Autodesenvolvimento

Culinária e feedback

Acabei de ouvir uma excelente entrevista com Seth Godin, um dos maiores nomes quando se fala de marketing e autor de mais de 20 livros sobre assunto. Não, este blog não é sobre marketing, mas houve uma passagem na conversa que me permite traçar um paralelo com capacidade humana.

Enquanto falava dos seus projetos de longo-prazo, Seth disse algo mais ou menos assim:

A melhor coisa sobre cozinhar – diferente de um projeto de longo-prazo – é que a atividade dura apenas uma hora e, no final, você tem sucesso ou fracasso.

Um dos pontos mais marcantes nas pessoas de alta capacidade é sua habilidade de trabalhar por longos períodos de tempo para realizar um determinado propósito e sem que haja feedback durante esse período. Veja bem que não estou necessariamente falando de feedback de um terceiro, mas sim do feedback da própria atividade. “Deu certo? Deu errado?” Imagine trabalhar por anos (ou até décadas) sem ter evidência se seu esforço produzirá os resultados desejados. É disso que estou falando.

Interessante ver exemplos de como pessoas de alta capacidade, que se engajam com projetos que somente produzirão resultados anos à frente, podem usar outras atividades para introduzir mais dopamina em suas vidas.

Mesmo quando é a nossa vida profissional – ou o que chamamos de “jornada de pública” – que demanda o máximo da nossa capacidade, pode ser bem saudável buscar flow com outras atividades de prazos bem mais curtos.

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Liderança

O filet mignon e a meritocracia

O CEO Brasil de uma multinacional que opera em terras tupiniquins foi surpreendido em sua última visita a uma das plantas da empresa. Quando deixava o refeitório – onde fez questão de almoçar como se fosse apenas mais um funcionário – foi surpreendido pelo supervisor de turno: “Seria ótimo se você viesse almoçar aqui todos os dias” – informou com ironia – “assim teríamos carne de primeira o ano todo” – concluiu.

Uma história parecida se passou com o CEO de uma mineradora canadense que tive o prazer de conhecer a cerca de um ano. Ao visitar uma das minas da companhia, percebeu que a tinta que cobria as paredes do almoxarifado e as faixas de segurança desenhadas no chão parecia fresca demais. “Será que haviam refeito a pintura e limpado todo o lugar apenas para me receber?”– pensou consigo mesmo.

Para alguns, isso pode parecer banal, mas casos como esses não deveriam ter lugar numa meritocracia. Uma característica marcante das meritocracias é que o único elemento que justifica o tratamento diferenciado de uma pessoa é o trabalho.

Numa meritocracia, o único elemento que justifica o tratamento diferenciado de uma pessoa é o trabalho.

Por exemplo, numa meritocracia as diferenças entre o trabalho de uma pessoa e de outra justificam o quanto elas são pagas. Por outro lado, tanto o CEO quanto o operador de empilhadeira deveriam ser sujeitados a exatamente as mesmas regras de segurança, como, por exemplo, vestir uniforme e EPIs quando transitarem por uma área de risco de acidentes. Ou seja, o sistema de cargos e salários deve – justificadamente – diferenciar as pessoas. Já os sistemas de segurança devem tratá-las precisamente da mesma forma – equalizá-las. Confundir sistemas de diferenciação e de equalização um com o outro faz com que as meritocracias adoeçam e se transformem em outra coisa.

Esse é um dos motivos pelos quais tantas organizações discursam sobre meritocracia, mas não levam suas próprias palavras a sério. Afinal, garantir que os sistemas de diferenciação sejam baseados apenas critérios diretamente ligados ao trabalho mexe com símbolos destatus que as pessoas aprenderam a valorizar.

Um cliente recentemente me contou da experiência de mudar o layout dos escritórios da sua empresa. Antes disso, os diretores tinham salas particulares com mesas de madeira enormes, de onde enxergavam suas equipes do lado de fora. Quando tiveram que se relocar, junto com seus times, para bancadas onde o analista e o diretor tinham o mesmo espaço, mesma mesa e mesma cadeira, houve uma enxurrada de indignação. Sempre por parte dos diretores, diga-se de passagem.

Então o CEO e o assistente de manutenção deveriam poder comer a mesma comida no refeitório da fábrica? Se a empresa tem como política fornecer refeição para seus funcionários e não há nada no trabalho do CEO e do assistente de manutenção que justifique uma alimentação diferenciada, sem dúvidas que sim. Alguns diriam que, se fosse para existir diferenciação, o almoço do assistente deveria ser o mais reforçado, já que seu trabalho tem uma demanda física muito maior do que o do CEO. Pelo menos numa meritocracia, as coisas deveriam ser assim.

Até uma rede de notícias dos EUA –  país que coloca a meritocracia como um dos seus valores fundamentais –  exala surpresa quando um CEO do outro lado do Pacífico elimina alguns sistemas e símbolos de diferenciação e come no refeitório como se fosse apenas mais um funcionário. Ele parece saber que, na hora do almoço, não é diferente de nenhum outro funcionário.

Transformar organizações em meritocracias não é trivial. Pense nisso.

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Capacidade, Liderança

Será que os programas de trainees estão entrando em declínio?

Em meio a conversas informais regadas a café expresso, noto que há bastante frustração com relação aos programas de trainees, tanto por parte das empresas que fazem esse tipo de investimento, quanto por parte dos jovens profissionais que decidem usá-los como meio de iniciar suas carreiras.

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Capacidade, Liderança

Por que você ainda pensa por competências?

Você já deve ter sentado num restaurante japonês tradicional. Deve ter passado os olhos pelo cardápio, cheio de nomes desconhecidos, e chamado alguém para ajudá-lo a decifrar os pratos. Talvez tenha encontrado um nome sugestivo ou um item que conseguiu identificar. Mas a combinação descrita por quem o ajudava não soou exatamente o que imaginava. O colega que lhe acompanhava gostou do que ouviu. Era isso mesmo o que queria. Você ainda não estava convencido. Continuava a folhear o cardápio e a ouvir as sugestões…

Muitas empresas optaram – e ainda optam – por modelos por competências para a gestão de seus funcionários. Um fenômeno observado há, pelo menos, duas décadas ou pouco mais. O conceito ganhou muita força com a publicação de Competindo pelo Futuro de Hamel e Prahalad, no inicio dos anos 90, que trata de competências organizacionais. No embalo da new wave, a tal “novidade” rapidamente se transpôs para a gestão de pessoas. Mas esqueceu-se que o modelo de gestão por competências foi formalmente introduzido por McClelland, nos idos de 1973.

No início da década vimos a publicação de um incrível catálogo que descreve algumas centenas de competências – um grande dicionário de consultas, “compras” e fórmulas de desenvolvimento. O problema estaria resolvido! O resultado até aqui é que as empresas dedicam grande parcela de tempo para identificar as competências essenciais.

Esse investimento de tempo parece fazer sentido quando reconhecemos que os desafios atuais para lidar com tarefas mais complexas a um ritmo acelerado sugerem que as pessoas precisam de uma variedade maior de competências. Também porque a existência de competências distintivas teria alguma relação com desempenhos excepcionais – 40 a 100% acima de média – e a promessa de um talent management eficiente traria altos retornos para a companhia, da ordem de 30% a mais em termos de produtividade (mais em The Workforce Scorecard e  Competence at Work).

Pensa-se, então, por competências, pois esse modelo promete elevados retornos para o negócio. Paradoxalmente, há inúmeros clientes que falam mais de frustração com o uso do modelo e, até mesmo, consideram deixa-lo de lado. Vejamos alguns dos aspectos que tem gerado mais insatisfação do que o contrário:

1. Problemas com a definição

No jantar, pode até ser que você não tenha compreendido tudo que havia no cardápio, mas acabou escolhendo um prato. Como você definiria o que é competência? Faça essa pergunta num encontro qualquer entre gerentes e verá que não há um entendimento comum entre as pessoas, nem mesmo entre o pessoal de RH. Sabemos disso pelo nosso programa básico de entrevista por competências conduzido há décadas, e também pelo nosso trabalho em consultoria. As repostas que você obterá tratarão desde habilidades até inteligência emocional, passando por expertise e uma mistura de experiências com conhecimentos. Fernandes e Comini já descreveram esse problema num estudo a respeito do tema. Quer um exemplo? Utiliza-se a ideia de “CHA” para se definir competências, esquecendo-se que não há como falar de competências sem falar de resultados e estratégias de alocação dos recursos pessoais. Isto é, as pessoas decidem (julgam) quando e como mobilizar seus recursos em função das condições enfrentadas. Voltando ao que dizia McClelland, competências descrevem determinadas estratégias de alocação de diferentes recursos de ação que levam a um desempenho superior num contexto específico. Isto é, capacidade de mobilizar recursos para lidar com situações e obter – com frequência elevada – resultados distintos, bem acima da média.

2. Problemas com as descrições de competências

Os problemas com as definições e entendimento avançam quando tratamos de descrever competências. Não deveria existir dissonância entre o entendimento de um profissional e do seu gerente com relação a uma determinada competência. As descrições tendem a focar os comportamentos visíveis; isto é, o que se deve fazer para alcançar os resultados: dirigir uma equipe, tomar decisões, realizar massivamente, mostrar confiança etc. Agora pergunto: como descrever tudo isto de maneira que seja generalizável? E as condições que mudam? Novas variáveis, diferentes reações das pessoas? Como resultado dessa tentativa de descrever competências, obtém-se um grande “tratado” que acaba sendo compartilhado com toda a organização na forma de rápidos workshops. Supõe-se pleno entendimento do modelo e sua aplicação, e recomenda-se que o mesmo seja utilizado na avaliação do desempenho e na identificação de “talentos”.

3. Listas de competências e modelos copiados

De quantas competências precisamos? Será que preciso de um cardápio tão amplo a ponto de me confundir? Queria apenas um jantar frugal e a companhia de amigos, mas agora fico com receio de não sair tão satisfeito como gostaria? Hamel e Prahalad trouxeram contribuições muito simples para olhar as competências das organizações e seus negócios, e chamo a atenção para três delas:

a.    Transferibilidade da competência para criar novos produtos;

b.    Dificuldade de imitação; e

c.    Adição de valor distintivo para o consumidor/cliente.

Quando falamos de gestão de pessoas, quantas competências satisfazem, de fato, os três critérios acima? Poucas. Mesmo assim, algumas organizações possuem listas com até 16 competências (às vezes mais!). Suas descrições frequentemente criam overlaps, tornando difícil interpretá-las individualmente.

