Complexidade, Contexto, Liderança

Os sete níveis do empreendedorismo nas start-ups

Empreendedorismo é a palavra da moda. Não se fala mais em criar um negócio que adicione valor à sociedade; fala-se em ser empreendedor; não basta ser empresário, há que se fundar uma start-up.

O lado positivo desta tendência – quer crer minha faceta mais otimista – é que existe uma crescente parcela da população disposta a assumir riscos. E isso, sem sombra de dúvidas, pode ser muito bom; para tanto, basta que os agentes que se beneficiarão dos upsides sejam os mesmos que sofrerão com os downsides.

Mas – agora deixando o otimismo um pouco de lado – a verdade é que a palavra empreendedorismo é usada quase como um mero sinônimo de “novas ideias” e “criatividade” ou com o sentido de “dar vida a novos produtos [1]” e “ganhar muito dinheiro”. Em casos mais extremos – impossível deixar de notar –, a palavra é usada para atrair jovens para palestras de autoajuda.

Apesar de todas as fantasias que circundam o “mundo dos empreendedores”, o sucesso de uma empresa sempre dependerá da interação entre o trabalho empreendedor e o trabalho executivo. Um não caminha sem o outro; na dúvida pergunte a um empresário – ele lhe ajudará a encontrar e a colocar os pingos nos is.

Mas qual, afinal, qual é a diferença entre os dois?

  • Trabalho empreendedor: identificar oportunidades para que as organizações adicionem valor às sociedades, satisfazendo alguma necessidade existente ou latente; promover o crescimento das organizações, levando a cabo as mudanças e investimentos necessários ou, até mesmo, começando-as do zero.
  • Trabalho executivo: gerenciar as organizações para que elas forneçam bens e serviços, cada vez melhores e de forma eficaz, às sociedades; promover melhorias em todas as atividades, sistemas de trabalho e relacionamentos que sejam necessários. [2]

Tendo em mãos uma definição clara do que constituí trabalho empreendedor e trabalho executivo, conclui-se que dizer que alguém é um empreendedor faz tanto sentido quanto dizer que outrem é um líder; ou seja, não faz sentido algum.

O exercício da liderança e do empreendedorismo não podem ser entendidos despegados de alguma função específica ou sem um mínimo de contexto. Por exemplo, toda pessoa que ocupa um cargo de gerência é, por definição, um líder. Afinal, um gerente é aquele que presta contas não apenas pela sua própria eficácia pessoal, mas também pelo resultado do trabalho dos seus subordinados. Mas, claro, nem todo líder é um gerente, já que o exercício da liderança também é inerente a outras funções, tais como a do presidente da república e a do brigadista de incêndio. Uma regra para a vida: se você perguntar para alguém o que faz da vida e ele responder que é um líder, desconfie.

O mesmo raciocínio é válido para o empreendedorismo. Não importa se você é um pequeno empresário ou o CEO de uma corporação multinacional; em ambos os casos você – independentemente de vontade ou vocação – tem que exercer o trabalho empreendedor e também o trabalho executivo e também a liderança. Empreendedor não é substantivo, é adjetivo (apesar do que os dicionários possam lhe dizer a respeito).

Enfim, agora que temos claro o que é empreendedorismo, podemos voltar nossa atenção para como ele se manifesta. A descrição de cada um dos sete níveis [3] foi pensada para trazer exemplos típicos de como o trabalho empreendedor pode se manifestar em start-ups; mas – agora você já sabe muito bem disso – o mesmo raciocínio se aplica a organizações já estabelecidas.

Nível 1

O foco do empreendedorismo neste nível é buscar formas não prescritas de realizar algo que foi especificado anteriormente. O foco está nas interfaces e na experiência que as pessoas têm com a organização. Pense num repositor de gôndolas num supermercado que, ao notar que um cliente não está encontrando o produto que procura, se oferece para ir até o fundo da loja para checar o estoque e encontrar o item procurado. Ou pense num programador, que ao perceber que a forma com a qual algumas linhas de código de um programa utilizado por milhões de pessoas foram escritas pode ser otimizada, reescreve-as para economizar capacidade de processamento e aumentar a performance para os usuários finais. Os atores nos exemplos em questão encontraram formas não prescritas de cumprir o propósito de “ter clientes satisfeitos” e “boa experiência de uso”, respectivamente. Às vezes chamamos isso de “ter capricho com o que se faz”.

O trabalho neste nível é, obviamente, de extrema importância, pois é aqui onde os clientes de fato experimentam e interagem com a organização; mas a criação de uma start-up – como um negócio de verdade –torna-se mesmo possível a partir do nível seguinte.

Nível 2

Neste nível, o empreendedorismo está em encontrar as melhores soluções para os problemas existentes. Pense num engenheiro de computação que percebe que o processo de agendar reuniões entre várias pessoas é lento e moroso; e, para otimizá-lo, usa seu conhecimento e habilidades para criar um aplicativo que automatiza todo o fluxo e evitando frustração e caixas de e-mail lotadas. Ou pense num estudante de doutorado alemão que, frustrado com o espaço que os arquivos de áudio ocupam no seu computador, percebe que pode desenvolver um mecanismo para compactá-los com perda mínima de qualidade e cria o que hoje conhecemos como MP3.

Fica claro que a concepção de muitos produtos e tecnologias que acabaram mudando a forma como trabalhamos e interagimos aconteceu neste nível. Grande parte das start-ups que se tornaram empresas de bilhões de dólares surgiram aqui. Apple, Google, Facebook e Uber são apenas alguns exemplos. Mas somente quando migram para o terceiro nível é que as start-ups começam mesmo a ganhar o mundo.

Nível 3

Neste nível, começamos a falar de miniorganizações: a start-up “deixa a garagem do fundador” e tem que se preocupar com outros aspectos do negócio além do próprio produto que, via de regra, motivou sua constituição. O foco passa a ser encontrar caminhos alternativos para que a organização cresça e alcance cada vez mais clientes ou usuários. Requer um plano para alcançar objetivos que estão um ou dois anos à frente e caminhos alternativos para alcança-los.

Percorrer esses caminhos acaba envolvendo outros focos que talvez estivessem num plano secundário, mas que agora são necessários para o sucesso e crescimento: a função de vendas e as funções de apoio à operação são exemplos notáveis. Uma start-up que migra com sucesso do nível 2 para o nível 3 consegue fazer com que seu propósito seja realizado e efetivamente transformado num negócio que tem forma e é (ou deveria ser) autossustentável.

Nível 4

Start-ups amadurecem para este nível quando passam a ter mais de uma forma por meio da qual realizam seus propósitos. Via de regra, isso significa que deixam de ser centradas num só produto (ou linha de produtos) para atuar de formas bastante diferentes. Lembra-se quando o Google deixou de ser apenas centrado em search e lançou o Gmail?

