia), e aspectos metodológicos
  • Diferenciação de outros conceitos tais como talento, competências, desempenho, tipologias
  • Tratamento dos resultados: Justiça na forma do tratamento do humano e grau de compartilhamento dos resultados com os interessados (os avaliados)
  • Metodologia e a sua possibilidade de replicação, considerando a utilização por diferentes pessoas obtendo resultados semelhantes
  • Integração com decisões estratégicas
  • Contribuição para decisões gerenciais e alocação de recursos para investimentos

Porque fizemos nossa opção pelo modelo Work Levels® e pelo Talent Pool®

Antes de entrar na comparação entre os modelos, é importante destacar que o Instituto Pieron fez sua opção estratégica pelo modelo Work Levels® há quase 20 anos. Este modelo integra, numa mesma linguagem, níveis de complexidade de trabalho e a estimativa da capacidade potencial (atual e futura) com a composição do Talent Pool®. Porque fizemos esta opção? De um lado, por nos dar definições específicas e com validade de longo prazo. De outro, por propor uma linguagem que foge da psicologia e dialoga diretamente com a estratégia.

Também porque o modelo Work Levels® se propõe dar respostas para perguntas de CEOs, tais como:

  • Quem cresce, em que direção cresce, em quanto tempo cresce?
  • Temos sucessores para diferentes níveis na organização? Quem e em quanto tempo?
  • Dos jovens contratados, quais têm a perspectiva de uma carreira ascendente?

Outro motivo da nossa opção por esse modelo é a definição precisa do que se entende porcapacidade potencial – veja, capacidade e não apenas o termo potencial. Por quecapacidade? Do inglês, capability. Tem a ver com os recursos inerentes de cada pessoa para lidar com a complexidade. Complexidade envolve diferentes dimensões. Uma delas é um trabalho mais e mais abstrato – as questões do ambiente externo tornam-se cada vez mais relevantes. Também envolve variáveis diferentes, as taxas de mudança dessas variáveis, combinações e recombinações imprevistas entre elas, antecipações de consequências. Implica em envolver-se mais com o desconhecido do que com o conhecido. Implica na construção do futuro. Envolve discernir e julgar em face da ambiguidade e incerteza.

Fizemos essa opção também porque o conceito de capacidade potencial que usamos é cientificamente validado por pesquisas longitudinais em horizontes de tempo diferentes, algumas por quase 20 anos. Ainda mais, porque este conceito de potencial distingue-se de outros muito comuns, quase que commodities, tais como inteligência, personalidade, atitude, tipologias, competências, experiência, conhecimento e que não refletem “o que uma pessoa é capaz de fazer quando não sabe o que fazer”.

Finalmente, porque o modelo Work Levels® oferece um contexto para se falar de potencial; isto é, quando falamos de potencial especificamos potencial para quê, para quais níveis de complexidade de trabalho, tanto para agora quanto para o quando no futuro. Sim, estimativa futura, para que a demanda por sucessão seja também contemplada no planejamento estratégico.

Comparando os modelos

1. DIFERENÇAS NA REPRESENTAÇÃO DA INFORMAÇÃO

Olhando-se o 9 box por meio das práticas dos outros e também pelo nosso contato direto em projetos de consultoria, identificamos algumas dificuldades bem específicas. A origem do 9 box não é precisa. Lembro-me quando ainda na Rhodia (anos 80) utilizávamos o termo 4 box, provavelmente oriundo da matriz BCG – Boston Consulting Group. Este modelo olhava produtos em suas dimensões crescimento do mercado e participação de mercado e classificava como vacas-leiteiras aqueles produtos que desfrutavam de alta participação em mercados de baixo crescimento. Ou seja, requeriam baixo investimento e, consequentemente, geravam bastante caixa.  Produtos estrelas, por outro lado, requeriam altos investimentos com um potencial de retorno igualmente alto, pois desfrutavam de alta participação em mercados em franca expansão. E assim por diante. Os produtos com baixo retorno e baixo investimento seriam desativados. O paralelo com o 9 box se faz nas dimensões participação de mercado versus desempenho e crescimento do mercado versus potencial.