Ainda assim, vejamos o seguinte critério: dificuldade de imitação. Por mais curioso que possa parecer, muitas organizações fazem benchmarking para “aprender” sobre o modelo de competências de outras empresas, ou usam consultorias que replicam e trazem modelos que foram usados em outras empresas. Veja bem, se deve ser distintivo, então o modelo de competências deve ser específico – diferente em si mesmo – e refletir seu alinhamento com o propósito e valores da organização. De quantas competências você e sua organização realmente necessitam para tratar daqueles aspectos core dos seus executivos, gestores e funcionários em geral? Difícil dizer. Teóricos falam de oito, seis, cinco… O que fazemos? Escolheremos um número mágico? Que tal sete? Afinal são sete chacras, sete dias da semana, sete notas musicais…

Também não podemos esquecer que, se existe um modelo, alguém deverá usá-lo para avaliar competências. E o trabalho é um processo dinâmico; isto é, as pessoas estão em movimento e o gestor não está o tempo todo ao lado de seus liderados observando comportamento por comportamento. Para onde o gestor deverá canalizar sua atenção? Será que uma lista enorme torna essa tarefa mais fácil? Ao ouvir a descrição do quinto prato japonês, já não me lembro mais do primeiro!

4. Diferenciação

As competências devem diferenciar bons dos “grandiosos”. E seu eu deixei de escolher um prato maravilhoso apenas porque não tinha ideia de quão saboroso ele seria ou porque a descrição apresentada não me agradou? Já comeu um prato aparentemente vegetariano e que o atendente se esqueceu de mencionar o “franguinho” no meio do arroz?

O modelo por competências deve apontar a direção da atenção, tanto do funcionário quanto dos gestores responsáveis por identifica-las em seus liderados. Além disso, competências distintivas serão observadas em apenas uma pequena parcela das pessoas, pelo próprio fato de serem (idealmente) distintivas. E, pior, serão difíceis de serem desenvolvidas, porque não são commodities, não são fáceis de “comprar”. Não é fácil descrever os comportamentos desejados já que os julgamentos das pessoas não estão sob controle dos textos e descrições. As pessoas sempre farão seus julgamentos sobre como seguir adiante, à luz das circunstâncias. Elas escolherão o que usar e como usar, guiadas por seus valores. Há ainda, o risco do one size fits all. Diferentes funções ou carreiras parecem exigir competências especificas. Diferentes diretorias podem exigir padrões de liderança específicos. Imaginem finanças e vendas; industrial e recursos humanos!

5. Integração das competências com o talent management

Você voltaria àquele restaurante japonês? Saberia dizer quais os cinco pratos top de lá? Sendo competências algo distintivo, o que mais elas podem dizer? Como serão integradas às práticas de gestão que vão desde a gestão do desempenho até remuneração, carreira, identificação de potenciais sucessores? São perguntas interessantes. O que é esperado que o gestor faça com o modelo por competências? Se competências identificam talento, a performance observável deve estar associada à identificação e reconhecimento do talento. Do contrário talvez estejamos falando de “potencial para”, o que também alimentaria os processos de movimentação e sucessão. Se competências têm alta relação com o desempenho (na verdade, ter competências “garantiria” alto desempenho), seria um bom indicador para o sucesso futuro, numa função maior, onde outras qualidades de competências seriam importantes? Será que o sucesso aqui sugere sucesso num plano maior de complexidade? Se uma competência se baseia no sucesso passado, também tomaremos o tempo necessário para avaliar as competências futuras?

Olhando um grupo de liderados e julgando seus desempenhos, o modelo por competências garantirá uma avaliação justa? Algo que aprendi na prática é que os gestores apoiarão todo e qualquer sistema gerencial que efetivamente os ajudem a alcançar seus objetivos de maneira eficiente e eficaz. Não pode haver dúvidas a este respeito!

6. Variedade (ou a falta de)

Outra discussão interessante é que, no geral, não vamos ao mesmo restaurante seguidamente. Gostamos da diversidade, da variedade, de sermos de alguma forma surpreendidos por um prato diferente, que nos leva a ter uma experiência singular. Os modelos por competência partem do pressuposto que os gestores sabem e conseguem expressar exatamente o que é desejável para a companhia. Quando modelos por competências são desenhados, as descrições frequentemente decorrem do passado, e acredita-se que essa repetição do passado garantirá a continuidade do sucesso e a realização do propósito organizacional. Paradoxalmente, muitas organizações falam em diversidade, mas olham para as pessoas por modelos predefinidos. Querem contratar jovens “talentos” – uma tarefa quase impossível – pois talento implica em competência, o que implica em desempenho exemplar já verificado. Um grande risco dos modelos por competências é limitar a forma como olhamos para as pessoas, para a diversidade e para as possibilidades. Tais modelos podem limitar também o descobrimento daquelas pessoas potencialmente muito capazes, mas que estariam em grupos algumas vezes não participantes do status quo ou dissonantes da cultura existente na organização.

7. Luz no fim do túnel?

Compartilhei experiências práticas e pensamentos que já não são apenas meus. Há propostas muito controversas – e também muito interessantes – sobre diferentes formas de apoiar a gestão. Não defendo esta ou aquela. O que faz sentido para um cliente ou empresa não necessariamente fará sentido para outras. Afinal, o compromisso estará sempre com a identidade de cada um à luz do propósito estratégico e do ambiente que se quer cultivar na organização. Por exemplo, a fórmula que Elliott Jaques utiliza para explicar um desempenho é:

D = f (CP x K/S x V x –T)*

* Leia-se: desempenho é função de capacidade potencial, conhecimentos hábeis, valores e ausência de traços negativos de temperamento. Adaptado de Requisite Organization.

Veja que a fórmula fala de capacidade potencial, conhecimentos hábeis para coisas e pessoas, valores e ausência de traços comportamentais que poderiam ser complicados demais para o trabalho com outros. Capacidade potencial significa, de alguma maneira, uma promessa de desempenho num trabalho que a pessoa valoriza fazer. Não há um foco em competências e, sim, na capacidade que a pessoa tem para julgar e discernir em condições de incerteza. É para isso que somos pagos.

O modelo de gestão que é intimamente associado a essa visão responsabiliza o gestor pelos outputs de seus liderados e entende que a atenção do gestor para julgar o desempenho dos liderados deve se concentrar no quão bem um liderado está fazendo aquilo para o qual foi contratado. Ou, de outra maneira, o quão comprometido está em usar o melhor de seus esforços para aplicar sua capacidade para produzir o resultado esperado com os recursos disponíveis e num tempo definido!

Também, deve-se considerar que não há como garantir que qualquer resultado previamente esperado possa ser alcançado conforme o planejado:

  • Não se consegue planejar as circunstâncias futuras, que são sempre imprevisíveis
  • Os liderados têm seus recursos alocados por seus gerentes, e não têm a autoridade para obter os recursos por conta própria

Assim, o liderado deve ter crédito pelo seu comprometimento em aplicar sua capacidade ao lidar com as adversidades e vicissitudes dos problemas e limitações que encontra ao conduzir seu trabalho. Isso é mais importante do que levar crédito pelos outputs, ou penalidades por atrasos ou por alguma dificuldade com os padrões de qualidade, que podem decorrer de elementos externos ao trabalho e fora da área de influência do liderado.

Finalmente, medidas de resultado tidas como “quantificáveis” e “objetivas” não são justas em função do que está explicado acima. Muitos dos bônus são definidos em função de outputs sobre os quais os empregados não tiveram pleno controle, gerando sintomas tais como suspeita e desconfiança entre líderes e liderados, ou trade-offs indesejáveis entre as partes.

Na fórmula acima destaco, por exemplo, valores, o que nos remete ao conceito de flow.

8. Desempenho e Flow

Somos guiados por valores. Acreditamos, e temos evidência em nós mesmos, que quando estamos com um trabalho que nos desafia, que valorizamos fazer, e sentimos que temos os recursos internos para lidar com ele, estamos potencialmente em flow. Flow é uma condição singular de pleno engajamento com o “o que fazer”, porque este “fazer” me realiza e agrega valor à organização.

9. Retenção

Finalmente, não há como reter talentos. Cada um de nós terá condições de produzir, realizar, criar e surpreender pelo pleno uso do nosso potencial individual. Para transformar potencial em desempenho, somos nós mesmos que fazemos as escolhas e dirigimos nossa atenção e interesse àquilo que sentimos que poderá nos realizar. As pessoas querem, desejam e buscam se realizar e, quanto mais podem canalizar seus recursos para realizações grandiosas, mais agregam valor para seu ambiente social, seja ele qual for.

Nem todos seremos os “Steve Jobs” da vida, mas naquilo que podemos ser, queremos ser muito bons. Assim, não há como reter “talento” nas organizações. Se o talento existe, ele está sob nosso controle individual e somos nós a escolher o que fazer com ele. As organizações têm a tarefa de criar ambientes e contextos para que o talento se expresse. Devem investir muito na capacidade gerencial para inspirar, identificar os motivadores intrínsecos das pessoas e para agirem como quem dá espaço e estimula a produção de boas surpresas. Não há retenção. Há a construção de um ambiente inspirador para que as pessoas se realizem e ajudem suas organizações a alcançarem seus propósitos. Afinal, você escolhe qual o restaurante que acredita ser bom para você, não?

10. Jogar tudo fora?

Não, naturalmente. Há usos interessantes dos modelos por competências. A seleção de pessoal é uma delas. Já que seleção por competências é umas das práticas que mais mostra correlação com o sucesso na vida prática (Spencer & Spencer), temos aí uma excelente aplicação dos conceitos, que pode agregar valor para a organização. Lembremos: competência olha para o que foi feito e extrapola as estratégias de sucesso para as necessidades imediatas de uma função a ser preenchida. Também aqui, as questões de definições, descrições e benchmarking de competências precisam ser consideradas. Entrevistar por competências é um processo de avaliação dinâmica (veja nosso outro artigo que fala de personalidade, inteligência, liderança e avaliações dinâmicas). Por isso, requer tempo. Não se compreende competências por meio de um “teste”. Envolve a competência do entrevistador, que deve ir além dos padrões e de senso comum de uma entrevista de emprego.

Aprender a respeito de competências pode ser muito útil nos processos de coaching que o líder deve conduzir com seus liderados. Sendo coaching um processo em que o líder procurará fazer com que o liderado explore todas as possibilidades de realização em seu cargo atual, o modelo por competências ajuda o gestor a conversar sobre as melhores estratégias para se alcançar resultados. Isso não necessariamente envolve replicar modelos predefinidos. Mas o modo de pensar sobre competências é útil para o gestor identificar em que temas colocar a atenção do liderado na busca de superar algumas deficiências.