Mas, claro, o trabalho não é simplesmente lançar novas linhas de produtos. Estamos falando de olhar para fora, identificar mudanças e tendências (mercadológicas, tecnológicas ou sociais) e agir para que organização esteja em posição competitiva anos à frente. No Nível 3 bastava construir um caminho (ou caminho alternativos); neste quarto nível são necessários vários caminhos paralelos e interconectados para que se alcance o resultado desejado. É necessário julgar, de forma prática, se as novas iniciativas se encaixam com os grandes sistemas de trabalho existentes e promover as adaptações necessárias para que todos caminhem de maneira simultânea e coordenada.

Interessante notar que é o Nível 4 de organizações já estabelecidas que se encarrega – ou deveria se encarregar – de neutralizar a ameaça que as start-ups emergentes representam para seus negócios. Um dos exemplos mais infames é a IBM, que, na década de 1970, deixou de notar (ou de levar a sério) a ameaça que representavam os computadores pessoais. Ou as gigantescas concessionárias de telecomunicações e TV a cabo, que, mesmo tendo acesso abundante a capital, não conseguiram se posicionar para tirar proveito das tecnologias emergentes que colocariam em cheque seu modelo de negócios. Como resultado, hoje se encontram reduzidas a meras fornecedoras de infraestrutura de dados para as plataformas que se apoderaram do cliente final (Skype, Netflix, WhatsApp e YouTube são apenas a ponta do iceberg).

Nível 5

Empresas que alcançam este nível já não são mais start-ups. Chegaram aqui porque já obtiveram sucesso, criaram valor e angariaram clientes com algum produto que serviu como seu cartão de visitas; já cresceram, expandindo seu mercado potencial e tornando-se acessível para novos nichos ou geografias; e também já inovaram, no verdadeiro sentido da palavra, buscando novas formas de atender aos seus clientes e realizar seus propósitos. Neste nível, o trabalho é tão simples – e tão complexo – quanto sustentar o bem-estar da organização.

Empreender neste nível requer entender o negócio como um sistema complexo e navegar constantemente pelo ambiente em que ele está inserido para criar uma representação de como a organização deveria ser. O objetivo é assegurar seu sucesso e viabilidade – social e financeira – no longo-prazo (tipicamente cinco a 10 anos à frente). O empreendedorismo não está mais em apenas encontrar soluções, definir caminhos e integrar formas simultâneas de atuação; está, sim, em constantemente colocar em xeque, definir e redefinir o propósito da organização e fazer com que este propósito seja plenamente materializado em todos os seus níveis.

Aqui falamos do verdadeiro trabalho de um CEO; aquele que navega um ambiente formado por grandes grupos de stakeholders diversos e com interesses muitas vezes conflitantes entre si: acionistas, empregados, fornecedores, clientes, governos e reguladores. Os assuntos são propósito, viabilidade financeira, papel social, cultura organizacional, modelo de gestão etc. e o trabalho é fazer com que suas representações possam se materializar em todos os níveis do empreendimento. Entende-se que somente assim a organização prosperará.

Nível 6

Agora entramos no nível das corporações. Esqueça um negócio; o trabalho agora é monitorar e aumentar o valor de um portfólio de negócios autônomos e diversos entre si. Empreender requer entender contextos e antecipar grandes mudanças globais para proteger as unidades do portfólio. É preciso balancear o global e o local, e integrar valores institucionais com culturas específicas nas quais a organização está inserida. Requer uma representação sobre como grandes tendências se desenrolarão mundo afora e decisões sobre a criação ou compra de novos negócios (e também sobre a descontinuação ou venda de alguns deles). As decisões são tomadas agora e os resultados tornam-se tangíveis apenas 10 a 20 anos à frente.

Um exemplo recente e que ajuda a ilustrar a transição de uma organização do Nível 5 para o Nível 6 foi a criação da holding Alphabet. O trabalho no Nível 6 é proteger e alocar recursos para unidades de negócio completas, que têm propósitos tão diversos quanto criar hardware elegante para residências (Nest), tornar a medicina proativa ou invés de reativa (Verily), lutar contra o envelhecimento e estender a vida humana (Calico), revolucionar a vida urbana (Sidewalk Labs), além de – é claro – organizar as informações do mundo e torná-las mundialmente acessíveis e úteis (Google).

O empreendedorismo neste nível é navegar e criar um network de altíssimo nível para que se possa entender o que está acontecendo no mundo para alocar recursos entre negócios diversos, com propósitos diferentes, devendo, inclusive, ajudar CEOs no Nível 5 a reverem seus propósitos e direcionamentos estratégicos. Envolve criar e encerrar negócios e integrá-los numa representação coerente dos valores e forma de atuação de uma corporação.

Nível 7

Negócios e portfólios de negócios não são mais tão interessantes em si mesmos, mas podem ser um veículo para algo maior. O trabalho agora é criar novos valores para sociedades e para futuras gerações. Os resultados estão mais de 20 anos à frente e há a aceitação de que talvez não seja possível ver o fruto do próprio trabalho; o valor está sendo criado para futuras gerações que ainda estão por vir. “Como levar a cabo mudanças que garantirão a sobrevivência dos valores ocidentais para gerações que ainda não nasceram”? “Como promover um modelo organizacional que revolucionará a confiança institucional e o bem-estar das sociedades”? São perguntas deste tipo que têm de ser respondidas neste nível.

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Espero ter deixado claro que o trabalho empreendedor tem facetas muito diferentes e que são pouquíssimas as pessoas que têm ou em algum momento terão a capacidade de trabalhar nos níveis mais altos que descrevi acima. O empreendedorismo para um recém-graduado buscando uma ideia inovadora que justifique a criação de uma empresa significa algo muito diferente do que o empreendedorismo para o CEO de uma empresa que fatura alguns bilhões de dólares. Empreendedorismo não é apenas um “estilo de vida” ou uma “ideia agradável”; é algo que requer trabalho duro e, cada vez mais, tolerância à incerteza.

Notas:

[1 ] Uso a palavra produto para me referir a qualquer bem ou serviço oferecido para a sociedade; [2] Esta é uma das ideias centrais que Nassim Nicholas Taleb desenvolve em Antifragile; [3] Esta distinção foi inicialmente descrita por Elliott Jaques e agora revisitada para este artigo; e [4] – Os sete níveis de abstração a ação humana foram descobertos e descritos por Elliott Jaques e posteriormente destilados por Gillian Stamp no que chamou de Matrix of Working Relationships; este modelo, naturalmente, serviu de base para o pensamento por trás deste artigo. É também parte central do trabalho do Instituto Pieron junto às organizações por meio do que chamamos de Work Levels.

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Autodesenvolvimento, Liderança, Recursos Humanos

Sem feedback, voamos às cegas

Sem feedback, voamos às cegas.