As poucas citações em publicações em torno do 9 box, por exemplo neste livro de Ram Charam, sugerem seu uso, mas não tratam das origens, teorias, pesquisas, fundamentos conceituais. Pesquisando na internet você lerá sobre os boxes a serem preenchidos, mas nunca sobre os conceitos.

A observação visual (Quadro I acima) mostra diferenças importantes. O Talent Pool® tem como base o modelo Work Levels®. Esse modelo integra numa mesma linguagem níveis de complexidade de trabalho e a capacidade potencial das pessoas. À esquerda, sete níveis de complexidades. Os cinco primeiros, necessários e suficientes para um negócio complexo. Sete para corporações. A capacidade potencial atual de uma pessoa é representada por um ponto nas curvas. As curvas mostram os diferentes padrões de crescimento da capacidade potencial para diferentes horizontes de tempo. São padrões longitudinalmente pesquisados e validados. Na coluna da direita correlaciona-se a estrutura organizacional com os temas de complexidade (apenas um exemplo, pois títulos e complexidade nem sempre guardam relação direta).

Desta maneira o Talent Pool® organiza e apresenta a relação entre capacidade atual e futura das pessoas como o ambiente de cargos da organização. Olha-se para o hoje e olha-se para o futuro num mesmo modelo. Tem-se aquilo que é essencial numa análise de potencial: potencial para quê (conduzir qual complexidade de trabalho hoje e no futuro) e para quando (em quanto tempo no futuro). O 9 box relaciona potencial (alto ou baixo) com o desempenho (alto ou baixo).

2. DEFINIÇÕES CLARAS

O 9 box utiliza as variáveis – potencial e desempenho – já comentadas acima. Se, didaticamente, eliminarmos a variável desempenho do campo visual de quem está fazendo a avaliação e solicitarmos “vamos falar apenas de potencial”, há paralisia. Essa paralisia – entendo eu – se deve ao fato de que não há uma definição de potencial proposta neste recurso classificatório. Potencial, muitas vezes, é explicado como “condições de avançar um pouco mais”, “subir um ou dois níveis” etc. Isso não é uma definição clara de potencial, mas refere-se apenas à uma projeção ou previsão.

Ainda assim, há a questão da confusão entre cargos e complexidades. Diferentes cargos podem estar num mesmo nível de complexidade, embora um mais alto que o outro. Exemplos? Trainee, analista júnior, analista pleno, analista sênior, especialista, supervisor, coordenador, chefe de processos – todos podem estar num mesmo nível de complexidade. Permitem a evolução, uma carreira, mas sem alterar o tema de complexidade e, consequentemente, demandando a mesma capacidade potencial, embora para assuntos diferentes (conhecimentos, habilidades, gestão de pessoas, competências específicas).

A paralisia também se deve ao grau em que o desempenho influencia a percepção do potencial. O desempenho indica que a pessoa está usando toda ou parte de sua capacidade potencial atual. Mas nada nos diz do futuro. Portanto, o desempenho não necessariamente implica em que todas as variáveis da capacidade potencial das pessoas estão ali presentes. Mas, e o mais complicado, é que, pessoas com estilos pessoais muito diferentes e mais valorizados pelas organizações podem ter seu potencial “aumentado” mais do que o de outras pessoas, por características tais como “energia”, motivação, facilidade de comunicação e participação, trânsito interpessoal, autoconfiança etc.

O Talent Pool® baseado no Work Levels® propõe-se a discutir potencial única e exclusivamente a partir de um conceito de potencial. Deveria ser óbvio, mas na prática não o é. Pelo Work Levels® entende-se que cada nível de complexidade envolve graus de incerteza cada vez maiores nas decisões. A capacidade potencial é avaliada em relação a esses graus de incerteza. Os work levels são como os graus do termômetro. A pessoa seria representada pelo mercúrio numa daquelas posições. Não temos isto no 9 box.

3. O PRESSUPOSTO CIENTÍFICO DE MEDIÇÃO E DIFERENCIAÇÃO CONCEITUAL

A frase “Não se pode gerenciar o que não se pode medir” é frequentemente (e erroneamente) atribuída a Deming. Na verdade ele classificava como um pecado mortal gerenciar uma empresa baseado apenas em indicadores visíveis. De qualquer forma, quando trazemos a questão de medição e indicadores para o âmbito do potencial, podemos dizer que:

  1. Uma medida de potencial contribui para e favorece seu gerenciamento;
  2. Se não definirmos o que é potencial, não podemos medi-lo; e
  3. Se não podemos medi-lo, não podemos estimá-lo ou projetá-lo (e podemos ter maior dificuldade de gerenciá-lo).