O que temos aprendido é que existem o que chamamos de “competências de fundo” ou “subjacentes” associadas ao sucesso gerencial, a um desempenho diferenciado, à prontidão para decidir, tomar iniciativas e realizações que chamamos de “grandiosas”. Não são competências que podem ser descritas por meio de comportamentos. São padrões subjacentes, ou predisposições. Como estas predisposições não são modeláveis – pois são muito mais tácitas –identifica-las abrirá uma perspectiva muito interessante à medida em que há espaço para que elas se expressem no ambiente, sempre guiadas por valores. Em linha com os critérios de competências destacados no tópico 3, estas subjacentes serão muito difíceis de imitar, e criarão alguma diferença entre desempenhos “comuns” e os altamente diferenciados. O processo de coaching ou mentoring – conduzido por gestores – ajudará a dar direção para essas competências subjacentes, sem que isso se torne uma camisa de força associada ao modelo de como achamos que queremos ser. O que queremos ser sempre será um caminho sendo desbravado. Como não conseguiremos decodificar antecipadamente esse caminho, vamos contar com nossa predisposição para desempenhar, para liderar, para realizar. Esta predisposição, mais ou menos intensa em cada um de nós, é que precisa ser compreendida, cultivada e também ter condições de se expressar num contexto que não a restrinja.

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Complexidade, Estrutura

O ABC e a opcionalidade do Google

Ontem Larry Page anunciou uma reorganização no Google e a criação da Alphabet Inc., uma nova holding que consolidará todos negócios do grupo. O maior desses negócio é o próprio Google, que passa a ser uma subsidiária integral da Alphabet e passa a ter um CEO próprio. Outros negócios, que passam a ser irmãos do Google, incluem as iniciativas nas áreas de saúde, automação residencial, drones e investimentos.

Alguns comentários foram bem rápidos ao reduzir a reorganização a uma suposta tentativa de atender aos pedidos de investidores e analistas de ações, que sempre quiseram acesso a informações financeiras e operacionais de forma detalhada e segmentada. Soa como simplismo demasiado e o ponto essencial parece ter sido ignorado: o Google quer preservar sua opcionalidade.

Recomendo a leitura do anúncio feito ontem (10/8/2015), que é um ótimo exemplo de como uma corporação com market cap de USD 450 bilhões pode se comunicar de maneira clara e sem rodeios. Marco Antônio Antonino —  que, assim como Sergey Brin e Larry Page, também liderou um império com bastante sucesso e nas horas vagas era filósofo — ficaria orgulhoso do estilo sem excessos.

O que é opcionalidade?

Opcionalidade é uma propriedade que se refere a situações nas quais os ganhos potenciais são muito altos (às vezes ilimitados) e os riscos, muito pequenos e previamente quantificáveis.

Um exemplo notório de opcionalidade é a estratégia de investimentos de fundos de venture capital. Esses fundos fazem pequenos investimentos num grande número de start-ups. A maior parte desses investimentos é perdida, mas um único caso de sucesso pode trazer retornos da ordem de 10.000%. A ideia é que esses retornos excepcionais cubram todas as perdas e ainda proporcionem ganhos extraordinários aos investidores.

Se você quer saber mais sobre opcionalidade, recomendo ler os livros de Nassim Taleb. Por enquanto, basta saber que opcionalidade não é monopólio dos fundos de venture capital. Qualquer organização pode — e deve — criar suas próprias opcionalidades.

Onde está a opcionalidade do Google?

Duas passagens são particularmente interessantes para quem se interessa por gestão e mostram, na prática, o valor da opcionalidade.

A primeira passagem resgata o que tem sido a estratégia do Google desde sua criação:

As Sergey and I wrote in the original founders letter 11 years ago, “Google is not a conventional company. We do not intend to become one.” As part of that, we also said that you could expect us to make “smaller bets in areas that might seem very speculative or even strange when compared to our current businesses.”

Isso é uma boa resposta às críticas que muitas companhias inovadoras recebem ao criar opcionalidade. Muitas vezes as críticas são justificadas com o uso de termos como “core business” e “foco”. É preciso saber a diferença.

Vamos à segunda passagem. Sistemas nos quais as decisões são centralizadas reduzem ou eliminam opcionalidade, já que reduzem o número oportunidades de retornos assimétricos. Estruturas organizacionais são exemplos clássicos de sistemas que podem criar (ou destruir) a opcionalidade e o Google parece entender isso de forma muito clara, a julgar pela passagem abaixo:

Our company is operating well today, but we think we can make it cleaner and more accountable.

Estruturas organizacionais que têm o número certo de níveis gerenciais (sim, existe ciência para isso!) conseguem obter muita clareza de autoridades e responsabilidades. Isso abre espaço para que as decisões sejam tomadas de forma descentralizada e para que a organização se beneficie dessa opcionalidade.

Outro ponto que vale mencionar é que empresas que promovem uma reorganização dessa magnitude e repercussão, tipicamente o fazem apenas quando têm que lidar com performance insuficiente e/ou quando motivadas por alguma tentativa de arbitrar o valor de seus ativos. Temos que tirar o chapéu quando isso é feito em momentos de bonança, como parece ser o caso em pauta.

O movimento é acertado ou não? O tempo dirá. Independente disso,  temos que cumprimentar organizações que não têm medo de fazer movimentos para criar mais opcionalidade, aumentar suas chances de repetir ou amplificar os sucessos do passado e conviver bem com a incerteza e ambiguidade que caminha junto a tudo isso.

Investidores parecem ter reagido bem, já que as ações do Google subiram 6% no dia de hoje. Mas isso não quer dizer nada. Como julgar, em um pregão, o valor de decisões que surtirão efeitos pelos próximos 10 ou 15 anos?

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Autodesenvolvimento

Por que usar uma tipologia psicológica?

A eficácia das relações interpessoais é tema de inúmeras iniciativas de desenvolvimento dentro das organizações, desde programas relacionados à construção de times até os que se debruçam sobre a eficácia da liderança.

A compreensão interpessoal, ou seja, o entendimento mútuo, em geral passa por três estágios: O autoconhecimento; a identificação de diferenças e semelhanças com os estilos dos outros; e, em seguida, o  estabelecimento de estratégias interpessoais eficientes que tornem as relações mais empáticas e produtivas.

Compreender a si mesmo e aos outros não é tarefa fácil. É tarefa de vida. Auxiliar as pessoas nesse aspecto, dentro das organizações, se torna ainda mais desafiador, pois muitas vezes o foco está nas questões práticas e produtivas do dia a dia e pensar sobre o outro e sobre as relações acaba ficando em segundo (ou último) plano, ainda que se saiba que é por meio das pessoas que os resultados são alcançados.

Um trabalho com esse fim, para ser sério e consistente, deve abordar temas profundos, levar os participantes a refletirem sobre si mesmos e sobre os outros, podendo entrar num nível psicológico tão profundo que não se daria conta de tratar tudo o que se deveria no tempo que em geral se tem para conduzir tais programas.

Cada um é único e singular e a compreensão das diferenças e semelhanças pode acabar sendo muito complexa de se obter dentro da dinâmica organizacional. O uso de uma tipologia psicológica nesse contexto se faz muito útil.

A tipologia é uma forma de estudo da personalidade que se propõe a compreender não a singularidade de cada um, mas de maneira mais ampla, o estilo mais comumente usado por uma pessoa na forma como lida com seu entorno.

A premissa por trás de uma tipologia é a de que, por mais que sejamos únicos, existem padrões de comportamento que fazem com que seja possível que nós sejamos compreendidos em alguns grupos de preferências.

Portanto, uma tipologia psicológica não tem a pretensão de explicar a personalidade em sua totalidade, mas pode ser usada dentro das organizações para explicar muito sobre a forma de agir, interagir, julgar e decidir de cada um, trazendo a consciência de que pessoas diferentes têm formas diferentes de se comportar, simplesmente porque pertencem a diferentes tipos.

Carl G. Jung desenvolveu uma tipologia no início do século XX, que está descrita no seu livro Tipos Psicológicos, de 1921. Um trabalho reconhecido, consistente, profundo e ao mesmo tempo de compreensão acessível, que tem sido usado com sucesso no âmbito organizacional.

O Insights Discovery usa a tipologia Junguiana, transformando-a numa linguagem lúdica, combinando, dessa forma, o profundo e o simples. Ajuda pessoas, equipes e organizações a compreenderem a dinâmica das relações interpessoais, a composição de times, os tipos de cultura organizacional e, consequentemente, propiciando maior eficácia pessoal e interpessoal, com impacto tanto na produtividade, quanto na felicidade das pessoas em seus trabalhos.

LINKS E REFERÊNCIAS

Insights Discovery: Conheça mais clicando aqui

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Recursos Humanos

A dicotomia da consultoria interna de RH

São mais de 30 anos de uso do termo Consultoria Interna de Recursos Humanos (CI). Em 2001, escrevi um artigo sobre o assunto e percebo, ainda hoje, que os mesmos temas de 14 anos atrás permanecem atuais.

Um dos maiores dilemas da Consultoria Interna continua sendo como representar na organização um papel que a identifique como “mais estratégica” ou “menos operacional”. Para lidarmos com esse dilema, precisamos perguntar: Como superar a dicotomia de cliente cativo versus cliente demandante?

A formação da Consultoria Interna sempre esteve envolvida pelo foco, às vezes parcial, de identificar quais são ou deveriam ser as competências do Consultor Interno ou Business Partner (termo que hoje podemos usar de forma intercambiável). Inúmeras competências são citadas como parte do perfil ideal: Visão de negócios, poder de influência, diagnóstico e planejamento, gestão de projetos, comunicação, team buliding, gestão de conflitos, enfim, a lista se estende.

Mas, se focarmos isoladamente no profissional da Consultoria Interna de RH, não resolveremos o problema. Na verdade, muitos profissionais que recebem o título de Consultor Interno acabam lidando com situações mais ou menos imediatas, transferidas por seus clientes, tais como selecionar em curtíssimo prazo, organizar treinamentos, rever um posicionamento salarial, adequar um plano de benefícios ou mesmo lidar com um funcionário difícil. Sem dúvida, isso é muito pouco para ocupar o tempo e a capacidade desses profissionais.

Sabemos que a função de RH das organizações quer formar Consultores Internos ou Business Partners para atuarem de “forma estratégica”. Contudo, convém, antes de mais nada, se informar sobre o tipo de organização que está lhe propondo o trabalho. A pergunta é: “Onde está seu objetivo estratégico?” Há que se olhar para a organização e, dentro dela, identificar as possibilidades do papel.