— Folkman

Sem aprendizagem não podemos viver. Sem feedback não podemos aprender.

— Rubin & Campbell

Não oferecer feedback é um tipo de castigo psicológico.

— Williams

Diante destas frases, o senso comum pode nos levar a pensar que o feedback é sempre bom de oferecer e receber, que é uma prática fácil e natural, algo que qualquer pessoa consegue fazer. Mas será que praticá-lo é tão simples quanto o pode parecer?

Parece ser um consenso que o feedback é central para o gerenciamento da performance, seja para o autogerenciamento como para o gerenciamento da performance dos outros. Via de regra, o feedback é considerado como um elemento importante para orientar, motivar, reforçar comportamentos e evitar passos pouco efetivos. Com o feedback, espera-se que o indivíduo possa se orientar melhor para atingir os objetivos com os quais ele se envolve.

Alguns efeitos positivos do feedback

  1. Mantém as pessoas informadas;
  2. Favorece a realização do trabalho de forma mais efetiva;
  3. Corrige eventuais erros do passado;
  4. Promove o crescimento das pessoas a partir das próprias realizações; e
  5. Estimula o envolvimento das pessoas com as tarefas.

Podendo se valer de diferentes fontes, o feedback está bastante disponível no ambiente organizacional. As fontes podem ser a própria pessoa (como objeto da autorreflexão),  uma figura de autoridade (como um gerente ou professor), os pares (dentro de uma equipe), os subordinados (quando a pessoa exerce um papel de comando), uma avaliação psicológica, um amigo; mas em todas elas é preciso que a fonte seja identificada como digna de confiança para que o feedback possa favorecer a obtenção de efeitos consistentes. Seria ingenuidade pensar que qualquer prática que envolva seres humanos pode ser levada adiante de uma forma intensa e produtiva sem que exista uma relação de reciprocidade entre quem oferece e quem recebe.

Apesar de acessível e importante, obstáculos podem surgir e tornar difícil a apropriação deste recurso, gerando efeitos indesejáveis ou contrários a intenção original da prática.

Dificuldades para dar feedback

  1. Poucas pessoas gostam de discutir as próprias dificuldades;
  2. As pessoas não acreditam na fonte do feedback;
  3. Os envolvidos não são suficientemente confiantes para lidar com críticas;
  4. O feedback é utilizado apenas como instrumento de poder; e
  5. O feedback é deliberadamente destrutivo ao invés de construtivo.

Entretanto, os efeitos do feedback sobre a performance dependem da característica motivacional da pessoa envolvida; e seu estilo individual e valores também atuam como variável acerca da importância que ela atribuirá para o feedback. Vroom cita um estudo realizado na França em 1958 no qual grupos de pessoas com alta motivação para conquista de metas desempenhavam melhor quando recebiam feedback acerca dos resultados nas tarefas; e que grupos de pessoas com alto interesse em afiliação aumentavam o desempenho quando recebiam feedback acerca de “sentimentos”, mais do que em relação à realização das tarefas.

Alguns tipos de feedback

  1. Feedback positivo: reforça o comportamento;
  2. Feedback corretivo: muda o comportamento;
  3. Feedback insignificante: vago e genérico;
  4. Feedback ofensivo: destrutivo;
  5. Feedback inadequado: feito com base naquilo que o indivíduo não pode mudar; e
  6. Feedback silencioso: é não-verbal, normalmente dado “sem palavras”.

O feedback positivo visa reforçar o comportamento toda vez que ele ocorre. Dar feedback positivo é diferente de apenas dizer “muito bem”, além disso, ele deve enfocar os comportamentos que são valorizados ou eficientes para que o resultado final seja atingido.

Dar um “tapinha nas costas” é bem diferente de oferecer feedback positivo. Dizer para a pessoa que um trabalho foi bem feito normalmente aumenta o bem estar e costuma inflar o ego, mas não vai além disso. O feedback positivo deve deixar claro quais as forças do indivíduo são importantes para a organização.

A definição de elogio ou feedback positivo pode ser entendida como aquele que identifica o comportamento ou resultados desejados de seu pessoal ou aqueles que ultrapassam as expectativas. O propósito do elogio é incrementar os comportamentos desejados em seu pessoal ou a performance dele. O impacto do elogio é significativo, aumenta a confiança do colaborador, a performance e a motivação (Hataway, 2006).

Muitas pessoas consideram que é bastante fácil dar um feedback positivo, e eles quase não ocorrem no dia-a-dia do trabalho. Prover a pessoa com feedback positivo implica em uma ação de afirmação, de aceitação ou aprovação de algum comportamento ou ação.

Feedback corretivo ou crítico pode ser definido como a arte de avaliar ou analisar com conhecimento e propriedade. Normalmente as pessoas definem um feedback crítico como sendo um ato de criticar de forma desfavorável, sendo que a crítica é entendida como uma forma de apontar aquilo que nunca dá certo e não como uma oportunidade de desenvolvimento.

Quando o feedback crítico é entendido como uma oportunidade de expandir nossa compreensão, é mais uma ferramenta para chegarmos a resultados positivos. Oferecido com propriedade, ele se torna um feedback construtivo (Hataway, 2006).

Precisamos também compreender que existe uma diferença entre uma crítica positiva e uma crítica negativa e elas devem fazer parte de um balanço na avaliação da performance ou do comportamento.  Em ambos os casos elas devem e podem ser construtivas. Para Bee & Bee (2002), a crítica construtiva visa corrigir e melhorar o comportamento de baixa qualidade ou insatisfatório e deve fornecer informações sobre o comportamento e o desempenho com base em dados objetivos, estimulando aquele que está sendo criticado a comprometer-se com a busca de padrões estabelecidos de comportamento e desempenho.

Contudo, este tipo de feedback se afigura como o mais difícil de acordo com Williams (2005), uma vez que o que podemos também observar é que somente as pessoas com elevado grau de confiança tendem a considerar as críticas como estímulos para fortalecer o desempenho delas.

Feedback genérico ou vago é aquele que aborda uma expressão global do problema, por exemplo, quando nós dizemos a uma pessoa “você precisa se comunicar melhor” ou “você precisa motivar mais os outros”. Este feedback provavelmente deve refletir esforços de mudança em termos globais. As pessoas podem dizer “eu estou melhorando minha….” e no final da sentença colocar os termos: comunicação, motivação, consideração.

Quantas vezes nós ouvimos as pessoas dizerem que conhecem as suas dificuldades e os pontos que precisam ser melhorados, mas quando perguntadas acerca de quais ações elas tem levado a efeito para tal, surge uma frase assim “eu tenho refletido sobre…”.

Folkman (2006) afirma que metas globais não levam a nenhum comportamento específico e fazem com que nós evitemos o teste da realidade. Ao não estabelecermos metas que podem ser avaliadas de forma concreta ou quando não temos parâmetros definidos, não podemos avaliar se estamos melhorando ou não; ficamos apenas na expectativa ou na crença de que estamos fazendo o que é necessário.