O valor de apreciações científicas na decisão a respeito de pessoas é proporcional ao impacto que más decisões têm sobre as carreiras e sucesso profissional de cada pessoa. Ao se falar de investimento, decisões atuais, custos, gastos, desperdícios, o que sempre envolve pessoas, não é difícil calcular os custos com decisões erradas. O não uso de conhecimentos científicos pode ser interessante para as políticas internas, mas não se justifica ao longo do tempo.

A ampla confusão de conceitos em torno de pessoas, muitas delas oriundas da própria psicologia, requer mais rigor. Conceitos imprecisos tais como inteligência, aptidões, personalidade, já se mostraram sem correlação com o sucesso na vida do trabalho (ver McClelland). Isso gerou a proliferação de inúmeras outras “inteligências”. Conceitos como personalidade igualmente repetem as mesmas imprecisões e dificuldades de uso. Mais recentemente, a mesma doença da imprecisão e uso superficial acomete as “competências” (ver Fernandes e Comini). Não existem estudos confiáveis que mostram relações fortes entre esses conceitos e vida prática de resultados (ver Spencer & Spencer). O termo talento é utilizado indistintamente. Afinal, o que é talento? Talento é o potencial? Talento já é um desempenho excepcional? Algumas empresas utilizam o termo talento como referência a todos profissionais que ali trabalham, como forma de tratamento!

O Talent Pool® fornece informações categorizadas para uma avaliação da capacidade humana instalada e projeções para funções futuras especificadas e diferenciadas, e uma imagem da distribuição dos recursos humanos no conjunto da organização, o que é integrado com a estratégia organizacional e de recursos humanos. O 9 box não especifica nem o conceito do potencial nem expressa visualmente o tamanho do potencial. O Talent Pool® não coloca potencial na vertical – coloca temas de complexidade sugerindo, então, potencial para quê. E não coloca desempenho na horizontal. São objetos diferentes, olhares diferentes. Quero dizer, quando se avalia o potencial, avalia-se o potencial!

Via Work Levels® diferenciamos capacidade potencial de conhecimento, experiência, habilidades e outras dimensões comportamentais, desvinculando essas como explicação daquela. Faz sentido. Podemos ter capacidade potencial e não ter experiências ou conhecimentos acumulados. Isso é óbvio. Não há porque confundir. A ideia da capacidade potencial como um elemento isolado nos permite compreender o valor em pessoas que não pertencem aos grupos dominantes, ou que, por fatores educacionais e de oportunidade, não tiveram acesso à formação. Sim, pois o modelo Work Levels® é completamente isento de bias culturais, gênero, idade ou formação escolar. Também mostra os valores ocultos da empresa e o quanto podemos investir para ajudar as pessoas a transformar potencial em desempenho. O uso do desempenho no 9 box pode ser um desserviço na busca da compreensão da capacidade potencial se não for bem cuidada no seu uso e compreendida em suas limitações preditivas.

4. MUDANÇAS NO POSICIONAMENTO DAS PESSOAS DE UM ANO PARA OUTRO

Este é um dos pontos intrigantes, conforme visto em diferentes práticas. Num determinado ano algumas pessoas aparecem como “estrelas”. No outro ano, não! A pergunta é: Para onde foi o potencial? Curioso, não? Perdi meu potencial? Tinha e agora não tenho mais? O complicado é como explicar isso. A falta de definição clara é uma das explicações possíveis. A segunda são as variáveis das percepções dos avaliadores associadas às mudanças que ocorrem de um ano para outro, na liderança, nos contextos, nos recursos, nas motivações, entre outras. O que não é aceitável é que de um ano para outro a avaliação do potencial mude tão dramaticamente.