Entendendo a organização

Para cultivar o estratégico é necessário entender a organização. Para construir esse contexto, utilizo as idéias de Elliott Jaques:

Organizações são sistemas gerenciais que empregam a capacidade das pessoas para produzir julgamentos e alcançar resultados.
— Elliott Jaques

Ele destaca – na verdade nos lembra –  que estamos falando de hierarquias de emprego(independente da natureza desse vínculo), cuja competência é a gestão. Portanto, o cliente é o gerente, pois é ele quem assumirá responsabilidades para alcançar resultados com recursos delimitados e tempos definidos. Um dos recursos disponíveis ao gerente é a capacidade das pessoas que estarão sob sua liderança. Nisso não podemos nos enganar. Uma organização define seus gestores como responsáveis por resultados.

Então, o que é um gerente?

Segundo Jaques, gerente “é a pessoa responsável pela produção de resultados, por levar adiante uma equipe capaz de obter essa produção e oferecer uma liderança eficaz”. O gerente, em suma, deve ser capaz de agregar valor ao trabalho de seus liderados. Acontece que, à medida que se sobe na hierarquia, aumenta-se a imprecisão com relação a quem pode ser responsabilizado por quem. Nas relações hierárquicas gerenciais, o maior incômodo, a maior limitação à criatividade e o maior bloqueio ao entusiasmo está em não se saber quem é o responsável pelo trabalho, quem lidera as ações, quem dá os contextos inspiradores.

Se você quer que seus gerentes, em todos os níveis organizacionais, sejam responsabilizados pelo que seus liderados produzam, você deve se assegurar de que eles não apenas possuam autoridades mínimas, como também tenham sido treinados e saibam como aplicá-las. Em linhas gerais, todo gerente deve liderar o trabalho de sua equipe e ter autoridade suficiente para compô-la. Se um gerente é responsável pelo trabalho de sua equipe, é inaceitável, por exemplo, que qualquer funcionário seja imposto a este gerente como parte de sua equipe.

As autoridades mínimas de um gerente em relação a seu pessoal são:

  • Vetar qualquer nova designação: os gerentes não devem ser obrigados contratar quem quer que seja e não devem aceitar ter sob seu comando alguém que não reconhecem como capaz de agregar valor
  • Decidir os tipos de atribuição de trabalho: os gerentes, e somente eles, devem designar quais atribuições ou tarefas seus liderados deverão conduzir
  • Decidir a avaliação da eficácia: o gerente, e somente ele, é quem tem condições de julgar a eficácia (e de fazer a avaliação) de seus liderados e determinar qualquer revisão dos méritos. Se o gerente tem apenas autoridade para recomendar, ele terá “dado com os ombros” e transferido essa responsabilidade para outro
  • Decidir a remoção de alguém: o gerente não precisa de autorização para afastar alguém de sua equipe, se necessário, respeitadas as políticas da organização

Noto que, ainda hoje, poucas empresas podem responder positivamente quando indagadas se seus gerentes têm as autoridades mínimas elencadas acima. A ausência dessa definição de papel é uma das barreiras – senão a barreira – para a construção de uma relação de cliente demandante entre gerentes e RH. A organização e sua liderança principal devem ter clareza do que espera do gerente – como um código – e com base nele, o profissional deve ser preparado. Se não estiver pronto, deve demandar serviços. A atividade de RH passa a ser também uma atividade de educação gerencial nas competências relativas à gestão de pessoas.

E quais são as autoridades da consultoria interna de RH ou dos business partners?

Conforme argumentamos acima, para que um gerente possa ser responsabilizado pelosoutputs de seus liderados, precisará ter algumas autoridades mínimas bem definidas. As responsabilidades (accountabilities) devem guardar uma relação de equilíbrio direto com as autoridades.

E como isso afeta o papel de RH? Dificuldades em responder às poucas perguntas adiante mostrarão exatamente porque existem algumas frustrações no exercício do papel de consultor interno ou business partner. Vejamos:

  • Quais as entregas pelas quais o seu cargo ou função está sendo formalmente responsabilizada?
  • Quais os indicadores de performance assumidos e como eles são compartilhados com seus clientes internos?
  • Quais as áreas de resultados para as quais o consultor deve privilegiar sua atenção?

Para que essas responsabilidades sejam “descarregadas” no ambiente, a função de RH e o Consultor Interno ou Business Partner também precisam de autoridades. Numa hierarquia de emprego a competência fundamental é a gestão; e o RH, por essa perspectiva, deve atuar como uma função que disponibiliza práticas e sistemas para que o líder gerencial desenvolva e tenha acesso aos recursos necessários para uma gestão efetiva e para entregar resultados por meio de suas equipes.

Os recursos a serem disponibilizados pelo RH são muitos: educação corporativa, processos de gestão do desempenho e avaliação de performance, processos de seleção, remuneração, gestão da capacidade potencial, novos entrantes e processos de capacitação. E, além disso, deveria incluir o acompanhamento do gestor em suas dificuldades, clima e ambiente de trabalho, dentre outros.

Se a responsabilidade do Business Partner é o aconselhamento ao gerente sobre questões relacionadas à prática gerencial. Também sabemos que, sem clareza com relação às autoridades do Consultor Interno, há um claro risco de “despersonalização” do seu papel. Também é fundamental, não apenas para o RH enquanto função mas também para os Business Partners, que as autoridades específicas estejam definidas e reconhecidas pelas interfaces. Teria o Consultor Interno…

  • Autoridade de auditoria?
  • Autoridade de consultoria?
  • Autoridade de monitoramento?
  • Autoridade de veto?

Acredito que as autoridades centram-se, principalmente, no acesso à informação relacionadas à unidade para a qual se presta a consultoria, no acesso ao gerente responsável para influenciá-lo e aconselhá-lo, e no acesso aos recursos necessários para levar adiante seu trabalho. A conclusão lógica é que a autoridade do Business Partner está diretamente relacionada ao seu próprio poder de influência e à qualidade do aconselhamento e serviços que presta.

Contudo, há que se considerar que essas autoridades devem ser reconhecidas formalmente no ambiente de trabalho. Isto é, um gestor pode aceitar ou não o aconselhamento e as orientações do Business Partner, porém deve saber que assumirá as consequências. Penso que exatamente aqui, na questão da autoridade e reconhecimento dela, é que se passa a construir de fato uma relação centrada nas competências do Consultor Interno que, por sua vez, se preparará para atuar com uma orientação predominante dirigida à performance: a sua própria e a do sistema ao qual presta assessoria. Um exemplo controverso disso é o coaching. Coaching deve ser uma responsabilidade indelegável do gestor. Se o gestor não se sente preparado para tal, deve aprender. É inerente ao papel do gerente apoiar e o desenvolvimento de seus liderados.

Posicionamento estratégico

Para Jaques, uma unidade de negócios completa possui cinco níveis hierárquicos máximos e necessários para a condução do negócio (os sexto e sétimo níveis caracterizam grandes corporações). Na figura abaixo, no Nível V (Work Level® 5 ou WL-V) está o responsável pelos lucros e perdas da unidade de negócios e sua intenção estratégica. No Nível IV estão os responsáveis pelo desenvolvimento estratégico, inovação e definição de políticas e modelos organizacionais. Nesse nível está (ou deveria estar) o RH, que deve assumir no mínimo as seguintes atribuições:

  • Desenvolver e implementar políticas e práticas de RH e gestão que terão um papel essencial na realização da intenção estratégica da unidade de negócios (tipicamente 5 a 10 anos à frete)
  • Relacionar-se com seus pares para recomendar, influenciar e garantir a implementação e continuidade das práticas de RH e gestão necessárias
  • Fornecer recursos e gerenciar as práticas de gestão existentes, integrando-as com novas práticas e encerrando aquelas que não serão mais adequadas ou produtivas
  • Desenvolver os requerimentos de pessoal da unidade de negócios em um plano de 5-10 anos, para garantir que os recursos humanos necessários estejam disponíveis (gestão do Talent Pool®)
  • Controlar e acompanhar o desenvolvimento da reserva de talentos da unidade de negócios, garantindo a existência de um plano de sucessão
  • Desenvolver e integrar os processos de RH: avaliação de eficácia pessoal, capacitação, análise de potencial, tutoria, sistemas de remuneração, relações gerenciais, entre outros
  • Garantir alinhamento de práticas de desenvolvimento com outras unidades de negócios, quando se tratar de corporações
  • Recomendar políticas que possam fortalecer a eficácia da liderança da unidade de negócios e promover um clima produtivo
  • Assessorar o CEO sobre a competência técnica e potencial dos profissionais do Nível III – no qual estão os futuros sucessores estratégicos que poderão trabalhar com a presidência
Figura 1: Posicionamento da Consultoria Interna (ou Business Partners) na estrutura de uma unidade de negócios completa.
Figura 1: Posicionamento da Consultoria Interna (ou Business Partners) na estrutura de uma unidade de negócios completa.

Assessoria de performance

No Nível IV, o responsável por RH (no exemplo, o Diretor de RH) colabora com outros Diretores com o objetivo de manter a gestão e a liderança inseridas na política de RH. Esse amplo escopo gera as possibilidades concretas da ação de uma Consultoria Interna de RH (ou Business Partners) o Nível III. Os consultores internos/business partners colaboram com os gerentes gerais na análise e planejamento dos requerimentos e desenvolvimentos vinculados com os profissionais nas fábricas, filiais e/ou departamentos. Essa assistência envolverá:

  • Planejamento das mudanças organizacionais requeridas pelo fluxo de trabalho ou tecnologia de produção
  • Planos para recrutamento, capacitação, transferência ou redução de pessoal a fim de satisfazer os requerimentos mutáveis neste escopo (projetos que consideram entre um e dois anos futuros)
  • Supervisão e coordenação das práticas de RH dos gerentes/pares do Nível III, e da repercussão de tais práticas no clima social e nas relações com os sindicatos
  • Manutenção do contato com especialistas de RH da unidade de negócio com relação às políticas da corporação sobre os recursos humanos
  • Supervisão do clima social da fábrica, filial ou departamento, e recomendação de qualquer mudança de políticas ou práticas para melhorar o clima organizacional

O papel do Consultor Interno ou Business Partner deve ser sempre sistêmico, atuando junto aos gestores do Nível III, que são seus pares, conciliando as metas estratégicas da sua unidade de assessoria (Nível IV). A CI é uma assessoria de performance. As atividades de Nível II nessa estrutura não se caracterizam como de consultoria, pois são tarefas especializadas, que podem ser subcontratadas ou conduzidas por especialistas em situações típicas.