Feedback ofensivo: o feedback ofensivo ou destrutivo pode ser baseado no desprezo ou em ataques diretos à pessoa. Para Bee & Bee (2002) “o feedback destrutivo costuma acontecer só quando as coisas saem erradas (esse tipo de atitude lhe parece familiar?) e quando não há padrões pelos quais se pode avaliar o desempenho ou o comportamento, ou qualquer plano que vise o desenvolvimento.

O feedback inadequado, que tanto pode ocorrer em função do momento ou em função daquilo que a pessoa tem poucas condições de mudar (uma pessoa me disse uma vez que não gostava da “cara” de um trainee em uma avaliação do trabalho). Segundo Paula (2005) este tipo de feedback pode trazer consequências psicológicas indesejadas e aumentar o sentimento de insuficiência das pessoas.

Muitas vezes o feedback acontece depois de muito tempo do comportamento ou dos resultados atingidos, ou então não levam em consideração a capacidade da pessoa em lidar com críticas, a sensibilidade de cada um. Creio que todos nós sabemos o que é levar uma bronca na frente dos outros, por mais justo que seja o motivo.

Ocorre que em muitas empresas o feedback aparece somente nas avaliações que ocorrem no final de cada trabalho ou mesmo no final de um ano. “Muitas vezes, a pessoa se vê soterrada pelas críticas, que não raramente se referem a questões e acontecimentos ocorridos há muito tempo, que já não estão claros na memória e sobre os quais a pessoa não possui mais qualquer influência” (Bee & Bee, 2002).

O tipo de feedback que é chamado feedback silencioso, segundo Hataway, é aquele que não provê nenhuma resposta verbal. De acordo com a autora, o propósito deste tipo de feedback é manter o status quo e com ele não existem surpresas; se bem que o efeito do silêncio tende a ser uma diminuição na motivação e na performance dos empregados.

Mas o feedback silencioso não quer dizer que não exista uma comunicação, pois não precisamos mandar mensagens somente com palavras. Muitas vezes, a postura daquele que deveria dar o feedback denuncia, de forma sutil ou não, que algum tipo de comportamento ou resultado gerou algum impacto. Nestas ocasiões, o silêncio fala…

Quando o comportamento ou as contribuições da pessoa são ignorados, ao não receber feedback quando solicitado ou então,recebê-lo centrado apenas naquilo que a pessoa fez de errado, é improvável que alguém siga motivado ou que isso venha a fazer com que a pessoa tome mais iniciativas para contribuir.

Provavelmente, muitas dificuldades derivam de o  feedback não apresentar critérios e objetivos claros, bem como, de as pessoas ou a organização não terem o hábito de oferecer ou receber feedback; ou seja, elas simplesmente não sabem “como fazer”. Entretanto, pedir e prover feedback são habilidades, e como tais, podem ser aprendidas e desenvolvidas. E da mesma forma como qualquer outro tipo de relacionamento, ele segue regras e precisa ser baseado em princípios, tais como, respeito mútuo, visão positiva do ser humano e responsabilidade por resultados, entre outros.

Papéis para os gerentes

Sue Bishop atribui seis papéis fundamentais para o gerente quando desempenha um papel no qual ele precisa oferecer feedback. São eles:

O gerente como avaliador: quando a avaliação do trabalho é feita revelando um equilíbrio entre uma atividade bem realizada e uma observação construtiva para a melhora da performance, normalmente as pessoas aceitam o feedback sem defensividade ou ressentimentos. Mas esta prática não pode ser realizada uma vez ao ano, mas sim, em uma base regular. Os gerentes e a equipe precisam monitorar constantemente o progresso, motivação, resolução de problemas.

Para que um trabalho seja bem apreciado, ele precisa ter alguns padrões estabelecidos, que precisam ser discutidos e comunicados à equipe, para que se possa monitorar a performance passada e presente.

O hábito de documentar as conclusões de uma reunião, quais decisões foram tomadas, por exemplo, servem como ponto de apoio para encorajar as pessoas a melhorar a performance, uma vez que os objetivos ou acordos estão claros.

A avaliação também deve contemplar um clima de parceria entre o gerente e o colaborador, até para que surja a oportunidade de o gerente receber feedback de como o seu modelo de gerenciamento está sendo percebido e, da mesma maneira de quem recebe, o que pode ser melhorado.

O gerente como coach: coaching é uma das áreas do gerenciamento na qual dar (e receber) feedback construtivo é um elemento chave ao considerarmos que, dentre tantas outras habilidades, o coach deve ser um bom comunicador e hábil para ouvir e instigar quem recebe o coach a identificar as suas áreas de problemas e a incrementar alternativas.

Como coach, ao oferecer feedback para um colaborador, três assuntos devem ser abordados, que  por parecerem um tanto óbvios, por vezes são deixados de lado.

  1. Forças e oportunidades de desenvolvimento;
  2. O impacto das ações individuais no trabalho; e
  3. Quais os caminhos para se fazer as coisas de modo mais efetivo.

Além disso, não podemos esquecer que o feedback sobre a performance deve ser dado rápida e frequentemente, buscando um equilíbrio entre uma apreciação do trabalho bem feito com as informações necessárias para que a performance aumente.

O gerente como censor: como todo excelente gerente, que sabe dar um feedback construtivo no momento certo, em algumas ocasiões será necessário usar uma abordagem mais corretiva com o staff. As atitudes corretivas podem ir de um assinalar, passar por um repreender e chegar à demissão.

O propósito deste tipo de abordagem é o de chamar a atenção da pessoa às falhas na performance, comportamentos inadequados e, como a maioria das formas de feedback, deve ser composto de um balanço entre o elogio e a crítica.

O maior propósito da crítica é ser construtiva. Comentar somente o que deu errado sem sugerir uma solução é essencialmente destrutivo e a intenção deveria ser identificar e ajudar a pessoa a corrigir os comportamentos inaceitáveis sem comprometer a autoestima.

Critique o comportamento de forma bem específica, nunca a pessoa pelos seus traços pessoais, pergunte à pessoa como ela vê o problema e cheque se ambos estão entendendo a mesma coisa.

Lembrando que, segundo Williams, este tipo de feedback é um dos mais difíceis. Frequentemente ocorre o julgamento, as relações de poder tendem a aflorar, ainda mais quando quem oferece o feedback tem uma tendência a encontrar bodes expiatórios para as suas próprias deficiências.

O gerente como conselheiro: aconselhar é um tema vasto. Bishop entende que o “Counselling” (com C) deveria ser conduzido por pessoas não somente bem treinadas ou qualificadas, mas emocionalmente competentes para lidar com os problemas dos outros de forma isenta, mas sem perder a empatia.

