Autodesenvolvimento

Vocação: o que torna cada indivíduo autor da sua própria biografia

Todo mundo sonha dormindo, mesmo que não se recorde. Acordados, sonhamos também em nos tornar alguém. Quando adultos, somos esse alguém tão desejado e sonhado? Os bem afortunados irão afirmar, satisfeitos, que realizaram seu sonho. Os não tão bem sucedidos dirão: “puxa, quase nada do que imaginava consegui fazer!”

O trabalho tradicional ocupa mais de um terço de nosso tempo. Se levarmos em conta o tempo que dedicamos nos informando e pesquisando pela Internet, e o tempo investido para o auto-aprimoramento e desenvolvimento, com certeza, mais da metade da nossa existência estará focada no nosso trabalho. Assim, a escolha de nossa profissão deve ser bem realizada e estar alinhada com o que sentimos em nosso interior.

Vocação, do latim vocatione, é o ato de chamar. É escolha, talento, aptidão. É um “chamado interno”, um chamamento para aquilo que temos de único e especial. Podemos até optar por uma profissão conhecida, onde há muitos atuando, mas a maneira como a realizaremos sempre será única, como a nossa essência.

Neste mundo veloz, de conexão na rede virtual, de frenesi de informações efêmeras e desencontradas, o chamado interno de cada um corre o risco de ficar mais distante, abafado. As nossas angústias, reflexões e diálogos internos sobre a nossa vocação devem ser ouvidos, elaborados e formulados porque neles está a resposta para nossa busca pessoal.

A jornada da vocação começa em ouvir este chamado interior. Este chamamento aponta para as carreiras em que sentiremos, antes de tudo, felicidade e satisfação. Mas não termina aí. Neste mundo global e dinâmico, as competências pessoais serão determinantes. Além delas, o profissional do futuro dependerá de sua capacidade de aprender sozinho, de imaginar amplitudes de uso do seu conhecimento, da capacidade de criar novas condições e soluções, e de habilidade para rapidamente integrar-se na rede de relações e conseguir oportunidades para si e para seus desejos de realização.

Vida e morte se alternam. O planeta respira com dificuldade e o possível sucesso profissional nos incendeia, confundindo nossos valores e questões sobre o que nos fará felizes. A tecnologia reina e os princípios econômicos ditam nossos valores: competição, capacidade de estar à frente do outro, valor agregado (ao acionista), custos e benefícios, e ainda como eu, jovem de hoje, poderei participar disso tudo. Os valores atuais nos olham como meios de produção, meios de agregar valor aos lucros, aos resultados.
E por falar em valor, seremos totalmente responsáveis pelo nosso valor. Esta será uma jornada cada vez mais solitária, como a jornada mitológica do herói. Você estará conectado, embora do outro lado talvez ninguém lhe veja como pessoa.

Talvez como um bit na rede, um site curioso, ou mais uma quantidade de informação e conhecimento que possa ou não interessar.

E, de fato, se sua bagagem não for rapidamente importante e visível como fonte potencial de lucro e negócio, você será descartado. Por quem? Por uma outra massa de informações. Neste mundo de paradoxos, verificamos que neste século, o indivíduo faz diferença. Observe o empenho das empresas em reter os verdadeiros profissionais de talento.

Ciclos da vida

A nossa vida é feita de períodos. Há basicamente o período da busca pelo sucesso, vivido até os 35 anos, e o período intermediário, quando buscamos ser mais coerente com o nosso ‘chamado interno’. É um período de crise importante, em geral entre os 35 e 50 anos. Muitas pessoas se vêem frustradas ao olhar para o passado e se perguntam: “sou o adulto que eu imaginava ser quando adolescente?” Mais à frente, a vida nos cobrará a tranqüilidade da sabedoria e da paz para ajudar as novas gerações com a experiência vivida.

Cada juventude trará em sua vida adulta novos valores. Sou de uma juventude dos anos 60. Vivi liberdades até então nunca sonhadas por meus pais. Hoje meu olhar talvez seja bem distinto do olhar deles. Mas a juventude atual será responsável por criar novos horizontes. O meu olhar para o mundo talvez seja pouco relevante para o futuro, daqui a 30 anos. Exceto a aprendizagem única de poder dar uma resposta ao meu próprio chamado interior, uma resposta positiva que afirma que segui uma jornada que me trouxe satisfação e felicidade.
Vocação é seguir nosso chamado interior. Considere isto. Considere seu diálogo interior e ligue-se ao seu chamado. Esse alinhamento será a força motriz para conquistar o que deseja. O futuro está para ser construído na jornada de cada um.

Escreva a sua biografia!

Clique aqui para ouvir no Spotify.

Read More
Cultura, Liderança

Gestão em ambientes de home office

É de senso comum que as relações sociais e de trabalho precisaram ser alteradas com a pandemia do coronavírus. A necessidade imperativa do isolamento social demanda ações da empresa de configurar uma maneira “diferente” de proteger as pessoas e de mantê-las produtivas – em casa.

É claro que muitas atividades requerem a presença física do trabalhador: um operário que maneja uma máquina de produção, a empregada doméstica, os profissionais de saúde, dentistas, médicos, enfermeiros etc. No entanto, muitas das atividades administrativas e técnicas, de natureza mais relacionada com dados e informações – como contadores, analistas, compradores – ou que dependam da inspiração mental – como o caso dos jornalistas, desenvolvedores de jogos, websites e softwares – podem muito bem serem feitas, com a mesma qualidade, de casa.

Uma recente pesquisa da Mercer sobre home office identificou, entre as mais de 800 empresas consultadas, que 75% delas usam esta prática por diferentes motivos, como custos, benefício ao profissional e qualidade de vida. O trabalho em casa, requer um perfil profissional adaptado a essa rotina, envolve disciplina, organização, silencio, espaço físico coerente com a atividade, onde a rotina do lar não interfira nessa dinâmica.

Envolve investimentos da organização, caso empregado, em recursos de computadores, smartphone, acesso remoto de internet, sistemas, para promover o conforto e condições necessários ao profissional para trabalhar. Envolve o perfil “ideal” de profissional que se adapte melhor a atividades com menos contato social, menos interação entre colegas, e menos oportunidades para o “olho no olho”.

Ficou perceptível nesta pandemia, o quanto o isolamento afetou muitas pessoas, que “precisam” sair de casa, conversar, ter uma rotina de ida ao banco, ao supermercado; e sem isso há um impacto direto em estados de humor. Outras pessoas veem nisso um certo conforto, o isolamento como oportunidade para estar com a família, poder pensar sem ser interrompido, construir a própria rotina.