Conclusões

Antes de focar as competências do profissional da consultoria interna de RH (ou, Business Partner), é necessário olhar para a organização, dando ao RH um posicionamento sobre a produção de estratégias e a clareza de que o cliente é o gestor e de que a sua formação inclui prepará-lo para tomar decisões relativas às pessoas. Assim consigo vislumbrar a possibilidade de um salto qualitativo de cliente cativo (obediente às regras e aos procedimentos de RH) para cliente demandante (desejoso por habilidades de gestão de pessoas) – o que passa pela definição clara da autoridade.

O gestor deve sentir que a empresa nutre expectativas objetivas com relação ao seu papel e perceber o empenho das áreas de apoio em ajudá-lo. O gestor deve ainda estar ciente de sua responsabilidade e compreender a que distância está de possuir a competência necessária. A partir daí, a Consultoria Interna pode acompanhar sua evolução dentro dos princípios e valores da organização. Do ponto de vista das competências do Business Partner, sua atuação em campo exige a compreensão prática de todos os tipos de trabalho, assim como a compreensão teórica e prática das organizações como sistemas complexos de trabalho, e da maneira pela qual a capacidade humana se expressa dentro das organizações – crescimento da capacidade e aprendizagem. Não existe atualmente outro modelo que integre esses domínios conceituais e práticos de modo mais consistente do que os conceitos do Work Levels®. Aquelas competências do tipo mais soft, como negociar, desenvolver equipes (atributos gerenciais), lidar com conflitos, trabalhar com grupos, são necessidades pontuais e específicas, que variam de acordo com a cultura da organização, e com a consciência interna da dinâmica dos papéis profissionais, mas que são muito mais simples de se adquirir ou praticar.

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Recursos Humanos, Sem categoria

Talent Pool ou 9 Box?

Em junho de 2009, escrevi e o artigo que deu origem a este post: Comparações entre o Talent Pool® e o 9 boxJá era evidente, naquela época, o crescimento na utilização do modelo 9 box por muitas organizações. E esse crescimento não parou nesses seis anos que se passaram. Hoje, arrisco dizer que, se você está envolvido com gestão e recursos humanos, já ouviu falar do modelo e, talvez, já tenha até sido objeto dele.

Ironicamente, parece que, quanto mais se usa o 9 box, mais manifestações de interesse recebemos, no Instituto Pieron, com relação ao Talent Pool®, nosso modelo de gestão da capacidade humana instalada em uma organização. Nossa experiência é de que o Talent Pool® dá as respostas que os praticantes do 9 box procuram, mas frequentemente têm dificuldades de obter pelas limitações inerentes ao modelo. Alguns de nossos clientes, ao trabalharem conosco, optam por utilizar o Talent Pool® para “alimentar” o 9 Box, enquanto outros, acabam adotando o Talent Pool® como seu único modelo para gestão de capital humano.

Mas não saltemos diretamente às conclusões. Um dos pedidos que sempre nos fazem, quando estamos explicando nosso modelo de trabalho, é se poderíamos fazer uma análise comparativa entre o Talent Pool® e o 9 Box (ver Quadro I abaixo).

Quadro I
Quadro I: Talent Pool vs Nine Box

Responder a isso requer cuidado e qualquer análise precisa ser criteriosa. Para tanto, elejo alguns critérios de comparação, que serão discutidas livremente neste post:

  • Forma de organizar a informação e visualizar as dimensões do capital humano instalado para permitir seu gerenciamento
  • Definições claras: Bases teóricas, validade e conceitos definidos, em particular a respeito de potencial (envolve grau de cientificidade, pesquisa, validade, bibliografia), e aspectos metodológicos
  • Diferenciação de outros conceitos tais como talento, competências, desempenho, tipologias
  • Tratamento dos resultados: Justiça na forma do tratamento do humano e grau de compartilhamento dos resultados com os interessados (os avaliados)
  • Metodologia e a sua possibilidade de replicação, considerando a utilização por diferentes pessoas obtendo resultados semelhantes
  • Integração com decisões estratégicas
  • Contribuição para decisões gerenciais e alocação de recursos para investimentos

Porque fizemos nossa opção pelo modelo Work Levels® e pelo Talent Pool®

Antes de entrar na comparação entre os modelos, é importante destacar que o Instituto Pieron fez sua opção estratégica pelo modelo Work Levels® há quase 20 anos. Este modelo integra, numa mesma linguagem, níveis de complexidade de trabalho e a estimativa da capacidade potencial (atual e futura) com a composição do Talent Pool®. Porque fizemos esta opção? De um lado, por nos dar definições específicas e com validade de longo prazo. De outro, por propor uma linguagem que foge da psicologia e dialoga diretamente com a estratégia.

Também porque o modelo Work Levels® se propõe dar respostas para perguntas de CEOs, tais como:

  • Quem cresce, em que direção cresce, em quanto tempo cresce?
  • Temos sucessores para diferentes níveis na organização? Quem e em quanto tempo?
  • Dos jovens contratados, quais têm a perspectiva de uma carreira ascendente?

Outro motivo da nossa opção por esse modelo é a definição precisa do que se entende porcapacidade potencial – veja, capacidade e não apenas o termo potencial. Por quecapacidade? Do inglês, capability. Tem a ver com os recursos inerentes de cada pessoa para lidar com a complexidade. Complexidade envolve diferentes dimensões. Uma delas é um trabalho mais e mais abstrato – as questões do ambiente externo tornam-se cada vez mais relevantes. Também envolve variáveis diferentes, as taxas de mudança dessas variáveis, combinações e recombinações imprevistas entre elas, antecipações de consequências. Implica em envolver-se mais com o desconhecido do que com o conhecido. Implica na construção do futuro. Envolve discernir e julgar em face da ambiguidade e incerteza.

Fizemos essa opção também porque o conceito de capacidade potencial que usamos é cientificamente validado por pesquisas longitudinais em horizontes de tempo diferentes, algumas por quase 20 anos. Ainda mais, porque este conceito de potencial distingue-se de outros muito comuns, quase que commodities, tais como inteligência, personalidade, atitude, tipologias, competências, experiência, conhecimento e que não refletem “o que uma pessoa é capaz de fazer quando não sabe o que fazer”.

Finalmente, porque o modelo Work Levels® oferece um contexto para se falar de potencial; isto é, quando falamos de potencial especificamos potencial para quê, para quais níveis de complexidade de trabalho, tanto para agora quanto para o quando no futuro. Sim, estimativa futura, para que a demanda por sucessão seja também contemplada no planejamento estratégico.

Comparando os modelos

1. DIFERENÇAS NA REPRESENTAÇÃO DA INFORMAÇÃO

Olhando-se o 9 box por meio das práticas dos outros e também pelo nosso contato direto em projetos de consultoria, identificamos algumas dificuldades bem específicas. A origem do 9 box não é precisa. Lembro-me quando ainda na Rhodia (anos 80) utilizávamos o termo 4 box, provavelmente oriundo da matriz BCG – Boston Consulting Group. Este modelo olhava produtos em suas dimensões crescimento do mercado e participação de mercado e classificava como vacas-leiteiras aqueles produtos que desfrutavam de alta participação em mercados de baixo crescimento. Ou seja, requeriam baixo investimento e, consequentemente, geravam bastante caixa.  Produtos estrelas, por outro lado, requeriam altos investimentos com um potencial de retorno igualmente alto, pois desfrutavam de alta participação em mercados em franca expansão. E assim por diante. Os produtos com baixo retorno e baixo investimento seriam desativados. O paralelo com o 9 box se faz nas dimensões participação de mercado versus desempenho e crescimento do mercado versus potencial.

As poucas citações em publicações em torno do 9 box, por exemplo neste livro de Ram Charam, sugerem seu uso, mas não tratam das origens, teorias, pesquisas, fundamentos conceituais. Pesquisando na internet você lerá sobre os boxes a serem preenchidos, mas nunca sobre os conceitos.

A observação visual (Quadro I acima) mostra diferenças importantes. O Talent Pool® tem como base o modelo Work Levels®. Esse modelo integra numa mesma linguagem níveis de complexidade de trabalho e a capacidade potencial das pessoas. À esquerda, sete níveis de complexidades. Os cinco primeiros, necessários e suficientes para um negócio complexo. Sete para corporações. A capacidade potencial atual de uma pessoa é representada por um ponto nas curvas. As curvas mostram os diferentes padrões de crescimento da capacidade potencial para diferentes horizontes de tempo. São padrões longitudinalmente pesquisados e validados. Na coluna da direita correlaciona-se a estrutura organizacional com os temas de complexidade (apenas um exemplo, pois títulos e complexidade nem sempre guardam relação direta).

Desta maneira o Talent Pool® organiza e apresenta a relação entre capacidade atual e futura das pessoas como o ambiente de cargos da organização. Olha-se para o hoje e olha-se para o futuro num mesmo modelo. Tem-se aquilo que é essencial numa análise de potencial: potencial para quê (conduzir qual complexidade de trabalho hoje e no futuro) e para quando (em quanto tempo no futuro). O 9 box relaciona potencial (alto ou baixo) com o desempenho (alto ou baixo).

2. DEFINIÇÕES CLARAS

O 9 box utiliza as variáveis – potencial e desempenho – já comentadas acima. Se, didaticamente, eliminarmos a variável desempenho do campo visual de quem está fazendo a avaliação e solicitarmos “vamos falar apenas de potencial”, há paralisia. Essa paralisia – entendo eu – se deve ao fato de que não há uma definição de potencial proposta neste recurso classificatório. Potencial, muitas vezes, é explicado como “condições de avançar um pouco mais”, “subir um ou dois níveis” etc. Isso não é uma definição clara de potencial, mas refere-se apenas à uma projeção ou previsão.

Ainda assim, há a questão da confusão entre cargos e complexidades. Diferentes cargos podem estar num mesmo nível de complexidade, embora um mais alto que o outro. Exemplos? Trainee, analista júnior, analista pleno, analista sênior, especialista, supervisor, coordenador, chefe de processos – todos podem estar num mesmo nível de complexidade. Permitem a evolução, uma carreira, mas sem alterar o tema de complexidade e, consequentemente, demandando a mesma capacidade potencial, embora para assuntos diferentes (conhecimentos, habilidades, gestão de pessoas, competências específicas).

A paralisia também se deve ao grau em que o desempenho influencia a percepção do potencial. O desempenho indica que a pessoa está usando toda ou parte de sua capacidade potencial atual. Mas nada nos diz do futuro. Portanto, o desempenho não necessariamente implica em que todas as variáveis da capacidade potencial das pessoas estão ali presentes. Mas, e o mais complicado, é que, pessoas com estilos pessoais muito diferentes e mais valorizados pelas organizações podem ter seu potencial “aumentado” mais do que o de outras pessoas, por características tais como “energia”, motivação, facilidade de comunicação e participação, trânsito interpessoal, autoconfiança etc.