Mas o “counselling” (com c) é parte de qualquer tipo de gerenciamento, quando um membro do staff necessita de conselhos em um nível pessoal. O gerente pode não se sentir tão confortável neste papel, então é de sua responsabilidade discutir a possibilidade de uma ajuda especializada.

O “counselling” envolve captar emoções, sentimentos, interpretá-los ou demonstrar que há uma disponibilidade para ouvir e compreender, não somente fazer recomendações, mas refletir com a pessoa acerca do que ela quer dizer, ajudá-la a analisar o problema, proporcionar pontos de vista diferentes.

Raramente, dificuldades pessoais podem ou devem ser exploradas em reuniões. É preciso encontrar o espaço certo para deixar a pessoa se expressar, fazendo observações se necessário, desde que um rapport tenha sido previamente construído para não tornar a pessoa reticente. A pessoa precisa saber que está sendo ouvida e que as suas questões podem ser tratadas de forma positiva e construtiva.

O gerente como um “apresentador”: quando fazemos uma apresentação precisamos levar em consideração a resposta do público-alvo. A comunicação em duas vias nos diz que para que uma pessoa dê o melhor, ela precisa saber se as suas palavras estão repercutindo. É necessário um constante ajustamento e reajustamento acerca das palavras, gestos, expressões faciais. Sendo a resposta positiva ou negativa, ela é fundamental para a comunicação.

Então, para saber se os seus esforços como aquele que oferece feedback estão sendo atingidos, você precisa receber feedback. Quanto mais se fica mergulhado na leitura de notas, gráficos, sem olhar para as pessoas ao redor, mais tediosa se torna a “apresentação”. É, portanto, necessário prestar atenção nas reações da platéia e ter estratégias diferentes para atingir o público.

Se você sabe que não é um bom orador ou que “falar em público” não é o seu forte, seria interessante fortalecer esta habilidade através de um curso ou workshop no qual você pudesse praticar a sua apresentação.

O gerente como selecionador: por vezes, precisamos oferecer feedback nos processos seletivos, situação que se  torna particularmente desagradável quando temos de lidar com pessoas que não foram admitidas.

Neste caso, a técnica “sandwich” pode ser apropriada (para quem não sabe, a técnica “sandwich” é começar e terminar com pontos fortes), ainda aqui o feedback deveria ser sempre balanceado. Nós temos uma tendência a lembrar mais facilmente da primeira e da última coisa de uma lista, esquecendo o que está no meio, o que no caso do feedback também é importante como aspectos para uma revisão por parte da pessoa.

Como ao oferecer feedback temos um compromisso com a honestidade das informações, considerar somente os aspectos positivos de um perfil seria no mínimo uma visão ingênua, até porque “positivo” e “negativo” admitem valores bastante relativos quando falamos de seres humanos.

Feedback, muitas vezes, significa fornecer informações ou fatos, sejam eles aceitos ou não, e precisa ser constante, objetivo, tornando-se efetivo quando os envolvidos trabalham juntos e quem o recebe assume a responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento, incrementando uma dinâmica de constante movimento em relação à mudança e aperfeiçoamento. Desenvolver habilidades para oferecer e receber feedback é, segundo Bee & Bee, “quase como adotar um novo estilo de vida”.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

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Liderança

Realidade ou ficção? Um diálogo sobre gestão do desempenho

– Temos que avaliar o desempenho dos nossos funcionários, mas estamos receosos de que apenas o julgamento dos gerentes possa levar a algumas variações ou inconsistências. O que acha que podemos fazer?

– Vamos pensar em algo, mas temos sim que confiar nos julgamentos dos gerentes. Claro que esses podem, e devem, ser supervisionados por seus próprios gerentes.

– Não sei… você não acha que as avaliações podem ficar um tanto subjetivas?

– Com certeza. Mas qual avaliação não é subjetiva?

– Eu sei… mas se usarmos uma avaliação 360 graus não diluímos um pouco a subjetividade? Afinal, teríamos um número maior de opiniões…

– Quem define as tarefas e assume a responsabilidade pelo trabalho de um funcionário?

– Seu gerente?

– Exatamente! Então quem mais poderia julgá-lo com relação ao seu desempenho?

– Entendo… mas isso não parece simples demais? Não seria melhor termos um modelo por competências? Assim pelo menos teríamos certeza de que todos estão observando os mesmos comportamentos, não?

– E quem definiria quais competências ou comportamentos seriam relevantes?

– Podemos trazer uma consultoria para nos ajudar a ouvir todos na organização e chegar a umas oito ou dez competências principais.

– Para cada posição?

– Não… seria algo transversal, que poderíamos aplicar para todos…

– Não parece fazer sentido. Já teve alguma experiência com isso?

– Na empresa em que trabalhava, as avaliações de desempenho eram baseadas num modelo de 12 competências, todas desdobradas em comportamentos. Talvez sejam muitas, mas era assim que funcionava por lá.

– Sei…

– Bem… investimos bastante para montar o modelo e todos na indústria usavam algo bem parecido com as nossas competências. Até fizemos benchmark!

– Como assim? A empresa e os competidores tinham as mesmas competências?

– Não exatamente… mas eram bem parecidas: entrega de resultados, visão estratégica, relacionamentos e networking, liderança, … algumas variações desses temas.

– Estranho… Pelos menos funcionava?

– Bem… os gerentes reclamavam um pouco, diziam que tomava tempo demais e que havia critérios que não faziam sentido. Observar e pontuar todos aqueles comportamentos realmente não devia ser algo fácil. Na prática, acho que eles distribuíam pontuações para fazer uma conta de chegada nas avaliações.

– Faz sentido, mas parece que voltamos ao ponto inicial: o julgamento dos gerentes sobre o desempenho dos seus subordinados.

– Tem razão. Vamos pensar em algo mais simples?

– Que tal pensarmos em como criar um ambiente organizacional no qual não tenhamos receio de confiar nos julgamentos dos gerentes?

– Ótimo!

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Liderança

O filet mignon e a meritocracia

O CEO Brasil de uma multinacional que opera em terras tupiniquins foi surpreendido em sua última visita a uma das plantas da empresa. Quando deixava o refeitório – onde fez questão de almoçar como se fosse apenas mais um funcionário – foi surpreendido pelo supervisor de turno: “Seria ótimo se você viesse almoçar aqui todos os dias” – informou com ironia – “assim teríamos carne de primeira o ano todo” – concluiu.

Uma história parecida se passou com o CEO de uma mineradora canadense que tive o prazer de conhecer a cerca de um ano. Ao visitar uma das minas da companhia, percebeu que a tinta que cobria as paredes do almoxarifado e as faixas de segurança desenhadas no chão parecia fresca demais. “Será que haviam refeito a pintura e limpado todo o lugar apenas para me receber?”– pensou consigo mesmo.