5. NECESSIDADE DE REPETIÇÃO DA AVALIAÇÃO DE POTENCIAL

Com base na questão acima, é prática das organizações refazerem suas estimativas de potencial a cada ano. O que justifica isso? Provavelmente as mesmas imprecisões já mencionadas. Assume-se que no ano que vem as pessoas poderão emergir de maneira diferente quanto ao seu potencial? Mudanças tão qualitativamente diferentes de um ano para o outro? Ou estamos falando de alguma outra coisa? Contudo, a questão é outra. A questão está na gestão do talento. Se identifico tal potencial, o esforço da organização estará em fazer com que este potencial se realize, e isso envolve tempo, gerar condições para o desempenho e gradual aumento das competências para se conseguir um desempenho mais e mais coerente com o tamanho do potencial avaliado. O Modelo Work Levels® não pressupõe reavaliações anuais. De fato, pressupõe uma, no máximo uma segunda – 5 anos à frente, porque está baseado em pesquisa e validado no tempo. Realizar o potencial é tarefa da gestão. Daí a importância do alinhamento e confiança conceitual da organização em relação ao que ela mede.

6. RISCO DE INJUSTIÇA NOS QUADRANTES CLASSIFICATÓRIOS E NA FORMA DE TRATAMENTO DO HUMANO

Os aspectos que afetam o desempenho são muitos. Elencamos alguns poucos: a liderança recebida; os recursos disponíveis; grau de autonomia definido; aceitação de riscos; confiança na relação líder-liderado; valorização do trabalho pela pessoa. Baixo desafio ou desafio exagerado para a capacidade potencial. Ausência de algumas habilidades específicas. Ausência de coaching pela liderança.

De outro lado, classificar pessoas como baixo potencial é contrário à própria natureza humana. Todos têm potencial para algum nível de complexidade. Como os níveis de complexidade são todos necessários para o bom andamento do empreendimento, cada pessoa terá algum potencial associado a algum papel a ser desempenhado no contexto de trabalho. Isso limita ainda mais a produção de feedback (adiante) e torna o 9 box um sistema fechado em si mesmo, já que perde sua ligação com um contexto claro de ação. Como a possibilidade de feedback fica baseada nas percepções dos envolvidos, como levá-los às pessoas e conversar com elas a respeito?

7. PROJEÇÃO EM HORIZONTES DE TEMPO À FRENTE COM BASE NO POTENCIAL PARA QUÊ

Classificar no box estrela (alto potencial e alto desempenho) significa o quê especificamente? Que todos ali são os futuros CEOs? Deveriam, não? Acontece que nessebox podemos ter um grupo de analistas, um grupo de supervisores, um grupo de gerentes, um grupo de diretores. Todos com alto potencial. Mas é o mesmo potencial atual? O mesmo potencial futuro? E crescerão para quais níveis de complexidade? Em quanto tempo? Nisso o modelo Work Levels® é extremamente específico: define os temas de complexidades de trabalho bem como associa a capacidade potencial – atual e futura – com alguns destes temas. A organização precisará apenas fazer a tradução da sua estrutura organizacional para dentro da linguagem Work Levels®, ou vice-versa.

Ao se projetar o 9 box na forma do Talent Pool® (veja as diferenças no Quadro I) a organização perde a possibilidade de especificar quantitativa e qualitativamente os potenciais para quê. O Talent Pool® permite especificar tanto a quantidade de talentos atuais para cada nível de complexidade. Também permite, num só modelo, projetar os movimentos futuros, para as diferentes complexidades, nominalmente se quiser, e diferenciando os prováveis padrões de crescimento. Ora, isso é único.

Pelo 9 box perde-se a possibilidade de análises do capital humano potencialmente instalado, pois todo o grupo é tratado em blocos. Por exemplo, se tenho um grupo de alto desempenho e baixo potencial, poderia agrupar todas essas pessoas num mesmo padrão de investimentos em desenvolvimento? O que dizer para um gerente industrial de alto desempenho e um supervisor de alto desempenho (ambos no mesmo box). Terão as mesmas políticas de investimento para desenvolvimento? As práticas de investimento devem considerar o potencial atual e a complexidade em que o potencial será utilizado. A questão é que a análise do potencial procura estar alinhada com políticas diferenciadas para o desenvolvimento de pessoas. Não podemos pensar na análise de potencial isoladamente. Ela deve gerar decisões gerenciais, de curto, médio e longo prazo. Assim, sua precisão assessorará investimentos.