O Talent Pool® baseado no Work Levels® propõe-se a discutir potencial única e exclusivamente a partir de um conceito de potencial. Deveria ser óbvio, mas na prática não o é. Pelo Work Levels® entende-se que cada nível de complexidade envolve graus de incerteza cada vez maiores nas decisões. A capacidade potencial é avaliada em relação a esses graus de incerteza. Os work levels são como os graus do termômetro. A pessoa seria representada pelo mercúrio numa daquelas posições. Não temos isto no 9 box.

3. O PRESSUPOSTO CIENTÍFICO DE MEDIÇÃO E DIFERENCIAÇÃO CONCEITUAL

A frase “Não se pode gerenciar o que não se pode medir” é frequentemente (e erroneamente) atribuída a Deming. Na verdade ele classificava como um pecado mortal gerenciar uma empresa baseado apenas em indicadores visíveis. De qualquer forma, quando trazemos a questão de medição e indicadores para o âmbito do potencial, podemos dizer que:

  1. Uma medida de potencial contribui para e favorece seu gerenciamento;
  2. Se não definirmos o que é potencial, não podemos medi-lo; e
  3. Se não podemos medi-lo, não podemos estimá-lo ou projetá-lo (e podemos ter maior dificuldade de gerenciá-lo).

O valor de apreciações científicas na decisão a respeito de pessoas é proporcional ao impacto que más decisões têm sobre as carreiras e sucesso profissional de cada pessoa. Ao se falar de investimento, decisões atuais, custos, gastos, desperdícios, o que sempre envolve pessoas, não é difícil calcular os custos com decisões erradas. O não uso de conhecimentos científicos pode ser interessante para as políticas internas, mas não se justifica ao longo do tempo.

A ampla confusão de conceitos em torno de pessoas, muitas delas oriundas da própria psicologia, requer mais rigor. Conceitos imprecisos tais como inteligência, aptidões, personalidade, já se mostraram sem correlação com o sucesso na vida do trabalho (ver McClelland). Isso gerou a proliferação de inúmeras outras “inteligências”. Conceitos como personalidade igualmente repetem as mesmas imprecisões e dificuldades de uso. Mais recentemente, a mesma doença da imprecisão e uso superficial acomete as “competências” (ver Fernandes e Comini). Não existem estudos confiáveis que mostram relações fortes entre esses conceitos e vida prática de resultados (ver Spencer & Spencer). O termo talento é utilizado indistintamente. Afinal, o que é talento? Talento é o potencial? Talento já é um desempenho excepcional? Algumas empresas utilizam o termo talento como referência a todos profissionais que ali trabalham, como forma de tratamento!

O Talent Pool® fornece informações categorizadas para uma avaliação da capacidade humana instalada e projeções para funções futuras especificadas e diferenciadas, e uma imagem da distribuição dos recursos humanos no conjunto da organização, o que é integrado com a estratégia organizacional e de recursos humanos. O 9 box não especifica nem o conceito do potencial nem expressa visualmente o tamanho do potencial. O Talent Pool® não coloca potencial na vertical – coloca temas de complexidade sugerindo, então, potencial para quê. E não coloca desempenho na horizontal. São objetos diferentes, olhares diferentes. Quero dizer, quando se avalia o potencial, avalia-se o potencial!

Via Work Levels® diferenciamos capacidade potencial de conhecimento, experiência, habilidades e outras dimensões comportamentais, desvinculando essas como explicação daquela. Faz sentido. Podemos ter capacidade potencial e não ter experiências ou conhecimentos acumulados. Isso é óbvio. Não há porque confundir. A ideia da capacidade potencial como um elemento isolado nos permite compreender o valor em pessoas que não pertencem aos grupos dominantes, ou que, por fatores educacionais e de oportunidade, não tiveram acesso à formação. Sim, pois o modelo Work Levels® é completamente isento de bias culturais, gênero, idade ou formação escolar. Também mostra os valores ocultos da empresa e o quanto podemos investir para ajudar as pessoas a transformar potencial em desempenho. O uso do desempenho no 9 box pode ser um desserviço na busca da compreensão da capacidade potencial se não for bem cuidada no seu uso e compreendida em suas limitações preditivas.

4. MUDANÇAS NO POSICIONAMENTO DAS PESSOAS DE UM ANO PARA OUTRO

Este é um dos pontos intrigantes, conforme visto em diferentes práticas. Num determinado ano algumas pessoas aparecem como “estrelas”. No outro ano, não! A pergunta é: Para onde foi o potencial? Curioso, não? Perdi meu potencial? Tinha e agora não tenho mais? O complicado é como explicar isso. A falta de definição clara é uma das explicações possíveis. A segunda são as variáveis das percepções dos avaliadores associadas às mudanças que ocorrem de um ano para outro, na liderança, nos contextos, nos recursos, nas motivações, entre outras. O que não é aceitável é que de um ano para outro a avaliação do potencial mude tão dramaticamente.

5. NECESSIDADE DE REPETIÇÃO DA AVALIAÇÃO DE POTENCIAL

Com base na questão acima, é prática das organizações refazerem suas estimativas de potencial a cada ano. O que justifica isso? Provavelmente as mesmas imprecisões já mencionadas. Assume-se que no ano que vem as pessoas poderão emergir de maneira diferente quanto ao seu potencial? Mudanças tão qualitativamente diferentes de um ano para o outro? Ou estamos falando de alguma outra coisa? Contudo, a questão é outra. A questão está na gestão do talento. Se identifico tal potencial, o esforço da organização estará em fazer com que este potencial se realize, e isso envolve tempo, gerar condições para o desempenho e gradual aumento das competências para se conseguir um desempenho mais e mais coerente com o tamanho do potencial avaliado. O Modelo Work Levels® não pressupõe reavaliações anuais. De fato, pressupõe uma, no máximo uma segunda – 5 anos à frente, porque está baseado em pesquisa e validado no tempo. Realizar o potencial é tarefa da gestão. Daí a importância do alinhamento e confiança conceitual da organização em relação ao que ela mede.

6. RISCO DE INJUSTIÇA NOS QUADRANTES CLASSIFICATÓRIOS E NA FORMA DE TRATAMENTO DO HUMANO

Os aspectos que afetam o desempenho são muitos. Elencamos alguns poucos: a liderança recebida; os recursos disponíveis; grau de autonomia definido; aceitação de riscos; confiança na relação líder-liderado; valorização do trabalho pela pessoa. Baixo desafio ou desafio exagerado para a capacidade potencial. Ausência de algumas habilidades específicas. Ausência de coaching pela liderança.

De outro lado, classificar pessoas como baixo potencial é contrário à própria natureza humana. Todos têm potencial para algum nível de complexidade. Como os níveis de complexidade são todos necessários para o bom andamento do empreendimento, cada pessoa terá algum potencial associado a algum papel a ser desempenhado no contexto de trabalho. Isso limita ainda mais a produção de feedback (adiante) e torna o 9 box um sistema fechado em si mesmo, já que perde sua ligação com um contexto claro de ação. Como a possibilidade de feedback fica baseada nas percepções dos envolvidos, como levá-los às pessoas e conversar com elas a respeito?

7. PROJEÇÃO EM HORIZONTES DE TEMPO À FRENTE COM BASE NO POTENCIAL PARA QUÊ

Classificar no box estrela (alto potencial e alto desempenho) significa o quê especificamente? Que todos ali são os futuros CEOs? Deveriam, não? Acontece que nessebox podemos ter um grupo de analistas, um grupo de supervisores, um grupo de gerentes, um grupo de diretores. Todos com alto potencial. Mas é o mesmo potencial atual? O mesmo potencial futuro? E crescerão para quais níveis de complexidade? Em quanto tempo? Nisso o modelo Work Levels® é extremamente específico: define os temas de complexidades de trabalho bem como associa a capacidade potencial – atual e futura – com alguns destes temas. A organização precisará apenas fazer a tradução da sua estrutura organizacional para dentro da linguagem Work Levels®, ou vice-versa.

Ao se projetar o 9 box na forma do Talent Pool® (veja as diferenças no Quadro I) a organização perde a possibilidade de especificar quantitativa e qualitativamente os potenciais para quê. O Talent Pool® permite especificar tanto a quantidade de talentos atuais para cada nível de complexidade. Também permite, num só modelo, projetar os movimentos futuros, para as diferentes complexidades, nominalmente se quiser, e diferenciando os prováveis padrões de crescimento. Ora, isso é único.

Pelo 9 box perde-se a possibilidade de análises do capital humano potencialmente instalado, pois todo o grupo é tratado em blocos. Por exemplo, se tenho um grupo de alto desempenho e baixo potencial, poderia agrupar todas essas pessoas num mesmo padrão de investimentos em desenvolvimento? O que dizer para um gerente industrial de alto desempenho e um supervisor de alto desempenho (ambos no mesmo box). Terão as mesmas políticas de investimento para desenvolvimento? As práticas de investimento devem considerar o potencial atual e a complexidade em que o potencial será utilizado. A questão é que a análise do potencial procura estar alinhada com políticas diferenciadas para o desenvolvimento de pessoas. Não podemos pensar na análise de potencial isoladamente. Ela deve gerar decisões gerenciais, de curto, médio e longo prazo. Assim, sua precisão assessorará investimentos.

O 9 box é conduzido no processo de people council. Isso presume que todos os envolvidos possuem a mesma base de compreensão, conceitos e evidências sobre as pessoas a serem avaliadas. O que não é verdade. Assim, na ausência de um conceito de potencial claro, o desempenho predominará. E, em geral, bem menos pessoas terão com o que contribuir. Além do mais, retira-se a responsabilidade do gestor por tal.

8. FEEDBACK AO AVALIADO

Partimos do pressuposto de que todas as pessoas têm, não só o direito, mas merecem o respeito, de saberem o que é que se pensa delas e saber como a organização compreende as possibilidades de seu desenvolvimento na organização. Envolve sua autoestima, sua carreira, seus projetos pessoais. Nossa prática com o Modelo Work Levels® é a de ser transparente. A primeira pessoa a conhecer sobre a apreciação de sua capacidade potencial é a própria pessoa. Isso gera confiança e apoio às ações de desenvolvimento posteriores.