Para alguns, isso pode parecer banal, mas casos como esses não deveriam ter lugar numa meritocracia. Uma característica marcante das meritocracias é que o único elemento que justifica o tratamento diferenciado de uma pessoa é o trabalho.

Numa meritocracia, o único elemento que justifica o tratamento diferenciado de uma pessoa é o trabalho.

Por exemplo, numa meritocracia as diferenças entre o trabalho de uma pessoa e de outra justificam o quanto elas são pagas. Por outro lado, tanto o CEO quanto o operador de empilhadeira deveriam ser sujeitados a exatamente as mesmas regras de segurança, como, por exemplo, vestir uniforme e EPIs quando transitarem por uma área de risco de acidentes. Ou seja, o sistema de cargos e salários deve – justificadamente – diferenciar as pessoas. Já os sistemas de segurança devem tratá-las precisamente da mesma forma – equalizá-las. Confundir sistemas de diferenciação e de equalização um com o outro faz com que as meritocracias adoeçam e se transformem em outra coisa.

Esse é um dos motivos pelos quais tantas organizações discursam sobre meritocracia, mas não levam suas próprias palavras a sério. Afinal, garantir que os sistemas de diferenciação sejam baseados apenas critérios diretamente ligados ao trabalho mexe com símbolos destatus que as pessoas aprenderam a valorizar.

Um cliente recentemente me contou da experiência de mudar o layout dos escritórios da sua empresa. Antes disso, os diretores tinham salas particulares com mesas de madeira enormes, de onde enxergavam suas equipes do lado de fora. Quando tiveram que se relocar, junto com seus times, para bancadas onde o analista e o diretor tinham o mesmo espaço, mesma mesa e mesma cadeira, houve uma enxurrada de indignação. Sempre por parte dos diretores, diga-se de passagem.

Então o CEO e o assistente de manutenção deveriam poder comer a mesma comida no refeitório da fábrica? Se a empresa tem como política fornecer refeição para seus funcionários e não há nada no trabalho do CEO e do assistente de manutenção que justifique uma alimentação diferenciada, sem dúvidas que sim. Alguns diriam que, se fosse para existir diferenciação, o almoço do assistente deveria ser o mais reforçado, já que seu trabalho tem uma demanda física muito maior do que o do CEO. Pelo menos numa meritocracia, as coisas deveriam ser assim.

Até uma rede de notícias dos EUA –  país que coloca a meritocracia como um dos seus valores fundamentais –  exala surpresa quando um CEO do outro lado do Pacífico elimina alguns sistemas e símbolos de diferenciação e come no refeitório como se fosse apenas mais um funcionário. Ele parece saber que, na hora do almoço, não é diferente de nenhum outro funcionário.

Transformar organizações em meritocracias não é trivial. Pense nisso.

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Capacidade, Liderança

Será que os programas de trainees estão entrando em declínio?

Em meio a conversas informais regadas a café expresso, noto que há bastante frustração com relação aos programas de trainees, tanto por parte das empresas que fazem esse tipo de investimento, quanto por parte dos jovens profissionais que decidem usá-los como meio de iniciar suas carreiras.

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Capacidade, Liderança

Por que você ainda pensa por competências?

Você já deve ter sentado num restaurante japonês tradicional. Deve ter passado os olhos pelo cardápio, cheio de nomes desconhecidos, e chamado alguém para ajudá-lo a decifrar os pratos. Talvez tenha encontrado um nome sugestivo ou um item que conseguiu identificar. Mas a combinação descrita por quem o ajudava não soou exatamente o que imaginava. O colega que lhe acompanhava gostou do que ouviu. Era isso mesmo o que queria. Você ainda não estava convencido. Continuava a folhear o cardápio e a ouvir as sugestões…

Muitas empresas optaram – e ainda optam – por modelos por competências para a gestão de seus funcionários. Um fenômeno observado há, pelo menos, duas décadas ou pouco mais. O conceito ganhou muita força com a publicação de Competindo pelo Futuro de Hamel e Prahalad, no inicio dos anos 90, que trata de competências organizacionais. No embalo da new wave, a tal “novidade” rapidamente se transpôs para a gestão de pessoas. Mas esqueceu-se que o modelo de gestão por competências foi formalmente introduzido por McClelland, nos idos de 1973.

No início da década vimos a publicação de um incrível catálogo que descreve algumas centenas de competências – um grande dicionário de consultas, “compras” e fórmulas de desenvolvimento. O problema estaria resolvido! O resultado até aqui é que as empresas dedicam grande parcela de tempo para identificar as competências essenciais.

Esse investimento de tempo parece fazer sentido quando reconhecemos que os desafios atuais para lidar com tarefas mais complexas a um ritmo acelerado sugerem que as pessoas precisam de uma variedade maior de competências. Também porque a existência de competências distintivas teria alguma relação com desempenhos excepcionais – 40 a 100% acima de média – e a promessa de um talent management eficiente traria altos retornos para a companhia, da ordem de 30% a mais em termos de produtividade (mais em The Workforce Scorecard e  Competence at Work).

Pensa-se, então, por competências, pois esse modelo promete elevados retornos para o negócio. Paradoxalmente, há inúmeros clientes que falam mais de frustração com o uso do modelo e, até mesmo, consideram deixa-lo de lado. Vejamos alguns dos aspectos que tem gerado mais insatisfação do que o contrário:

1. Problemas com a definição

No jantar, pode até ser que você não tenha compreendido tudo que havia no cardápio, mas acabou escolhendo um prato. Como você definiria o que é competência? Faça essa pergunta num encontro qualquer entre gerentes e verá que não há um entendimento comum entre as pessoas, nem mesmo entre o pessoal de RH. Sabemos disso pelo nosso programa básico de entrevista por competências conduzido há décadas, e também pelo nosso trabalho em consultoria. As repostas que você obterá tratarão desde habilidades até inteligência emocional, passando por expertise e uma mistura de experiências com conhecimentos. Fernandes e Comini já descreveram esse problema num estudo a respeito do tema. Quer um exemplo? Utiliza-se a ideia de “CHA” para se definir competências, esquecendo-se que não há como falar de competências sem falar de resultados e estratégias de alocação dos recursos pessoais. Isto é, as pessoas decidem (julgam) quando e como mobilizar seus recursos em função das condições enfrentadas. Voltando ao que dizia McClelland, competências descrevem determinadas estratégias de alocação de diferentes recursos de ação que levam a um desempenho superior num contexto específico. Isto é, capacidade de mobilizar recursos para lidar com situações e obter – com frequência elevada – resultados distintos, bem acima da média.