O 9 box é conduzido no processo de people council. Isso presume que todos os envolvidos possuem a mesma base de compreensão, conceitos e evidências sobre as pessoas a serem avaliadas. O que não é verdade. Assim, na ausência de um conceito de potencial claro, o desempenho predominará. E, em geral, bem menos pessoas terão com o que contribuir. Além do mais, retira-se a responsabilidade do gestor por tal.

8. FEEDBACK AO AVALIADO

Partimos do pressuposto de que todas as pessoas têm, não só o direito, mas merecem o respeito, de saberem o que é que se pensa delas e saber como a organização compreende as possibilidades de seu desenvolvimento na organização. Envolve sua autoestima, sua carreira, seus projetos pessoais. Nossa prática com o Modelo Work Levels® é a de ser transparente. A primeira pessoa a conhecer sobre a apreciação de sua capacidade potencial é a própria pessoa. Isso gera confiança e apoio às ações de desenvolvimento posteriores.

Ainda assim, afirmar que uma pessoa tem baixo potencial é algo que não faz muito sentido. Qual é o padrão de relativização? Um CEO poderia ser classificado como baixo potencial? No modelo 9 box até poderia ser que sim, se a conclusão for que ele é umcareer level. Mas, no mínimo, é estranho. Capacidade potencial para ser um CEO é um recurso extremamente escasso na população. No Work Levels® ele continuaria provavelmente com seu potencial para ser um CEO, no mínimo, sem que isso queira dizer baixo ou alto. Ou seria classificado como alto desempenho e baixo potencial? Portanto, afirmar que alguém tem baixo potencial é impreciso porque, no mínimo, a pessoa tem potencial para continuar fazendo o que faz, ou um pouco mais dentro do mesmo nível de complexidade. Mais específico, no modelo Work Levels® o tamanho da função do CEO pode ser mensurada. Dependendo da estrutura do negócio, podemos falar de um CEO do “tamanho” work level IV, V, VI ou VII. E ao olhar no tempo de crescimento, podemos nos surpreender.

O 9 box é um sistema fechado. Por princípio concordo com Dutra que todo processo avaliativo que não gera feedback ao diretamente interessado tem dificuldades internas específicas: na cultura da avaliação, na confiança do uso dos recursos, na confiança dos resultados, na qualidade dos processos avaliativos envolvidos, entre outros. No limite, não agrega valor para a pessoa.

Isso significa que o 9 box não deva ser utilizado? Do ponto de vista das reflexões acima, só deveria ser utilizado na medida em que a organização assumisse uma definição específica de potencial que fosse, de fato, independente da questão do desempenho, pois isso tem a ver com o passado. Potencial tem a ver com o futuro. O ciclo de analisar potencial deveria ser um ciclo de analisar o potencial. Somente isso. Ainda assim, há que se ter um respeito pelas pessoas. Ao invés de baixo ou alto potencial, dever-se-ia tratar de graus de complexidades para a aplicação do potencial. Assim, cada pessoa teria o seu lugar estimado, atual e no futuro. Porém o 9 box não oferece recursos para se estimar o potencial para quê e para quando. Ambos – para quê e para quando – demandam teoria, conhecimento, pesquisa. Assim, há a possibilidade de se enriquecer o 9 box com conceitos, e cada box deveria ser recheado com informações do potencial para quê – a complexidade do trabalho. A combinação do Talent Pool® com o 9 box pode ser extremamente enriquecedora para a organização e para as pessoas (como já comprovado pela experiência com clientes).

Mas, e a questão do desempenho? Este é outro ciclo. Observar desempenho tem a ver com a identificação de lacunas que afetem a obtenção dos resultados. Tem a ver – em algumas organizações – com associar recompensas. Determinante para a gestão. Porém, o que explica o desempenho é, no mínimo, uma combinação entre capacidade potencial e, se quiser, competências (ou conhecimentos hábeis e valor, como preferimos utilizar). Os elementos explicativos do desempenho estão nos processos ou inputs que afetam o desempenho, e nas condições de acesso a recursos e coaching, de outro lado. Parece ilógico olhar para o desempenho sem discernir os elementos que o influencia.