Ainda assim, afirmar que uma pessoa tem baixo potencial é algo que não faz muito sentido. Qual é o padrão de relativização? Um CEO poderia ser classificado como baixo potencial? No modelo 9 box até poderia ser que sim, se a conclusão for que ele é umcareer level. Mas, no mínimo, é estranho. Capacidade potencial para ser um CEO é um recurso extremamente escasso na população. No Work Levels® ele continuaria provavelmente com seu potencial para ser um CEO, no mínimo, sem que isso queira dizer baixo ou alto. Ou seria classificado como alto desempenho e baixo potencial? Portanto, afirmar que alguém tem baixo potencial é impreciso porque, no mínimo, a pessoa tem potencial para continuar fazendo o que faz, ou um pouco mais dentro do mesmo nível de complexidade. Mais específico, no modelo Work Levels® o tamanho da função do CEO pode ser mensurada. Dependendo da estrutura do negócio, podemos falar de um CEO do “tamanho” work level IV, V, VI ou VII. E ao olhar no tempo de crescimento, podemos nos surpreender.

O 9 box é um sistema fechado. Por princípio concordo com Dutra que todo processo avaliativo que não gera feedback ao diretamente interessado tem dificuldades internas específicas: na cultura da avaliação, na confiança do uso dos recursos, na confiança dos resultados, na qualidade dos processos avaliativos envolvidos, entre outros. No limite, não agrega valor para a pessoa.

Isso significa que o 9 box não deva ser utilizado? Do ponto de vista das reflexões acima, só deveria ser utilizado na medida em que a organização assumisse uma definição específica de potencial que fosse, de fato, independente da questão do desempenho, pois isso tem a ver com o passado. Potencial tem a ver com o futuro. O ciclo de analisar potencial deveria ser um ciclo de analisar o potencial. Somente isso. Ainda assim, há que se ter um respeito pelas pessoas. Ao invés de baixo ou alto potencial, dever-se-ia tratar de graus de complexidades para a aplicação do potencial. Assim, cada pessoa teria o seu lugar estimado, atual e no futuro. Porém o 9 box não oferece recursos para se estimar o potencial para quê e para quando. Ambos – para quê e para quando – demandam teoria, conhecimento, pesquisa. Assim, há a possibilidade de se enriquecer o 9 box com conceitos, e cada box deveria ser recheado com informações do potencial para quê – a complexidade do trabalho. A combinação do Talent Pool® com o 9 box pode ser extremamente enriquecedora para a organização e para as pessoas (como já comprovado pela experiência com clientes).

Mas, e a questão do desempenho? Este é outro ciclo. Observar desempenho tem a ver com a identificação de lacunas que afetem a obtenção dos resultados. Tem a ver – em algumas organizações – com associar recompensas. Determinante para a gestão. Porém, o que explica o desempenho é, no mínimo, uma combinação entre capacidade potencial e, se quiser, competências (ou conhecimentos hábeis e valor, como preferimos utilizar). Os elementos explicativos do desempenho estão nos processos ou inputs que afetam o desempenho, e nas condições de acesso a recursos e coaching, de outro lado. Parece ilógico olhar para o desempenho sem discernir os elementos que o influencia.

9. ASPECTOS METODOLÓGICOS ENVOLVIDOS

Normalmente, enquanto prática, o 9 box não é replicável. Como alguém poderia usar sua experiência com uma organização para olhar pessoas de outra organização? Interessante este raciocínio. E o inverso? Uma pessoa de uma organização sendo avaliada em outra, com outras pessoas? Falaríamos de potencial de acordo com o tipo /cultura da organização? Seria possível ter uma metodologia estruturada que independeria do quanto conheço do histórico e do convívio com alguém? Se o 9 box propusesse uma teoria, conceito e procedimento de análise que pudesse ser transferido, teria uma metodologia de capacitação para diferentes pessoas e como seria isso? No que se baseariam, quais seriam os conteúdos de formação? Tudo isso sem tocar nas questões sobre validade ao longo do tempo, grau de coerência intersubjetiva dos avaliadores, verificações pré e pós-avaliação no tempo. Profissionais de uma organização levam o 9 box para uma outra. Mas o que é que estão levando de fato? Uma teoria sobre pessoas? Histórico de longos anos sistematicamente confirmados? Coerência entre avaliadores a ponto de justificar uma opção conceitual? Validade de longo prazo?

O modelo Work Levels® propõe uma metodologia validada de apreciação da capacidade potencial, indo além. Seus resultados são compartilhados e incluídos em ações de desenvolvimento. Busca-se que a gestão das pessoas aconteça dentro do conceito de flow – equilíbrio entre capacidade potencial e desafio do trabalho. A integração entre os temas – complexidade e potencial humano – aponta para as zonas de crescimento e os cuidados que a gestão deve ter para com o potencial delas. O gestor é responsável por desenvolver o potencial atual, pela prática do empowerment, em projetos que saiam da rotina e estimulem a geração de desafios que agreguem valor à organização e à pessoa, colocando seus liderados em flow. A estratégia de recursos humanos é responsável por cuidar do potencial futuro, mantendo diferentes bases de informações e linhas de investimento para a gestão dos talentos para os diferentes níveis de complexidade, pois todos são necessários. Não encontraremos o rótulo baixo potencial no Work Levels®. Afinal, a pergunta será sempre “temos potenciais para os diferentes níveis de complexidade de trabalho”?

10. O CONCEITO, A ESSÊNCIA E A SÍNTESE DAS DIFERENÇAS

O Sistema Work Levels® propõe um modelo por complexidade empiricamente desenvolvido por Elliott Jaques e Gillian Stamp, entre outros. Propõe um conceito de trabalho (discernir, julgar e aplicar conhecimento) e um conceito de capacidade potencial (julgamento diante de incertezas e ambiguidades). A essência da questão do julgamento como capacidade potencial é que envolve princípios de totalidade. Totalidade na apreensão da realidade externa, em dar significado a ela e gerar condições para estruturar ações no tempo – construir um futuro. Envolve agir, no sentido de decidir o que alocar, que recursos comprometer, e optar por uma linha de ação dentre várias possíveis. Totalidade também porque o julgamento envolve o todo da pessoa em ação. Julgar os caminhos envolve aspectos conscientes e inconscientes. E, como tal, julgamento sempre implicará incerteza, risco, e o diferencial da pessoa, que é o quanto de futuro consegue captar em seu significado de possibilidades, de acontecimentos e de eventos.

Envolve apreender o tempo em sua dinâmica evolutiva, essência do trabalho gerencial. A perspectiva de compreender o organismo em ação, sua capacidade para dar significado às possibilidades futuras tem muito mais a ver com as demandas do trabalho do que quaisquer traços. Veja-se, por exemplo, que, em momentos de crise, condições de incerteza emergem e, com elas, a falta de experiência anterior com estas condições. Ao mesmo tempo, gerentes e executivos precisam continuar tomando decisões. E traços não explicam estas capacidades potenciais para lidar com condições tão adversas e demandantes de decisões. Ora, estas qualidades em nada são estranhas, como por exemplo, nota Bernstein: “…Mas em que extensão confiar nos padrões do passado para dizer como será o futuro? O que mais interessa quando estamos frente ao risco, os fatos tal como os vemos ou a crença subjetiva que está escondida no vetor do tempo?”

…Mas em que extensão confiar nos padrões do passado para dizer como será o futuro? O que mais interessa quando estamos frente ao risco, os fatos tal como os vemos ou a crença subjetiva que está escondida no vetor do tempo?— Peter L Bernstein

Não há referências a conceitos no 9 box. Há, apenas, uma lista de traços que devem ser encontrados nos “altos potenciais”. Os traços tratam dos efeitos de algo. Mas a lista de traços não reflete qual é o conceito. E por serem traços, estarão sujeitos a múltiplas interpretações, pois para cada traço será necessário um esclarecimento mútuo dos envolvidos do que se quer dizer por eles. Aproximamo-nos bem mais das opiniões do que do conhecimento. Um conceito objetivamente formulado permite apreender um evento, em sua singularidade. Traços geram categorizações, muitas vezes de naturezas tão diferentes, que se distanciam enormemente da natureza do fenômeno. Um exemplo (ver Ram Charam): “altos potenciais aspiram a oportunidades de alto nível”; ou “têm uma perspectiva de negócio além do seu nível atual”; ou “normalmente trabalham na construção de novas habilidades ou destrezas”; ou “demonstram habilidades técnicas e profissionais que são amplas”. Vejam as imprecisões: qual é o tamanho do alto nível? Qual é a amplitude da perspectiva? Porém, a pergunta sempre será: Tendo estes ou alguns destes atributos, em que nível de complexidade de tomada de decisões esta pessoa estaria capacitada?

Uma das críticas ao modelo Work Levels®

Um dos pontos que em geral temos que confrontar é a crítica ao determinismo do Talent Pool®, em especial às curvas de desenvolvimento. Ainda nos EUA, Elliott Jaques tomou o cuidado de submeter sua teoria a um conhecido escritório de advocacia para que se pronunciasse sobre o quanto sua teoria seria “antidemocrática”. Nenhuma objeção foi colocada. Contudo, valem alguns comentários a mais. A hipótese determinista não se aplica, pois o conceito determinista sempre envolve conhecer as condições pelas quais podemos influenciar e modificar um evento. Assim, ser determinista seria conhecer que ações externas eu posso fazer e que levarão uma pessoa a se comportar ou se desenvolver “do jeito que eu quero ou desejo”.

A teoria de Jaques não é determinista. Ele mesmo afirmava: “Esses são os dados que tenho em mais de 30 anos de pesquisa”. Fala desde uma perspectiva científica. Ser determinista é muito parecido com a teoria behaviorista ou skinneriana. Nesse modelo consigo associar estímulos ou reforços para alterar o comportamento. As organizações praticam isso, associando recompensas, remuneração, investimentos em treinamentos, MBAs, e tantos outros mais. Ainda assim ouvimos queixas e queixas sobre o quanto estes investimentos não geraram os retornos esperados em termos de performance mais elevada das pessoas no conjunto dos investimentos.

Esses são os dados que tenho em mais de 30 anos de pesquisa.— Elliott Jaques

Embora a resposta pareça óbvia, cabem comentários. Os investimentos devem estar associados ao desdobramento da capacidade potencial e às expectativas de desempenho alinhadas à capacidade potencial e aos desafios de complexidade de trabalho. Do contrário, trataremos todos como uma grande massa amorfa. Isso é determinismo. Mas não se sustenta nos dados obtidos. Basta você mesmo olhar para a sua organização e buscar alguma correlação entre estes investimentos e aumento do potencial. Provavelmente encontrará em alguns casos. O que explica? A pessoa teve espaço para aplicar seu potencial? Creio que sim.

O Talent Pool® usa o termo desdobramento para mostrar o crescimento futuro do potencial. Mas não devemos confundir com desenvolvimento, o que envolve acumular conhecimentos hábeis, valores, atitudes, que nos ajudam a desempenhar. Aqui, a arte da gestão do talento se encontra com a retenção deles. Estas são ações controláveis pelo ambiente externo. Mas quem decide aprender é o organismo.