2. Problemas com as descrições de competências

Os problemas com as definições e entendimento avançam quando tratamos de descrever competências. Não deveria existir dissonância entre o entendimento de um profissional e do seu gerente com relação a uma determinada competência. As descrições tendem a focar os comportamentos visíveis; isto é, o que se deve fazer para alcançar os resultados: dirigir uma equipe, tomar decisões, realizar massivamente, mostrar confiança etc. Agora pergunto: como descrever tudo isto de maneira que seja generalizável? E as condições que mudam? Novas variáveis, diferentes reações das pessoas? Como resultado dessa tentativa de descrever competências, obtém-se um grande “tratado” que acaba sendo compartilhado com toda a organização na forma de rápidos workshops. Supõe-se pleno entendimento do modelo e sua aplicação, e recomenda-se que o mesmo seja utilizado na avaliação do desempenho e na identificação de “talentos”.

3. Listas de competências e modelos copiados

De quantas competências precisamos? Será que preciso de um cardápio tão amplo a ponto de me confundir? Queria apenas um jantar frugal e a companhia de amigos, mas agora fico com receio de não sair tão satisfeito como gostaria? Hamel e Prahalad trouxeram contribuições muito simples para olhar as competências das organizações e seus negócios, e chamo a atenção para três delas:

a.    Transferibilidade da competência para criar novos produtos;

b.    Dificuldade de imitação; e

c.    Adição de valor distintivo para o consumidor/cliente.

Quando falamos de gestão de pessoas, quantas competências satisfazem, de fato, os três critérios acima? Poucas. Mesmo assim, algumas organizações possuem listas com até 16 competências (às vezes mais!). Suas descrições frequentemente criam overlaps, tornando difícil interpretá-las individualmente.

Ainda assim, vejamos o seguinte critério: dificuldade de imitação. Por mais curioso que possa parecer, muitas organizações fazem benchmarking para “aprender” sobre o modelo de competências de outras empresas, ou usam consultorias que replicam e trazem modelos que foram usados em outras empresas. Veja bem, se deve ser distintivo, então o modelo de competências deve ser específico – diferente em si mesmo – e refletir seu alinhamento com o propósito e valores da organização. De quantas competências você e sua organização realmente necessitam para tratar daqueles aspectos core dos seus executivos, gestores e funcionários em geral? Difícil dizer. Teóricos falam de oito, seis, cinco… O que fazemos? Escolheremos um número mágico? Que tal sete? Afinal são sete chacras, sete dias da semana, sete notas musicais…

Também não podemos esquecer que, se existe um modelo, alguém deverá usá-lo para avaliar competências. E o trabalho é um processo dinâmico; isto é, as pessoas estão em movimento e o gestor não está o tempo todo ao lado de seus liderados observando comportamento por comportamento. Para onde o gestor deverá canalizar sua atenção? Será que uma lista enorme torna essa tarefa mais fácil? Ao ouvir a descrição do quinto prato japonês, já não me lembro mais do primeiro!

4. Diferenciação

As competências devem diferenciar bons dos “grandiosos”. E seu eu deixei de escolher um prato maravilhoso apenas porque não tinha ideia de quão saboroso ele seria ou porque a descrição apresentada não me agradou? Já comeu um prato aparentemente vegetariano e que o atendente se esqueceu de mencionar o “franguinho” no meio do arroz?

O modelo por competências deve apontar a direção da atenção, tanto do funcionário quanto dos gestores responsáveis por identifica-las em seus liderados. Além disso, competências distintivas serão observadas em apenas uma pequena parcela das pessoas, pelo próprio fato de serem (idealmente) distintivas. E, pior, serão difíceis de serem desenvolvidas, porque não são commodities, não são fáceis de “comprar”. Não é fácil descrever os comportamentos desejados já que os julgamentos das pessoas não estão sob controle dos textos e descrições. As pessoas sempre farão seus julgamentos sobre como seguir adiante, à luz das circunstâncias. Elas escolherão o que usar e como usar, guiadas por seus valores. Há ainda, o risco do one size fits all. Diferentes funções ou carreiras parecem exigir competências especificas. Diferentes diretorias podem exigir padrões de liderança específicos. Imaginem finanças e vendas; industrial e recursos humanos!

5. Integração das competências com o talent management

Você voltaria àquele restaurante japonês? Saberia dizer quais os cinco pratos top de lá? Sendo competências algo distintivo, o que mais elas podem dizer? Como serão integradas às práticas de gestão que vão desde a gestão do desempenho até remuneração, carreira, identificação de potenciais sucessores? São perguntas interessantes. O que é esperado que o gestor faça com o modelo por competências? Se competências identificam talento, a performance observável deve estar associada à identificação e reconhecimento do talento. Do contrário talvez estejamos falando de “potencial para”, o que também alimentaria os processos de movimentação e sucessão. Se competências têm alta relação com o desempenho (na verdade, ter competências “garantiria” alto desempenho), seria um bom indicador para o sucesso futuro, numa função maior, onde outras qualidades de competências seriam importantes? Será que o sucesso aqui sugere sucesso num plano maior de complexidade? Se uma competência se baseia no sucesso passado, também tomaremos o tempo necessário para avaliar as competências futuras?

Olhando um grupo de liderados e julgando seus desempenhos, o modelo por competências garantirá uma avaliação justa? Algo que aprendi na prática é que os gestores apoiarão todo e qualquer sistema gerencial que efetivamente os ajudem a alcançar seus objetivos de maneira eficiente e eficaz. Não pode haver dúvidas a este respeito!

6. Variedade (ou a falta de)

Outra discussão interessante é que, no geral, não vamos ao mesmo restaurante seguidamente. Gostamos da diversidade, da variedade, de sermos de alguma forma surpreendidos por um prato diferente, que nos leva a ter uma experiência singular. Os modelos por competência partem do pressuposto que os gestores sabem e conseguem expressar exatamente o que é desejável para a companhia. Quando modelos por competências são desenhados, as descrições frequentemente decorrem do passado, e acredita-se que essa repetição do passado garantirá a continuidade do sucesso e a realização do propósito organizacional. Paradoxalmente, muitas organizações falam em diversidade, mas olham para as pessoas por modelos predefinidos. Querem contratar jovens “talentos” – uma tarefa quase impossível – pois talento implica em competência, o que implica em desempenho exemplar já verificado. Um grande risco dos modelos por competências é limitar a forma como olhamos para as pessoas, para a diversidade e para as possibilidades. Tais modelos podem limitar também o descobrimento daquelas pessoas potencialmente muito capazes, mas que estariam em grupos algumas vezes não participantes do status quo ou dissonantes da cultura existente na organização.