Teremos, no futuro, que selecionar pessoas com perfil para o trabalho no escritório e para o home office. Profissionais com falta de mobilidade, que exijam muitos recursos de acessibilidade, serão elegíveis para os trabalhos, com as mesmas condições de igualdade, em qualquer empresa que ofereça esta modalidade de trabalho.

No aspecto da liderança, muitas coisas precisarão ser consideradas. O sentimento de “perda de controle” sobre a produtividade do profissional poderá ser entendida como um dano para o gestor. Uma das condições básicas para essa situação está relacionada com a confiança. Pode haver dúvida se ele está realmente trabalhando, se vai conseguir entregar o trabalho no prazo definido, se está cumprindo a jornada de trabalho.

Uma relação com base na confiança envolve crença na capacidade do liderado tomar as melhores decisões, no discernimento sobre seu papel e responsabilidades, e isso implica em limites previamente estabelecidos e que serão os elementos para aprimoramento e recompensa. O líder gerencial precisa confiar na capacidade técnica da equipe, porque ele foi o responsável por formá-la e capacitá-la e dar a liberdade para que atue e decida. É fundamental uma relação transparente, aberta e coerente, onde objetivos, metas, expectativas são devidamente esclarecidos.

O gerente precisa confiar em si mesmo e na sua capacidade de escolher os profissionais adequados para as posições, delegar de acordo com tal capacidade, cobrar desempenho confiante, nos recursos disponíveis do indivíduo, e recompensar devidamente. Tudo isso, independente da pessoa estar fisicamente presente ou “online”.

O resultado a ser controlado está na qualidade da entrega dos trabalhos. O valor agora está na comunicação, na transparência das informações, no diálogo preciso em termos de “o quê para quando” e em “quais condições”; e o gestor aí neste meio, como o grande favorecedor das melhores condições de trabalho para o liderado. O sentido da delegação eficiente parte das relações de confiança.

Assim, num momento pós pandemia, um processo de identificação e capacitação de gestores será fundamental, para que as organizações possam perceber as vantagens de trabalhar de forma otimizada, confiante na capacidade das pessoas, dando espaços para que todos possam crescer e exercitar a sua melhor forma de entregar resultados.

 Aqui, a tecnologia será um elemento fundamental para garantir meios eficientes de avaliação do desempenho das pessoas, com critérios e indicadores bem definidos, em plataformas sistemicamente bem encadeadas, que permitam relacionar desempenho com o nível de impacto sobre os diferentes processos e sistemas. Assim, a importância do trinômio papel humano, gestão eficiente e recursos tecnológicos, que pode, se bem articulado, pode resultar em pessoas felizes, motivadas e entregando acima das expectativas.

Clique aqui para ouvir no Spotify.

Read More
Complexidade, Contexto, Liderança

Os sete níveis do empreendedorismo nas start-ups

Empreendedorismo é a palavra da moda. Não se fala mais em criar um negócio que adicione valor à sociedade; fala-se em ser empreendedor; não basta ser empresário, há que se fundar uma start-up.

O lado positivo desta tendência – quer crer minha faceta mais otimista – é que existe uma crescente parcela da população disposta a assumir riscos. E isso, sem sombra de dúvidas, pode ser muito bom; para tanto, basta que os agentes que se beneficiarão dos upsides sejam os mesmos que sofrerão com os downsides.

Mas – agora deixando o otimismo um pouco de lado – a verdade é que a palavra empreendedorismo é usada quase como um mero sinônimo de “novas ideias” e “criatividade” ou com o sentido de “dar vida a novos produtos [1]” e “ganhar muito dinheiro”. Em casos mais extremos – impossível deixar de notar –, a palavra é usada para atrair jovens para palestras de autoajuda.

Apesar de todas as fantasias que circundam o “mundo dos empreendedores”, o sucesso de uma empresa sempre dependerá da interação entre o trabalho empreendedor e o trabalho executivo. Um não caminha sem o outro; na dúvida pergunte a um empresário – ele lhe ajudará a encontrar e a colocar os pingos nos is.

Mas qual, afinal, qual é a diferença entre os dois?

  • Trabalho empreendedor: identificar oportunidades para que as organizações adicionem valor às sociedades, satisfazendo alguma necessidade existente ou latente; promover o crescimento das organizações, levando a cabo as mudanças e investimentos necessários ou, até mesmo, começando-as do zero.
  • Trabalho executivo: gerenciar as organizações para que elas forneçam bens e serviços, cada vez melhores e de forma eficaz, às sociedades; promover melhorias em todas as atividades, sistemas de trabalho e relacionamentos que sejam necessários. [2]

Tendo em mãos uma definição clara do que constituí trabalho empreendedor e trabalho executivo, conclui-se que dizer que alguém é um empreendedor faz tanto sentido quanto dizer que outrem é um líder; ou seja, não faz sentido algum.

O exercício da liderança e do empreendedorismo não podem ser entendidos despegados de alguma função específica ou sem um mínimo de contexto. Por exemplo, toda pessoa que ocupa um cargo de gerência é, por definição, um líder. Afinal, um gerente é aquele que presta contas não apenas pela sua própria eficácia pessoal, mas também pelo resultado do trabalho dos seus subordinados. Mas, claro, nem todo líder é um gerente, já que o exercício da liderança também é inerente a outras funções, tais como a do presidente da república e a do brigadista de incêndio. Uma regra para a vida: se você perguntar para alguém o que faz da vida e ele responder que é um líder, desconfie.

O mesmo raciocínio é válido para o empreendedorismo. Não importa se você é um pequeno empresário ou o CEO de uma corporação multinacional; em ambos os casos você – independentemente de vontade ou vocação – tem que exercer o trabalho empreendedor e também o trabalho executivo e também a liderança. Empreendedor não é substantivo, é adjetivo (apesar do que os dicionários possam lhe dizer a respeito).

Enfim, agora que temos claro o que é empreendedorismo, podemos voltar nossa atenção para como ele se manifesta. A descrição de cada um dos sete níveis [3] foi pensada para trazer exemplos típicos de como o trabalho empreendedor pode se manifestar em start-ups; mas – agora você já sabe muito bem disso – o mesmo raciocínio se aplica a organizações já estabelecidas.