Potencial não é desempenho

Uma palavra final. Potencial, como a física, por exemplo, define, significa “energia não transformada em trabalho”. O que quero dizer com isso é que podemos analisar potencial simplesmente apreciando o potencial. Obviamente que no trabalho temos a pessoa em ação. Porém, ao se falar de futuro, não há porque considerar desempenho. De fato, potencial é a promessa de um desempenho futuro. Muito esforço organizacional deve ser conduzido para que o potencial se transforme em desempenho. Mas a importância estratégica de compreendê-lo (o potencial) é significativa.

 

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Por que Análise de Potencial?

Vivemos um momento em que conhecer e o conhecer-se, no sentido de ampliar a consciência e conhecimento, começam a ser diferencial. Nossos sistemas educacionais estão falidos. Formam pessoas para o depois e pouco familiarizam as pessoas consigo mesmas. Valorizam e avaliam resultados dando notas, mas não preparando as pessoas para os desafios da vida prática em geral. As empresas começam a se decepcionar quando contratam pessoas por critérios como boa faculdade, idade, currículo e observam que os resultados não estão exatamente bem relacionados com sucesso acadêmico ou formação específica.

As empresas querem investir com critério e precisão. A natureza das relações de trabalho estão se alterando. As decisões são tomadas com poucas informações, a necessidade de rápida adaptação e fácil modificabilidade pessoal tornam-se alguns dos traços de perfil esperados. As empresas querem identificar as competências, querem conhecer a capacidade humana instalada. E querem, então, proceder a uma Análise de Potencial.

Fundamentos

Muitas são as ofertas de produtos e serviços. Poucos falam especificamente de Análise de Potencial. O Instituto Pieron adota uma abordagem fundamentada por pesquisas longitudinais e confirmadas pela prática como bem-sucedidas. A base de nossa metodologia é a fundamentação fornecida pelo Dr. Elliot Jaques da Brunel University – Londres. Na década de 70, ele e sua equipe desenvolveram um longo processo de análise e identificaram o que chamaram de Níveis de Abstração na Lógica e Ação Humana. Ao todo, sete níveis (em destaque). Cada nível identifica padrões de funcionamento que sugerem capacidade para desempenhar em determinadas funções, assumindo tarefas de determinada complexidade. Identificar claramente o nível de desenvolvimento de uma pessoa (nível de abstração) é determinante para se compreender seu potencial (estimativa da sua capacidade para assumir quê tipo de desafio). Para compreender os níveis de abstração, busca-se identificar, através da análise e avaliação, a relação das pessoas com alguns indicadores importantes: lidar com ambiguidade, incertezas, lidar com regras, pensamento parte-todo, uso da informação, autonomia pessoal. E as emoções? Os aspectos emocionais permeiam toda a atividade. Determinados padrões de reação emocional são típicos de determinados níveis de abstração, o que é estudado na relação com as regras, por exemplo. Pessoas com grande autoconfiança e alto grau de percepção interpessoal tornam-se capazes de atuar com poucas informações e vislumbrar caminhos e conduzir um grupo naquela direção.

Metodologia

A metodologia mais validada na história de análises de potencial é o Assessment Center. Desenvolvido nos anos 60 (um dos principais patrocionadores foi a AT&T), o Assessment Center é um processo sistematizado e orientado para identificar capacidades. Sua natureza é a multiplicidade, em que diferentes situações, entrevistas, jogos, testes são utilizados. Os participantes são acompanhados por múltiplos avaliadores, que tanto assumem papéis como conduzem entrevistas. O foco da análise não é o conhecimento específico, de conteúdo, mas sim, seus recursos estruturais, cognitivos, interpessoais, emocionais. Estes recursos são avaliados e interpretados, sendo compreendidos nos Níveis de Abstração.

Os resultados das observações são discutidos com os participantes, em entrevistas posteriores, onde determinadas hipóteses são confirmadas e consolidadas.

Instrumentos

Algumas técnicas são fundamentais.

Jogos e simulações. A escolha de jogos e simulações determinam a qualidade de parte dos resultados. Os jogos precisam ser estruturados de maneira análoga aos Níveis de Abstração que pretendem identificar. Assim, por exemplo, querendo analisar como lidar com regras, os jogos devem permitir a expressão de comportamentos que mostram submissão, exploração, extrapolação ou transformação das regras. Simples técnicas de dinâmica de grupo lidam apenas com comunicação, consenso, influência. Mas é necessário bem mais que isso. Assim, também, jogos e simulações estrategicamente estruturados devem facilitar a compreensão dos recursos cognitivos como: pensar por hipóteses, usar várias fontes de informação, exercitar planejamento, entre outros. Ainda mais, jogos e simulações permitem a identificação das competências da inteligência em ação: habilidades para influenciar, motivar, fazer os demais enxergarem, conduzir, aglutinar, entre outras.

Exercícios cognitivos. Muito além do que buscar medir QI, os Níveis de Abstração querem identificar determinadas competências de processo, que indicam capacidades e potencialidades não só para aprender, como também para processar informações e “enxergar” além do óbvio, do imediato. Funções cognitivas são como ferramentas de trabalho. Elas indicam, em parte, seu funcionamento potencial. Entre elas, procura-se identificar: pensamento hipotético, pensamento divergente, pensamento metafórico, lógico e analógico, amplitude do campo mental. O Instituto Pieron está desenvolvendo e já validando um grande número de novos instrumentos para identificação de competências. Além de jogos exclusivos, exercícios como grade de analogias, pensamento hipotético, formulação de perguntas, pensamento metafórico e pensamento probabilístico compõem parte do nosso instrumental.

Entrevistas simuladas. As entrevistas não visam analisar currículo, a formação em si, mas sim compreender o funcionamento das pessoas em situações de performance específicas.

Testes psicológicos. Os únicos testes efetivamente válidos não são exatamente os de QI ou de inteligência geral. Testes que trabalham sistemicamente o funcionamento das pessoas são os mais indicados. Os mais apropriados são os de estrutura de personalidade, que indicam padrões de funcionamento (Zulliger, por exemplo) ou alguns que possam indicar motivadores específicos (TAT, por exemplo). Os inventários têm pouco a contribuir. Baseiam-se em palavras e autopercepção. Palavras são sujeitas a controle, a múltiplas informações. Qualquer pessoa pode influenciar seu resultado evitando palavras que possam sugerir algo “negativo” para si. Além do mais, no próprio autoconceito, todos somos excepcionais. É natural do ser humano a “defesa do ego”.

Todo o trabalho de Análise de Potencial se consolida com a participação do avaliado. A ele interessam os resultados, tanto quanto para a empresa. Os resultados das Análises de Potencial são consolidados e transformados em ações focadas de desenvolvimento. Cada Nível de Abstração sugere capacidades e missões específicas. Uma organização estruturada em termos de Níveis de Abstração terá mais condições para alocar seu potencial e usufruir melhor do aproveitamento de seus recursos e a pessoa de produzir e se desenvolver dentro das melhores condições de desafio e competências. Por exemplo, o nível I de abstração está essencialmente voltado para produzir/entregar algo com a qualidade esperada. O nível II, coordenar tarefas e aplicar com eficiência a noção de prestação de serviços. O nível III, essencialmente orientado para criar contextos e praticar a excelência. O nível IV, essencialmente orientado para implementações estratégicas. O nível V, essencialmente estrategicamente intencionado. Os níveis VI e VII falam de talentos transculturais, capazes de desenvolver ou assumir os negócios das organizações em outras culturas.

Análise de potencial norteia programas de desenvolvimento

O sistema de Recursos Humanos da Minerações Brasileiras Reunidas – MBR carecia de informações mais completas e amplas sobre seus funcionários antes de contratar o serviço de análise de potencial do Instituto Pieron. A informação é de José Francisco de Azevedo, chefe do departamento de treinamento e desenvolvimento da empresa, que hoje é a quarta mineradora de ferro no ranking mundial e a segunda no Brasil. “Alguns processos decisórios de treinamento e movimentação de pessoal ficavam dúbios, pela falta de informação de nosso sistema”, disse Azevedo.

Com esta constatação, os profissionais de treinamento foram ao mercado em busca de uma metodologia que suprisse e subsidiasse todo o processo decisório da administração dos Recursos Humanos da organização. Coincidência ou não, um dos funcionários do departamento da empresa havia participado de um curso do Instituto Pieron e dispunha de informações sobre o sistema Assessment Center. “Depois de muita pesquisa, acabamos concluindo que esta metodologia correspondia às nossas necessidades”.

Noventa profissionais que ocupam cargos de liderança, de supervisores a chefes de departamento, passaram pelo processo de Análise de Potencial. “Em função disso, hoje estes funcionários têm planejamento de carreira e investem em seu próprio autodesenvolvimento”, constatou Azevedo.

Segundo Luiz Alberto Chaves, gerente corporativo de Recursos Humanos e Comunicação da Bahia Sul Celulose, o motivo que o levou a contratar o Instituto Pieron foi “a base metodológica e conceitual bastante rica e adequada para fazer um trabalho de identificação de potencial – o que não é muito fácil de encontrar no Brasil”. Em sua avaliação, a credibilidade da instituição foi muito importante na decisão. “Precisava de uma metodologia que gerasse confiança, para que as pessoas entrassem sem medo e saíssem com ganhos imediatos, só de fazer a avaliação”, relatou Chaves. Por meio do diagnóstico do Pieron, segundo o gerente, a Bahia Sul Celulose, empresa do grupo Suzano e Vale do Rio Doce, pôde definir um plano de desenvolvimento agregando ações coletivas e individuais para 1997. “Hoje conhecemos o estágio de desenvolvimento de cada gestor – de diretores a supervisores, 300 no total. Identificamos os pontos fortes e a desenvolver no grupo”. Além da credibilidade, o Instituto Pieron, segundo Chaves, transmitiu-lhe segurança de que um diagnóstico adequado seria realizado para nortear o programa de desenvolvimento deste grupo de gestores. Liderança, planejamento, direcionamento para resultados e espírito empreendedor foram os focos da avaliação.

“O que não queríamos era fazer um monte de programas. Queríamos economizar tempo e recursos, evitando os treinamentos massificados. As pessoas são diferentes e precisam ser vistas como indivíduos”, destacou Chaves, informando que o grupo Suzano e Vale do Rio Doce comercializa seus produtos em todo o planeta e é certificado pela ISO 9002 e ISO 14001.


Nota: Artigo publicado originalmente na antiga revista do Instituto Pieron (1997).

 

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