9. ASPECTOS METODOLÓGICOS ENVOLVIDOS

Normalmente, enquanto prática, o 9 box não é replicável. Como alguém poderia usar sua experiência com uma organização para olhar pessoas de outra organização? Interessante este raciocínio. E o inverso? Uma pessoa de uma organização sendo avaliada em outra, com outras pessoas? Falaríamos de potencial de acordo com o tipo /cultura da organização? Seria possível ter uma metodologia estruturada que independeria do quanto conheço do histórico e do convívio com alguém? Se o 9 box propusesse uma teoria, conceito e procedimento de análise que pudesse ser transferido, teria uma metodologia de capacitação para diferentes pessoas e como seria isso? No que se baseariam, quais seriam os conteúdos de formação? Tudo isso sem tocar nas questões sobre validade ao longo do tempo, grau de coerência intersubjetiva dos avaliadores, verificações pré e pós-avaliação no tempo. Profissionais de uma organização levam o 9 box para uma outra. Mas o que é que estão levando de fato? Uma teoria sobre pessoas? Histórico de longos anos sistematicamente confirmados? Coerência entre avaliadores a ponto de justificar uma opção conceitual? Validade de longo prazo?

O modelo Work Levels® propõe uma metodologia validada de apreciação da capacidade potencial, indo além. Seus resultados são compartilhados e incluídos em ações de desenvolvimento. Busca-se que a gestão das pessoas aconteça dentro do conceito de flow – equilíbrio entre capacidade potencial e desafio do trabalho. A integração entre os temas – complexidade e potencial humano – aponta para as zonas de crescimento e os cuidados que a gestão deve ter para com o potencial delas. O gestor é responsável por desenvolver o potencial atual, pela prática do empowerment, em projetos que saiam da rotina e estimulem a geração de desafios que agreguem valor à organização e à pessoa, colocando seus liderados em flow. A estratégia de recursos humanos é responsável por cuidar do potencial futuro, mantendo diferentes bases de informações e linhas de investimento para a gestão dos talentos para os diferentes níveis de complexidade, pois todos são necessários. Não encontraremos o rótulo baixo potencial no Work Levels®. Afinal, a pergunta será sempre “temos potenciais para os diferentes níveis de complexidade de trabalho”?

10. O CONCEITO, A ESSÊNCIA E A SÍNTESE DAS DIFERENÇAS

O Sistema Work Levels® propõe um modelo por complexidade empiricamente desenvolvido por Elliott Jaques e Gillian Stamp, entre outros. Propõe um conceito de trabalho (discernir, julgar e aplicar conhecimento) e um conceito de capacidade potencial (julgamento diante de incertezas e ambiguidades). A essência da questão do julgamento como capacidade potencial é que envolve princípios de totalidade. Totalidade na apreensão da realidade externa, em dar significado a ela e gerar condições para estruturar ações no tempo – construir um futuro. Envolve agir, no sentido de decidir o que alocar, que recursos comprometer, e optar por uma linha de ação dentre várias possíveis. Totalidade também porque o julgamento envolve o todo da pessoa em ação. Julgar os caminhos envolve aspectos conscientes e inconscientes. E, como tal, julgamento sempre implicará incerteza, risco, e o diferencial da pessoa, que é o quanto de futuro consegue captar em seu significado de possibilidades, de acontecimentos e de eventos.

Envolve apreender o tempo em sua dinâmica evolutiva, essência do trabalho gerencial. A perspectiva de compreender o organismo em ação, sua capacidade para dar significado às possibilidades futuras tem muito mais a ver com as demandas do trabalho do que quaisquer traços. Veja-se, por exemplo, que, em momentos de crise, condições de incerteza emergem e, com elas, a falta de experiência anterior com estas condições. Ao mesmo tempo, gerentes e executivos precisam continuar tomando decisões. E traços não explicam estas capacidades potenciais para lidar com condições tão adversas e demandantes de decisões. Ora, estas qualidades em nada são estranhas, como por exemplo, nota Bernstein: “…Mas em que extensão confiar nos padrões do passado para dizer como será o futuro? O que mais interessa quando estamos frente ao risco, os fatos tal como os vemos ou a crença subjetiva que está escondida no vetor do tempo?”