Nível 1

O foco do empreendedorismo neste nível é buscar formas não prescritas de realizar algo que foi especificado anteriormente. O foco está nas interfaces e na experiência que as pessoas têm com a organização. Pense num repositor de gôndolas num supermercado que, ao notar que um cliente não está encontrando o produto que procura, se oferece para ir até o fundo da loja para checar o estoque e encontrar o item procurado. Ou pense num programador, que ao perceber que a forma com a qual algumas linhas de código de um programa utilizado por milhões de pessoas foram escritas pode ser otimizada, reescreve-as para economizar capacidade de processamento e aumentar a performance para os usuários finais. Os atores nos exemplos em questão encontraram formas não prescritas de cumprir o propósito de “ter clientes satisfeitos” e “boa experiência de uso”, respectivamente. Às vezes chamamos isso de “ter capricho com o que se faz”.

O trabalho neste nível é, obviamente, de extrema importância, pois é aqui onde os clientes de fato experimentam e interagem com a organização; mas a criação de uma start-up – como um negócio de verdade –torna-se mesmo possível a partir do nível seguinte.

Nível 2

Neste nível, o empreendedorismo está em encontrar as melhores soluções para os problemas existentes. Pense num engenheiro de computação que percebe que o processo de agendar reuniões entre várias pessoas é lento e moroso; e, para otimizá-lo, usa seu conhecimento e habilidades para criar um aplicativo que automatiza todo o fluxo e evitando frustração e caixas de e-mail lotadas. Ou pense num estudante de doutorado alemão que, frustrado com o espaço que os arquivos de áudio ocupam no seu computador, percebe que pode desenvolver um mecanismo para compactá-los com perda mínima de qualidade e cria o que hoje conhecemos como MP3.

Fica claro que a concepção de muitos produtos e tecnologias que acabaram mudando a forma como trabalhamos e interagimos aconteceu neste nível. Grande parte das start-ups que se tornaram empresas de bilhões de dólares surgiram aqui. Apple, Google, Facebook e Uber são apenas alguns exemplos. Mas somente quando migram para o terceiro nível é que as start-ups começam mesmo a ganhar o mundo.

Nível 3

Neste nível, começamos a falar de miniorganizações: a start-up “deixa a garagem do fundador” e tem que se preocupar com outros aspectos do negócio além do próprio produto que, via de regra, motivou sua constituição. O foco passa a ser encontrar caminhos alternativos para que a organização cresça e alcance cada vez mais clientes ou usuários. Requer um plano para alcançar objetivos que estão um ou dois anos à frente e caminhos alternativos para alcança-los.

Percorrer esses caminhos acaba envolvendo outros focos que talvez estivessem num plano secundário, mas que agora são necessários para o sucesso e crescimento: a função de vendas e as funções de apoio à operação são exemplos notáveis. Uma start-up que migra com sucesso do nível 2 para o nível 3 consegue fazer com que seu propósito seja realizado e efetivamente transformado num negócio que tem forma e é (ou deveria ser) autossustentável.

Nível 4

Start-ups amadurecem para este nível quando passam a ter mais de uma forma por meio da qual realizam seus propósitos. Via de regra, isso significa que deixam de ser centradas num só produto (ou linha de produtos) para atuar de formas bastante diferentes. Lembra-se quando o Google deixou de ser apenas centrado em search e lançou o Gmail?

Mas, claro, o trabalho não é simplesmente lançar novas linhas de produtos. Estamos falando de olhar para fora, identificar mudanças e tendências (mercadológicas, tecnológicas ou sociais) e agir para que organização esteja em posição competitiva anos à frente. No Nível 3 bastava construir um caminho (ou caminho alternativos); neste quarto nível são necessários vários caminhos paralelos e interconectados para que se alcance o resultado desejado. É necessário julgar, de forma prática, se as novas iniciativas se encaixam com os grandes sistemas de trabalho existentes e promover as adaptações necessárias para que todos caminhem de maneira simultânea e coordenada.

Interessante notar que é o Nível 4 de organizações já estabelecidas que se encarrega – ou deveria se encarregar – de neutralizar a ameaça que as start-ups emergentes representam para seus negócios. Um dos exemplos mais infames é a IBM, que, na década de 1970, deixou de notar (ou de levar a sério) a ameaça que representavam os computadores pessoais. Ou as gigantescas concessionárias de telecomunicações e TV a cabo, que, mesmo tendo acesso abundante a capital, não conseguiram se posicionar para tirar proveito das tecnologias emergentes que colocariam em cheque seu modelo de negócios. Como resultado, hoje se encontram reduzidas a meras fornecedoras de infraestrutura de dados para as plataformas que se apoderaram do cliente final (Skype, Netflix, WhatsApp e YouTube são apenas a ponta do iceberg).

Nível 5

Empresas que alcançam este nível já não são mais start-ups. Chegaram aqui porque já obtiveram sucesso, criaram valor e angariaram clientes com algum produto que serviu como seu cartão de visitas; já cresceram, expandindo seu mercado potencial e tornando-se acessível para novos nichos ou geografias; e também já inovaram, no verdadeiro sentido da palavra, buscando novas formas de atender aos seus clientes e realizar seus propósitos. Neste nível, o trabalho é tão simples – e tão complexo – quanto sustentar o bem-estar da organização.

Empreender neste nível requer entender o negócio como um sistema complexo e navegar constantemente pelo ambiente em que ele está inserido para criar uma representação de como a organização deveria ser. O objetivo é assegurar seu sucesso e viabilidade – social e financeira – no longo-prazo (tipicamente cinco a 10 anos à frente). O empreendedorismo não está mais em apenas encontrar soluções, definir caminhos e integrar formas simultâneas de atuação; está, sim, em constantemente colocar em xeque, definir e redefinir o propósito da organização e fazer com que este propósito seja plenamente materializado em todos os seus níveis.

Aqui falamos do verdadeiro trabalho de um CEO; aquele que navega um ambiente formado por grandes grupos de stakeholders diversos e com interesses muitas vezes conflitantes entre si: acionistas, empregados, fornecedores, clientes, governos e reguladores. Os assuntos são propósito, viabilidade financeira, papel social, cultura organizacional, modelo de gestão etc. e o trabalho é fazer com que suas representações possam se materializar em todos os níveis do empreendimento. Entende-se que somente assim a organização prosperará.

Nível 6

Agora entramos no nível das corporações. Esqueça um negócio; o trabalho agora é monitorar e aumentar o valor de um portfólio de negócios autônomos e diversos entre si. Empreender requer entender contextos e antecipar grandes mudanças globais para proteger as unidades do portfólio. É preciso balancear o global e o local, e integrar valores institucionais com culturas específicas nas quais a organização está inserida. Requer uma representação sobre como grandes tendências se desenrolarão mundo afora e decisões sobre a criação ou compra de novos negócios (e também sobre a descontinuação ou venda de alguns deles). As decisões são tomadas agora e os resultados tornam-se tangíveis apenas 10 a 20 anos à frente.