7. Luz no fim do túnel?

Compartilhei experiências práticas e pensamentos que já não são apenas meus. Há propostas muito controversas – e também muito interessantes – sobre diferentes formas de apoiar a gestão. Não defendo esta ou aquela. O que faz sentido para um cliente ou empresa não necessariamente fará sentido para outras. Afinal, o compromisso estará sempre com a identidade de cada um à luz do propósito estratégico e do ambiente que se quer cultivar na organização. Por exemplo, a fórmula que Elliott Jaques utiliza para explicar um desempenho é:

D = f (CP x K/S x V x –T)*

* Leia-se: desempenho é função de capacidade potencial, conhecimentos hábeis, valores e ausência de traços negativos de temperamento. Adaptado de Requisite Organization.

Veja que a fórmula fala de capacidade potencial, conhecimentos hábeis para coisas e pessoas, valores e ausência de traços comportamentais que poderiam ser complicados demais para o trabalho com outros. Capacidade potencial significa, de alguma maneira, uma promessa de desempenho num trabalho que a pessoa valoriza fazer. Não há um foco em competências e, sim, na capacidade que a pessoa tem para julgar e discernir em condições de incerteza. É para isso que somos pagos.

O modelo de gestão que é intimamente associado a essa visão responsabiliza o gestor pelos outputs de seus liderados e entende que a atenção do gestor para julgar o desempenho dos liderados deve se concentrar no quão bem um liderado está fazendo aquilo para o qual foi contratado. Ou, de outra maneira, o quão comprometido está em usar o melhor de seus esforços para aplicar sua capacidade para produzir o resultado esperado com os recursos disponíveis e num tempo definido!

Também, deve-se considerar que não há como garantir que qualquer resultado previamente esperado possa ser alcançado conforme o planejado:

  • Não se consegue planejar as circunstâncias futuras, que são sempre imprevisíveis
  • Os liderados têm seus recursos alocados por seus gerentes, e não têm a autoridade para obter os recursos por conta própria

Assim, o liderado deve ter crédito pelo seu comprometimento em aplicar sua capacidade ao lidar com as adversidades e vicissitudes dos problemas e limitações que encontra ao conduzir seu trabalho. Isso é mais importante do que levar crédito pelos outputs, ou penalidades por atrasos ou por alguma dificuldade com os padrões de qualidade, que podem decorrer de elementos externos ao trabalho e fora da área de influência do liderado.

Finalmente, medidas de resultado tidas como “quantificáveis” e “objetivas” não são justas em função do que está explicado acima. Muitos dos bônus são definidos em função de outputs sobre os quais os empregados não tiveram pleno controle, gerando sintomas tais como suspeita e desconfiança entre líderes e liderados, ou trade-offs indesejáveis entre as partes.

Na fórmula acima destaco, por exemplo, valores, o que nos remete ao conceito de flow.

8. Desempenho e Flow

Somos guiados por valores. Acreditamos, e temos evidência em nós mesmos, que quando estamos com um trabalho que nos desafia, que valorizamos fazer, e sentimos que temos os recursos internos para lidar com ele, estamos potencialmente em flow. Flow é uma condição singular de pleno engajamento com o “o que fazer”, porque este “fazer” me realiza e agrega valor à organização.

9. Retenção

Finalmente, não há como reter talentos. Cada um de nós terá condições de produzir, realizar, criar e surpreender pelo pleno uso do nosso potencial individual. Para transformar potencial em desempenho, somos nós mesmos que fazemos as escolhas e dirigimos nossa atenção e interesse àquilo que sentimos que poderá nos realizar. As pessoas querem, desejam e buscam se realizar e, quanto mais podem canalizar seus recursos para realizações grandiosas, mais agregam valor para seu ambiente social, seja ele qual for.

Nem todos seremos os “Steve Jobs” da vida, mas naquilo que podemos ser, queremos ser muito bons. Assim, não há como reter “talento” nas organizações. Se o talento existe, ele está sob nosso controle individual e somos nós a escolher o que fazer com ele. As organizações têm a tarefa de criar ambientes e contextos para que o talento se expresse. Devem investir muito na capacidade gerencial para inspirar, identificar os motivadores intrínsecos das pessoas e para agirem como quem dá espaço e estimula a produção de boas surpresas. Não há retenção. Há a construção de um ambiente inspirador para que as pessoas se realizem e ajudem suas organizações a alcançarem seus propósitos. Afinal, você escolhe qual o restaurante que acredita ser bom para você, não?

10. Jogar tudo fora?

Não, naturalmente. Há usos interessantes dos modelos por competências. A seleção de pessoal é uma delas. Já que seleção por competências é umas das práticas que mais mostra correlação com o sucesso na vida prática (Spencer & Spencer), temos aí uma excelente aplicação dos conceitos, que pode agregar valor para a organização. Lembremos: competência olha para o que foi feito e extrapola as estratégias de sucesso para as necessidades imediatas de uma função a ser preenchida. Também aqui, as questões de definições, descrições e benchmarking de competências precisam ser consideradas. Entrevistar por competências é um processo de avaliação dinâmica (veja nosso outro artigo que fala de personalidade, inteligência, liderança e avaliações dinâmicas). Por isso, requer tempo. Não se compreende competências por meio de um “teste”. Envolve a competência do entrevistador, que deve ir além dos padrões e de senso comum de uma entrevista de emprego.

Aprender a respeito de competências pode ser muito útil nos processos de coaching que o líder deve conduzir com seus liderados. Sendo coaching um processo em que o líder procurará fazer com que o liderado explore todas as possibilidades de realização em seu cargo atual, o modelo por competências ajuda o gestor a conversar sobre as melhores estratégias para se alcançar resultados. Isso não necessariamente envolve replicar modelos predefinidos. Mas o modo de pensar sobre competências é útil para o gestor identificar em que temas colocar a atenção do liderado na busca de superar algumas deficiências.

O que temos aprendido é que existem o que chamamos de “competências de fundo” ou “subjacentes” associadas ao sucesso gerencial, a um desempenho diferenciado, à prontidão para decidir, tomar iniciativas e realizações que chamamos de “grandiosas”. Não são competências que podem ser descritas por meio de comportamentos. São padrões subjacentes, ou predisposições. Como estas predisposições não são modeláveis – pois são muito mais tácitas –identifica-las abrirá uma perspectiva muito interessante à medida em que há espaço para que elas se expressem no ambiente, sempre guiadas por valores. Em linha com os critérios de competências destacados no tópico 3, estas subjacentes serão muito difíceis de imitar, e criarão alguma diferença entre desempenhos “comuns” e os altamente diferenciados. O processo de coaching ou mentoring – conduzido por gestores – ajudará a dar direção para essas competências subjacentes, sem que isso se torne uma camisa de força associada ao modelo de como achamos que queremos ser. O que queremos ser sempre será um caminho sendo desbravado. Como não conseguiremos decodificar antecipadamente esse caminho, vamos contar com nossa predisposição para desempenhar, para liderar, para realizar. Esta predisposição, mais ou menos intensa em cada um de nós, é que precisa ser compreendida, cultivada e também ter condições de se expressar num contexto que não a restrinja.

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