A gestão centrada em valores

agosto 14, 2016

O tema valores tem conquistado maior espaço nas ciências sociais, no marketing, nas relações humanas e gerenciais. E irá canalizar ainda mais atenção se considerarmos a relação entre ‘valores’ e ‘tempo’.

De acordo com Schwartz (1992), o sistema de valores possui cinco destaques para defini-lo:

  1. os conceitos ou crenças;
  2. os comportamentos desejáveis;
  3. os que transcendem situações específicas;
  4. os que orientam a seleção ou avaliação dos comportamentos ou eventos e
  5. os que são hierarquizados por sua importância relativa.

Inúmeros estudos sobre o tempo, em diferentes culturas, apresentam padrões comuns e tendem a demonstrar que todos possuem uma orientação temporal para as ações e que estas influenciam as decisões (Bergadaà, 1990).

A combinação entre valores e tempo interessa à gestão. Elliott Jaques trouxe para o centro da Administração a dimensão do tempo, quando afirma que a liderança gerencial tem a ver com a capacidade de estender a visão ao longo do tempo. A liderança acontece pela capacidade de ‘visualizar muito antes’.
O ‘time-span’ com que as pessoas conseguem trabalhar não apenas influencia a perspectiva temporal como também o sucesso de cada etapa de um plano, pela capacidade de antever, prever e ter alternativas antecipadas de ação. Quanto mais longa a orientação temporal de uma pessoa, menos necessária se torna a recompensa imediata. É a condição da liderança em poder adiar a recompensa enquanto constrói caminhos para resultados futuros.

Jaques (1987) também destaca que a população ‘vive’ em diferentes ‘time-spans’. A grande maioria, cerca de 80%, focando horizontes entre um mês e um ano. Uma pequena parte entre um e dois anos e outra ainda menor entre dois e cinco anos. Somente uma quantidade ínfima de pessoas consegue visualizar horizontes acima de dez anos.

Gestão e valores

As competências têm sido uma ferramenta norteadora da gestão. Contudo, em geral, distorcidas por vários motivos: uso indiscriminado, escassez de consistência e persistência, despreparo da gerência, desconhecimento por parte dos demais, definições genéricas ou traduções literais, e transposição de uma empresa para outra, entre outros.

A gestão por competências não se tornará um paradigma administrativo no médio prazo. Já focar valores é consistente, pois os conflitos inerentes a eles são imediatamente perceptíveis (ainda que não o queiramos admitir). Não falamos dos valores “traduzidos” dos livros dos “gurus”, nem os que se tenta transpor de uma empresa para outra sem qualquer resultado.

Os valores determinam a direção para que se extraia o melhor da capacidade humana, seja para o comando do crime ou o comando de uma corporação. A diferença está nos valores.

A gestão centrada em valores exigirá muito dos gerentes. Ela envolve conhecer profundamente a empresa, as pessoas e a si mesmo. Como os valores envolvem sempre aspectos ‘inconscientes’, a presença do gestor nas microrrelações é fundamental, e a prática da coerência será o divisor de águas.

A gestão centrada em valores pressupõe uma liderança coerente, relações estáveis e de confiança, equilíbrio entre atenção, respeito e coerência nos valores, e um relativo grau de liberdade para a divergência e exploração do pensamento sem receios ou restrições. Finalmente, a construção de vínculos de longo prazo se sustenta bem mais na questão dos valores do que na de competências.

Valores e ‘time-span’

É muito significativo que a maioria das pessoas trabalhe num horizonte de um mês a um ano. Os políticos sabem e exploram muito bem isso. Suas promessas de transformações são sempre fenomenais no curto prazo. Às vésperas das eleições vemos ‘brotar’ obras. Porém, transformações de longo prazo exigem saber adiar recompensas e acreditar (coerência e confiança). Na gestão, porém, a maior parte das ações e da pressão organizacional acontece nos horizontes de curto prazo. Mas a liderança estará construindo padrões para o longo prazo.

A habilidade da gestão em compartilhar valores, em criar ambiente de confiança, em sustentar a coerência, é fundamental para trazer a cooperação e o envolvimento. Mais ainda, o alinhamento dos valores, das crenças, será a base para a geração das competências necessárias e, oportunamente, para descartá-las, se não servirem mais aos valores. O contrário é impossível. Nenhuma competência sobreviverá se incoerente com o sistema de valores.

Referências Bibliográficas

Bergadaà, M.  “The role of Time in the Action of the Consumer”. Journal of Consumer Research, 17, 3, 1990, p. 289-302.

Jaques, Elliott. “The Form of Time.” Cason Hall, USA, 1987.

Schwartz, S.,H. “Universals in the Content and Structure of Values: Theoretical Advances and Empirical Tests in 20 Countries.” Advances in Experimental Social Psychology, Zanna (Ed.), 25, 1992, p.1-65.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

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