Um exemplo recente e que ajuda a ilustrar a transição de uma organização do Nível 5 para o Nível 6 foi a criação da holding Alphabet. O trabalho no Nível 6 é proteger e alocar recursos para unidades de negócio completas, que têm propósitos tão diversos quanto criar hardware elegante para residências (Nest), tornar a medicina proativa ou invés de reativa (Verily), lutar contra o envelhecimento e estender a vida humana (Calico), revolucionar a vida urbana (Sidewalk Labs), além de – é claro – organizar as informações do mundo e torná-las mundialmente acessíveis e úteis (Google).

O empreendedorismo neste nível é navegar e criar um network de altíssimo nível para que se possa entender o que está acontecendo no mundo para alocar recursos entre negócios diversos, com propósitos diferentes, devendo, inclusive, ajudar CEOs no Nível 5 a reverem seus propósitos e direcionamentos estratégicos. Envolve criar e encerrar negócios e integrá-los numa representação coerente dos valores e forma de atuação de uma corporação.

Nível 7

Negócios e portfólios de negócios não são mais tão interessantes em si mesmos, mas podem ser um veículo para algo maior. O trabalho agora é criar novos valores para sociedades e para futuras gerações. Os resultados estão mais de 20 anos à frente e há a aceitação de que talvez não seja possível ver o fruto do próprio trabalho; o valor está sendo criado para futuras gerações que ainda estão por vir. “Como levar a cabo mudanças que garantirão a sobrevivência dos valores ocidentais para gerações que ainda não nasceram”? “Como promover um modelo organizacional que revolucionará a confiança institucional e o bem-estar das sociedades”? São perguntas deste tipo que têm de ser respondidas neste nível.

###

Espero ter deixado claro que o trabalho empreendedor tem facetas muito diferentes e que são pouquíssimas as pessoas que têm ou em algum momento terão a capacidade de trabalhar nos níveis mais altos que descrevi acima. O empreendedorismo para um recém-graduado buscando uma ideia inovadora que justifique a criação de uma empresa significa algo muito diferente do que o empreendedorismo para o CEO de uma empresa que fatura alguns bilhões de dólares. Empreendedorismo não é apenas um “estilo de vida” ou uma “ideia agradável”; é algo que requer trabalho duro e, cada vez mais, tolerância à incerteza.

Notas:

[1 ] Uso a palavra produto para me referir a qualquer bem ou serviço oferecido para a sociedade; [2] Esta é uma das ideias centrais que Nassim Nicholas Taleb desenvolve em Antifragile; [3] Esta distinção foi inicialmente descrita por Elliott Jaques e agora revisitada para este artigo; e [4] – Os sete níveis de abstração a ação humana foram descobertos e descritos por Elliott Jaques e posteriormente destilados por Gillian Stamp no que chamou de Matrix of Working Relationships; este modelo, naturalmente, serviu de base para o pensamento por trás deste artigo. É também parte central do trabalho do Instituto Pieron junto às organizações por meio do que chamamos de Work Levels.

Read More
Carreira

O papel ético e a responsabilidade social das profissões

Ao escolher uma profissão geralmente levamos em conta muitos fatores, como qual o campo de atuação, qual a remuneração média, quais as perspectivas de carreira, entre outros aspectos.  Mas será que em nossas reflexões aparecem as questões ligadas a qual é o papel ético e a responsabilidade social daquela profissão almejada?

Como Augusto Hortal Alonso comenta em seu livro ‘Ética das Profissões’, os profissionais não são apenas considerados pela especialidade que possuem, mas, também, por seu compromisso em prestar serviços de qualidade àqueles que o procuram.

Existem três níveis na responsabilidade do profissional, conforme Alonso comenta. O primeiro trata da aceitação ou recusa do papel profissional, o que implica em avaliar se o mesmo está alinhado aos seus valores. O segundo nível é seu compromisso com a excelência que se esperam do papel profissional. No terceiro está a responsabilidade em contribuir para o bem comum da sociedade, para melhorar as condições da vida humana individual e social.

Conforme esse autor cita em seu livro, “…o profissional, para ser um verdadeiro profissional, precisa assumir os compromissos que divide com seus colegas de profissão, os compromissos de procurar realizar, com competência e responsabilidade, as atividades e os serviços específicos atendendo aos padrões de excelência que em cada contexto são esperados de cada tipo de serviço profissional.” O profissional precisa, para a continuidade de sua atuação,  da confiança de quem procura o seu serviço, e por isso trabalhar com ética e responsabilidade social é fundamental.

É importante, tanto para o jovem que está escolhendo sua formação, quanto para as pessoas que querem mudar de profissão, considerar qual é o papel ético e a responsabilidade social da profissão escolhida. Se, por exemplo, alguém escolhe ser médico apenas porque é uma área de atuação que oferece certo status ou porque seu pai já tem um consultório montado, o que facilita sua vida, mas realmente não sente afinidade com essa carreira, o que poderá acontecer no exercício de sua profissão? Será que ele vai se dedicar ao estudo continuo de sua área? Será que exercerá com excelência sua profissão e, por consequência, criará uma relação de confiança com as pessoas que o procuram? Será que estará contribuindo com o individuo e com a sociedade na realização de seu papel profissional? Essas reflexões servem para qualquer profissão que escolhemos, seja como manicure, motorista, engenheiro, advogado, entre outras.

Gosto muito da definição que o filosofo Mario Sergio Cortella traz sobre ética: “Ética é o conjunto de valores e princípios que usamos para responder a três grandes questões da vida: quero?; devo?; posso? Nem tudo que eu quero eu posso; nem tudo que eu posso eu devo; e nem tudo que eu devo eu quero. Você tem paz de espírito quando aquilo que você quer é ao mesmo tempo o que você pode e o que você deve.”

Tomando a definição acima, a pessoa precisa pensar se o que ela quer realmente como profissão é o que ela pode e deve fazer para contribuir com as pessoas e com a sociedade. Como no exemplo citado acima, a pessoa pode refletir: “quero ser médico porque já existe um consultório montado pelo meu pai e fica cômodo para mim. Mas eu posso e devo, já que não tenho afinidade com essa escolha?”.