…Mas em que extensão confiar nos padrões do passado para dizer como será o futuro? O que mais interessa quando estamos frente ao risco, os fatos tal como os vemos ou a crença subjetiva que está escondida no vetor do tempo?— Peter L Bernstein

Não há referências a conceitos no 9 box. Há, apenas, uma lista de traços que devem ser encontrados nos “altos potenciais”. Os traços tratam dos efeitos de algo. Mas a lista de traços não reflete qual é o conceito. E por serem traços, estarão sujeitos a múltiplas interpretações, pois para cada traço será necessário um esclarecimento mútuo dos envolvidos do que se quer dizer por eles. Aproximamo-nos bem mais das opiniões do que do conhecimento. Um conceito objetivamente formulado permite apreender um evento, em sua singularidade. Traços geram categorizações, muitas vezes de naturezas tão diferentes, que se distanciam enormemente da natureza do fenômeno. Um exemplo (ver Ram Charam): “altos potenciais aspiram a oportunidades de alto nível”; ou “têm uma perspectiva de negócio além do seu nível atual”; ou “normalmente trabalham na construção de novas habilidades ou destrezas”; ou “demonstram habilidades técnicas e profissionais que são amplas”. Vejam as imprecisões: qual é o tamanho do alto nível? Qual é a amplitude da perspectiva? Porém, a pergunta sempre será: Tendo estes ou alguns destes atributos, em que nível de complexidade de tomada de decisões esta pessoa estaria capacitada?

Uma das críticas ao modelo Work Levels®

Um dos pontos que em geral temos que confrontar é a crítica ao determinismo do Talent Pool®, em especial às curvas de desenvolvimento. Ainda nos EUA, Elliott Jaques tomou o cuidado de submeter sua teoria a um conhecido escritório de advocacia para que se pronunciasse sobre o quanto sua teoria seria “antidemocrática”. Nenhuma objeção foi colocada. Contudo, valem alguns comentários a mais. A hipótese determinista não se aplica, pois o conceito determinista sempre envolve conhecer as condições pelas quais podemos influenciar e modificar um evento. Assim, ser determinista seria conhecer que ações externas eu posso fazer e que levarão uma pessoa a se comportar ou se desenvolver “do jeito que eu quero ou desejo”.

A teoria de Jaques não é determinista. Ele mesmo afirmava: “Esses são os dados que tenho em mais de 30 anos de pesquisa”. Fala desde uma perspectiva científica. Ser determinista é muito parecido com a teoria behaviorista ou skinneriana. Nesse modelo consigo associar estímulos ou reforços para alterar o comportamento. As organizações praticam isso, associando recompensas, remuneração, investimentos em treinamentos, MBAs, e tantos outros mais. Ainda assim ouvimos queixas e queixas sobre o quanto estes investimentos não geraram os retornos esperados em termos de performance mais elevada das pessoas no conjunto dos investimentos.

Esses são os dados que tenho em mais de 30 anos de pesquisa.— Elliott Jaques

Embora a resposta pareça óbvia, cabem comentários. Os investimentos devem estar associados ao desdobramento da capacidade potencial e às expectativas de desempenho alinhadas à capacidade potencial e aos desafios de complexidade de trabalho. Do contrário, trataremos todos como uma grande massa amorfa. Isso é determinismo. Mas não se sustenta nos dados obtidos. Basta você mesmo olhar para a sua organização e buscar alguma correlação entre estes investimentos e aumento do potencial. Provavelmente encontrará em alguns casos. O que explica? A pessoa teve espaço para aplicar seu potencial? Creio que sim.

O Talent Pool® usa o termo desdobramento para mostrar o crescimento futuro do potencial. Mas não devemos confundir com desenvolvimento, o que envolve acumular conhecimentos hábeis, valores, atitudes, que nos ajudam a desempenhar. Aqui, a arte da gestão do talento se encontra com a retenção deles. Estas são ações controláveis pelo ambiente externo. Mas quem decide aprender é o organismo.

Potencial não é desempenho

Uma palavra final. Potencial, como a física, por exemplo, define, significa “energia não transformada em trabalho”. O que quero dizer com isso é que podemos analisar potencial simplesmente apreciando o potencial. Obviamente que no trabalho temos a pessoa em ação. Porém, ao se falar de futuro, não há porque considerar desempenho. De fato, potencial é a promessa de um desempenho futuro. Muito esforço organizacional deve ser conduzido para que o potencial se transforme em desempenho. Mas a importância estratégica de compreendê-lo (o potencial) é significativa.

 

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