Depois que a pessoa escolhe sua profissão, ela terá que manter-se atualizada, renovar conhecimentos que são introduzidos para alcançar os objetivos que sua profissão se propõe. Assim, ao pensar na escolha profissional é preciso levar em conta que sua atuação terá impacto na vida das pessoas, e em consequência, na sociedade.

Claro que muitos de nós não tivemos ou temos a possibilidade da escolha da profissão, muitas são fruto do acaso ou da necessidade financeira do momento, mas, mesmo assim, podemos vivê-la como projeto próprio. O trabalho que realizamos pode responder em maior ou menor grau as nossas inclinações e capacidades, mas o trabalho pode ser um lugar onde se pode viver um sentido. É quando se otimiza o que a atividade que exercemos tem de contribuição à vida das pessoas e da sociedade.

Para aquelas pessoas que tem a possibilidade de escolher a profissão, o que pode ajudá-las, nesse momento, é conhecer qual é o papel de determinada profissão no contexto social e mergulhar em um processo de autoconhecimento, em que possa avaliar se os valores de determinada atuação estão alinhados aos seus, o que pode garantir maior dedicação à renovação dos conhecimentos ao longo da carreira e, desta forma, cumprir com ética e responsabilidade o seu papel profissional para contribuir com a sociedade.

Bibliografia:

Augusto Hortal Alonso; 2002. Ética das Profissões. São Paulo. 2002. Edições Loyola.

Read More
Capacidade

Potencial Humano: o diferencial do modelo Work Levels

Ainda sentimos a necessidade de esclarecer conceitos. Na prática, termos como competências, tipos psicológicos, traços, são confundidos - erroneamente - com potencial. Fala-se de potencial, mas "entrega-se" traços de personalidade, tipos, estilos ou competências. E, então, não se consegue vislumbrar tendências de crescimento futuro das pessoas. É necessário um claro entendimento do que é potencial. A figura 1 - Talent Pool abaixo- ilustra a relação entre complexidade, potencial e crescimento ao longo do tempo.

No cotidiano, potencial é uma palavra utilizada para explicar entidades distintas e diferenciar facetas de uma mesma entidade. Diferentes entidades são explicadas pelo termo potencial: inteligência ou liderança, por exemplo. Alguém tem potencial porque é inteligente; ou tem "potencial" de liderança. Ou diferentes facetas para explicar o potencial como, por exemplo, diferentes competências ou tipos psicológicos ou múltiplas inteligências.

Nem um nem outro refletem o que é potencial humano naquilo que deveria ser uma qualidade distintiva e única dos organismos vivos. Confundimos atributos ou função com o aspecto em si a ser medido, tal como liderança - um atributo ou aspecto de uma função ou carisma. Mas liderança em si não define o que é potencial humano. Falamos de um traço ou de uma habilidade.

Totalidade

Organismos vivos comportam-se como uma totalidade. Mas as práticas usuais de medição "quebram" os organismos em partes. A dificuldade de apreender num todo aquilo que o organismo "é capaz" - isto é, seu potencial - é a principal causa da confusão.

Primeiro temos que distinguir a capacidade potencial - aquilo que um organismo é capaz de fazer - dos atributos do organismo, aspectos ou traços específicos. Seria algo como distinguir entre o quanto um organismo é capaz e o como o organismo realiza algo. Confundir o como com o quanto nos leva a desviar a atenção daquilo que é fundamental medir. Podemos confundir o como da comunicação com o quanto - em termos de complexidade de trabalho que consigo realizar. Podemos confundir o como da liderança com o quanto do potencial - liderar em direção a que tamanho de resultados? Na ação, sem dúvida os organismos dependem tanto do quanto como do como. Mas o primeiro é distintivo entre as pessoas.

O que distingue a capacidade potencial entre os organismos? Vamos considerar uma analogia simples. Plantando- se um conjunto de árvores selecionadas da mesma espécie oriundas de uma mesma árvore mãe, num mesmo solo e sob as mesmas condições ambientais, ainda assim vamos observar diferenças marcantes em cada árvore, seja no tamanho, espessura do tronco, volume de galhos e folhas, e também na quantidade e qualidade das frutas. A ontogenia se expressa diferentemente e parece ter uma causalidade pessoal. Não temos controle sobre ela.

Como seres humanos, somos formados pelas mesmas partes. Contudo, vemos grandes variações entre as pessoas. Podemos citar variações óbvias, como cor de pele, tamanho, sexo, até diferenças mais sutis, como reações, atitudes, preferências. Tudo isto, porém, está na esfera do como de cada organismo.

O que diferenciará cada organismo é sua relação com o tempo, ou intencionalidade. A capacidade potencial humana tem sua expressão singular nos organismos em quanto à frente uma pessoa é capaz de considerar consequências ao definir objetivos e desenvolver decisões e planos para transformar uma intenção em resultados.

Esta capacidade distintiva de poder olhar à frente e apontar para algo em diferentes horizontes de tempo é aquilo que chamo de quanto. Na prática, este quanto pode ser traduzido em como se tornar líder de mercado entre cinco e sete anos à frente, reduzir custos em 15 a 18 meses, ganhar 25% de participação no setor x com determinado produto em até dois ou três anos, e também consertar uma máquina em uma semana ou desenvolver um treinamento gerencial em seis meses. Enquanto organismos somos seres intencionais, orientados por metas e aptos a conviver com diferentes graus de incertezas.

Somos equipados com recursos para diferentes graus de turbulências ao nosso redor. Isto tudo se refere ao quanto. Quando falamos de potencial fazemos referência ao "tamanho do projeto" que uma pessoa consegue sustentar ao longo de um determinado tempo. É isto que as organizações precisam saber, pois dependem da construção do futuro, que não está dado, mas apenas cogitado nas intenções de seus líderes e que será realizado por meio de um processo de múltiplas delegações de responsabilidades.

Este quanto não se mistura aos comos, mas se completa com eles. As pessoas poderão não conseguir concluir os projetos somente com a capacidade potencial. Precisarão de habilidades como facilidade para envolver as pessoas e motivá-las a ter atitudes como persistência e autoconfiança. Porém, estes comos isolados não são suficientes para levar as pessoas às suas realizações se não houver a capacidade potencial adequada para enxergar complexidades à frente, para visualizar as inserções das decisões em contextos de diferentes dimensões, para ser capaz de vislumbrar - antecipadamente - alternativas a serem alocadas nos momentos de turbulências ou desvios de rota.

Enquanto muitos dos comos dos comportamentos podem ser aprendidos e modificados, o quanto - da quantidade de incertezas que conseguimos suportar como o horizonte de tempo à frente que conseguimos cogitar - é exatamente o que diferencia uma pessoa da outra.

Muitas vezes falhamos não por sermos "novos" ou "velhos", mas porque não conseguimos vislumbrar mais à frente do que os outros. Juventude não é sinônimo de maior capacidade. Velhice não é sinônimo de estagnação. Nosso poder de julgamento cresce ao longo do tempo, não na mesma velocidade e não para os mesmos níveis de complexidade.

Potencial nos organismos vivos tem a ver com a capacidade de olhar para o futuro e apontar para um resultado visualizado, ainda não tangenciado, mas que dirigirá nossas ações e projetará a necessidade dos recursos.

Este potencial exige recursos para se realizar: os comos. Estes comos podem ser treinados, despertados, instigados. Mas não está nos comos a explicação do que uma pessoa é capaz de fazer quando as condições são incertas e ambíguas. Nosso poder de julgamento frente a estas condições é que fará a diferença. Competências são recursos alocados. Mas não é nas competências que encontraremos as respostas para o que é potencial humano.

Competências foca o passado buscando em experiências anteriores os comos das pessoas. Porém, ao falarmos de construção do futuro, o aspecto distintivo é conseguir olhar para a frente e ser capaz de lidar com ambiguidades e incertezas que inevitavelmente surgirão. E novas competências serão necessárias.

Crescer em potencial

Infelizmente, muitas organizações ainda se baseiam suas análises de potencial no modelo da Matriz BCG do marketing (rebatizada de Nine Box quando em uso pelo RH), plotando pessoas nas coordenadas Potencial x Desempenho (fig. 2). Criam- se quadrantese colocam-se nomes ou números em cada quadrante. Ao se perguntar qual o potencial das pessoas no quadrante Alto Potencial x Alto Desempenho, a resposta é que as pessoas podem crescer dois ou três jobs. Ora, crescer em jobs não é necessariamente crescer em potencial, na medida em que diferentes jobs podem exigir o mesmo nível de capacidade potencial.

Figura 1: Talent Pool

Figura 1: Talent Pool

Figura 2: Matriz Nine Box

Figura 2: Matriz Nine Box

O modelo Work Levels ilustra insistentemente isto, ao definir cinco níveis máximos de complexidade de trabalho para uma unidade complexa de negócios (e até sete para algumas corporações). Dentro de cada nível existem diferentes cargos e funções que permitem uma carreira, mas não necessariamente mudança de capacidade potencial. Ao focar capacidade potencial, devemos olhar para o quanto. E, também, dar uma resposta para o quanto cresce o organismo, para que possamos planejar para frente

O modelo baseado na Matriz BCG (Nine Box) não oferece esta resposta. Na realidade, não se baseia em nenhuma teoria sobre potencial humano. Em geral, centra-se na percepção do desempenho, focado em competências. Mas nada nos diz sobre o quanto e o crescimento.

Assim, apenas classifica-se, mas não se compreende o que é distintivo das pessoas. Cometem-se injustiças.

Pessoas com o chamado "baixo potencial" e "alto desempenho", poderão ter sua capacidade crescendo em horizontes não percebidos pelo modelo, limitando suas carreiras.

Para ler mais: Jaques, Elliott. Social Power and The CEO. USA: Quantum Books. 2002

Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

Read More
Sem categoria

Quando o tempo interessa e faz diferença

Uma leitura do Balanced Score Card

Não, não falaremos sobre administração do tempo. Abordaremos conceitos atuais da Física e sua relação com a administração e os negócios. Alvin Toffler, no prefácio de ‘Order Out of Chaos’, de Prigogine e Stengers (1984), escreveu: ‘Parte da vasta revolução atual, tanto na ciência como na cultura, é a reconsideração do tempo… Nas ciências sociais o tempo permanece em terreno virgem … Mais ainda, cada cultura e cada pessoa tende a pensar em ‘horizontes de tempo’. Alguns de nós pensam somente no imediato. Políticos, por exemplo, são freqüentemente criticados por procurar somente o imediato, resultados de curto prazo … a próxima eleição. Outros de nós pensam a longo prazo.

Estes diferentes ‘horizontes de tempo’ são fontes de fricções políticas e sociais – talvez uma das mais importantes’. E Toffler continua: ‘ …as ciências sociais desenvolveram- se muito pouco na direção de uma teoria do tempo coerente’. E remete o leitor ao seu ‘Future Shock’, onde define durational expectancies – como nossas pressuposições culturalmente induzidas com relação ao quão longo um processo deve ser.Toffler está apresentando o seminal livro de Prigogine e Stengers, que recolocam o tempo como o conceito fundamental para a nova ciência. No mundo mecânico de Newton e de Einstein, o tempo não tem importância em si. Um momento seja no presente, passado ou futuro, é assumido como sendo exatamente como um outro momento. O ciclo infindável dos planetas, por exemplo, pode ir para frente ou para trás sem alterar seus sistemas básicos. O máximo que iríamos obter é uma volta – retorno – seguindo os passos deterministas até então gerados. Por isso os cientistas se referem ao tempo como ‘reversível’.

Com a termodinâmica emergindo no final do século XIX, contudo, aprendemos sobre a perda da energia dos sistemas: entropia. Então, a máquina do mundo newtoniano começa a se aproximar da morte, e o que se segue é que um momento já não é mais como o último. Não se consegue reverter o universo de sua entropia! Os eventos ao longo do tempo não podem substituir a si mesmos. E tudo isto significa que existe uma direcionalidade nos processos físicos, o que Eddington chamou de ‘a flecha do tempo’.

Tempo precede a existência

Prigogine e Stengers rompem com o mundo mecânico e determinista trazendo para a Física a questão do tempo em uma dimensão totalmente nova – ‘o tempo precede a existência’, enfatizam. A tese deles é que processos químicos (da vida) são dependentes do tempo, e são irreversíveis. E processos irreversíveis compõem o que denominam estruturas dissipativas, mas que não necessariamente conduzem à desordem. Estes processos irreversíveis são fonte de ‘novas ordens’ que – associados ao seu caráter randômico e de troca com o meio – levam a níveis mais elevados de organização, como as estruturas dissipativas.

Toffler estava descobrindo nas ciências naturais os conceitos inovadores de Prigogine e de sua equipe, e não se continha em fazer analogias entre estes conceitos e as ciências sociais, políticas, civilização e a condição do próprio indivíduo, reclamando por uma ciência humana coerente a respeito do tempo.

Coincidentemente, Elliott Jaques publicava em 1984 seu também seminal livro ‘The Form of Time’, no qual fundamenta seus conceitos sobre o tempo nos aspectos relativos às estruturas hierárquicas complexas – como as organizações – e também nos traz o conceito de que as pessoas têm capacidade – potencial, na linguagem de recursos humanos – , compreendida pelo que denomina ‘horizonte de tempo’. E propõe uma teoria – hoje já mundialmente reconhecida – acerca de como o tempo se torna tanto uma medida objetiva para as Ciências Humanas, como também a principal referência para se medir a complexidade dos negócios e o potencial humano.

Para Jaques, todos nós temos um projeto pessoal inconsciente definido como nosso time-span (horizonte de tempo). Pensar a curto ou longo prazo, como bem caracterizou Toffler, não é uma questão de interesse. Em muitas situações, muitos são capazes de fato de lidar com ‘certos horizontes de tempo’. Isso nos possibilita identificar diferentes graus do espírito empreendedor.

A capacidade humana se expressa em um horizonte de tempo, o que significa ‘com quanto de incerteza uma pessoa é capaz de lidar tendo de olhar à frente, transformar uma intenção num output específico, trabalhando sem supervisão e usando seu julgamento para conduzir ações e superar obstáculos’. Os horizontes de tempo variam de um dia a três meses no primeiro nível de complexidade, de dois a cinco anos num primeiro nível estratégico, de cinco a 10 anos para um presidente de uma empresa, e de 20 a 30 anos, para um CEO empenhado na tarefa de construir novos valores para futuras gerações.

Horizontes único

Para Jaques, estes horizontes de tempo são inerentes a cada indivíduo. Quando uma pessoa assume uma função, trará seu desempenho e o tamanho da estrutura organizacional ao seu nível atual de capacidade. O horizonte de tempo se torna uma referência significativa e uma pedra de toque para estudos de estrutura organizacional e planejamento corporativo dos recursos humanos.

Para Jaques, estes horizontes de tempo são inerentes a cada indivíduo. Quando uma pessoa assume uma função, trará seu desempenho e o tamanho da estrutura organizacional ao seu nível atual de capacidade. O horizonte de tempo se torna uma referência significativa e uma pedra de toque para estudos de estrutura organizacional e planejamento corporativo dos recursos humanos.

Neste ponto, é inerentemente impossível antecipar o próximo estado do sistema. Prigogine aproxima- se do conceito de direcionalidade, de certo grau de ‘escolha ao nível da matéria’. Pressupõe uma ordem no caos. Assim também é a vida dos decison makers nas organizações.Frente às instabilidades e flutuações do mundo dos negócios, a incerteza deve ser enfrentada e decisões precisam ser tomadas. Elaborar uma decisão não é um processo determinista.

A verdadeira decisão é um processo não linear, dinâmico, com componentes inconscientes (valores, combinações velozes de dados e interpretações, intuições, etc.) e nós (nosso consciente) temos acesso à direção da decisão, e confiamos nela, porque é o melhor que pudemos produzir. O limite delas é nosso horizonte de tempo. Toda decisão é um ato criativo. O momento não irá se repetir e o processo é irreversível. Será necessário colocar planos em ação para transformar a intenção em realização.

Balanced score card (BSC) e tempo

Um dos pontos práticos para a reflexão em relação a uma das ferramentas em evidência é o BSC. Conversando com um colega – entusiasmado pelo processo em si de desdobramento das estratégias organizacionais em planos operacionais – fiz uma observação que o surpreendeu, aparentemente porque nunca havia feito esta correlação.

Minha observação foi simples. O BSC é uma ferramenta que se inicia exatamente com a questão do tempo! Seu processo requer uma visão de cinco anos (cinco anos são o limite entre os Work Levels® IV e V – horizontes de tempo de dois a cinco ou cinco a 10 anos). A produção de uma visão de cinco anos à frente requer uma distinta capacidade humana. Perguntei ainda se a pessoa em questão teria recursos para enxergar essa visão. A partir de uma visão com um projeto de cinco anos, o BSC demanda planos complementares de três anos, de um ano, e assim por diante.

Se minha lógica estiver correta em relação ao vínculo fundamental do BSC com o tempo – relembrando Prigogine: ‘o Tempo precede a existência’ – podemos deduzir que muito provavelmente algumas experiências com o BSC serão bem sucedidas, mas boa parte talvez não. Por quê? Horizonte de tempo e capacidade de enxergar através das incertezas!

O quanto as intenções do BSC, intuídas com base em horizontes de tempo, serão adequadas, só o tempo dirá. E decisões irreversíveis, que irão alocar recursos, mobilizar pessoas, envolver comprometimento em diferentes escalas na organização, terão sido tomadas! As ações com base no BSC serão verificadas em sua efetividade no máximo daqui a cinco anos! E o que são cinco anos na vida corporativa?


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

Read More
Sem categoria

Vocação, carreira e transição

Num mundo onde o trabalho organizado e remunerado se impõem, falar de carreira é mais do que pertinente. Adicione ainda as constantes pressões do chamando ‘mundo sem emprego’.

Em países desenvolvidos, o trabalho vinculado a organizações responde por 80 a 95%! Mas esta não é nossa realidade. Por aqui, a carreira permanece uma questão vital.

Ao homem moderno, pelo menos duas questões se apresentam: escolher uma profissão por auto-realização ou por recompensa extrínseca (dinheiro, por exemplo). Difícil encontrar uma resposta. Para alguns, essa dualidade não existe. Extrínseco é apenas uma forma didática de diferenciar o mundo externo do interno. Para outros, a questão da felicidade vai além.

Quando um jovem, adolescente, quer optar por uma profissão, questões como essas podem soar prematuras. Afinal, eles têm toda uma vida pela frente! Contudo, as pessoas na ‘crise da meia idade’ (acesse www.pieron.com.br – biblioteca), observam suas realizações, checam seus valores e olham para o futuro de um modo diferente. A felicidade se impõe.

Autores como Maslow (um dos maiores teóricos sobre motivações) e Erik Eriksson (um dos maiores sobre psicologia do desenvolvimento) revelaram aspectos interessantes em suas obras. Maslow entendeu que além das cinco necessidades básicas, havia a necessidade espiritual. Eriksson, além dos oito estágios do desenvolvimento, descobriu o estágio transcendente. Sem qualquer conotação religiosa, estes autores falam do ponto de vista do mundo interior do ser humano.

Na revista Época de 30/12/02, a entrevista em destaque foi ‘Terapeuta do Dinheiro’. A asserção básica é a de que a vocação em si não conta. Sem dúvida, em sintonia com o prag-matismo americano e as ideologias capitalistas. Se o mundo é um mundo econômico, de negócios, a vocação essencial passa a ser saber fazer dinheiro.

Contudo, as questões não são tão simples. Considerando que a maior parte dos trabalhos não está diretamente relacionada às decisões de investimento, e que dedicamos ao trabalho de 8 a 14 horas diárias, acredito que muitas pessoas também vão buscar a realização pessoal. Não há dúvida de que existem preferências pessoais. Nem todos querem trabalhar com números, com gente, nem todos querem tecnologia. A carreira envolve o lado extrínseco, o do dinheiro/status, como também requer conquistar novos conhecimentos (do contrário, o dinheiro não vem, não é?), ter flexibilidade e facilidade de mudança de áreas de conhecimento, isto é, aprender. Aqui a reflexão é outra. E essas questões se tornam claras quando se conversa com quem passa pelos chamados períodos de transição de carreira.

Transição de carreira: Dois focos

Normalmente fala-se de transição de carreira durante o desemprego. A transição prevê encontrar uma nova posição, muitas vezes com apoio de serviços especializados. Pode tomar a forma de uma revisão pessoal, avaliando-se as causas do desligamento em termos de performance, de atitudes, de oportunidades perdidas. E é uma oportunidade de mudança se não houver pressão financeira. Agora, se a ansiedade for grande, a reflexão ficará inibida e maior deverá ser a habilidade do conselheiro. As pressões sociais, familiares e econômicas às vezes falam mais alto.

E existe também a transição de carreira, quando as pessoas ainda estão empregadas. Nessa situação, há a possibilidade de promoção em atividades que aumentam o nível de complexidade do trabalho, o qual precisa estar alinhado com o aumento da capacidade de lidar com a incerteza. Muitas pessoas almejam posições mais estratégicas e para isso deveriam estar ‘equipadas’ não só com a ambição do dinheiro e status, mas também com a condição de poder lidar com raciocínios diferentes, enxergar horizontes mais amplos e longos, de poder contribuir não mais para desenhar sistemas de trabalho, mas, sim, para administrar o futuro desconhecido. O desafio passa a ser o de produzir e gerenciar inovações. O autoconheci-mento e o convívio com limites pessoais tornam-se vitais.

Vale a parábola do jovem arqueiro que se tornou exímio atirador sem entrar para um mosteiro. Desafiando um monge na arte da flecha, mostrou como consegue acertar uma cereja a muitos metros de distância. O monge, por sua vez, retribuiu colocando-se sobre uma pequena ponte de cordas apodrecidas sobre um imenso abismo para fazer seu tiro. O jovem, tentando imitá-lo, não conseguiu manter o equilíbrio e perdeu seu tiro.

Ter controle sobre si mesmo nos momentos difíceis é mais do que uma habilidade técnica. E para isto o autoconhecimento – conhecer sobre seu tipo, seu estilo, seus valores e seu potencial para diferentes níveis de trabalho – faz uma grande diferença e o torna mais competitivo em situações difíceis e imprevistas.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

Read More
Sem categoria

Jornadas extenuantes: um passo para desastres, inclusive na sua carreira

Existe algum efeito danoso das jornadas extenuantes na produtividade, saúde e carreira das pessoas, certamente é uma pergunta que muitos de nós vive querendo resposta.

Indo direto ao ponto –> SIM, se deixar levar por um modelo de trabalho que leva à exaustão física, mental e psicológica pode causar danos irreversíveis à sua saúde, produtividade, carreira e vida. É evidente ser necessário, algumas vezes, empreender jornadas “fora do normal”. Situações de crise, picos de demanda, projetos em fases críticas…

Há situações típicas onde se operar acima da capacidade é vital. Quantas vezes, como motoristas, nos vemos ocasionalmente obrigados a levar aos píncaros, as rotações do pobre motorzinho (ou motorzão) do nosso automóvel, em momentos de ultrapassagens mal calculadas ou para fugir de situações de perigo que inesperadamente apareceram à nossa frente e a nossa revelia.

Mas, você já viu alguém em sã consciência manter em níveis altos o giro do motor do carro por mais do que poucos segundos? Você já viu uma cozinheira ou um chef deixar um liquidificador em sua rotação máxima por mais do que poucos minutos. Será que alguém desconhece a resposta?

É senso comum a questão da capabilidade (ou capacidade) inerente a qualquer sistema. Sim, é possível operar acima da própria capacidade, por um tempo. Nunca por todo o tempo. Sabemos bem as consequências.

O intrigante é tentar compreender porque significativa parte das empresas desconsidera isso parcialmente.. Digo parcialmente porque, nunca vi uma empresa operar suas máquinas além dos limites de capacidade conhecidas e especificadas pelo fabricante, por tempo indeterminado. O que me pergunto é por que o fazem com as pessoas?

Entendo menos ainda, por que nós, as tais pessoas, nos conformamos com esse abuso?

Medo de perder o emprego? Ah, se esta estiver sendo a sua resposta é só porque você nunca perdeu seu emprego . Quem já viveu esta experiência sabe bem o quanto isso é ilusório. Perde-se emprego, isto é fato. Claro que sempre haverá um motivo apresentado plausível, inteligente e lógico, mas a realidade é que a demissão vem e é independente de seu alto desempenho e resultados, da sua qualificação extraordinária ou sua dedicação ímpar.

Então, aceitar ser abusado e não colocar os limites da sua capacidade física, mental e psiquica, sinto informar, não garante nada, ao contrário, pode até acelerar sua demissão porque a deterioração de sua saúde e produtividade, quando acontecerem serão mais do que bons motivos para sua demissão.

Não há dúvida de que o trabalho é uma das maiores fontes de valorização social e contribui significativamente para a construção da autoestima em qualquer ser humano. É também motivo de orgulho ser considerado e reconhecido como alguém trabalhador, esforçado, dedicado. A paixão pelo que se faz é outro ingrediente que nos faz tolerantes ao excesso de trabalho. Isto sem esquecer do senso de responsabilidade.

Todos estes ingredientes podem explicar, em parte, porque somos bastante tolerantes com abusos. Queremos produzir riqueza, aplicar conhecimentos, obter resultados.

Só é preciso relembrar que trabalhar mais é muito diferente de trabalhar bem. Ao contrário. Quando o problema for o processo, a falta de recursos ou a incompetência, de nada adiantará esforço por maior que ele seja. Sem contar que a questão pode ser a inviabilidade das metas colocadas e impostas por quem desconhece a capacidade do sistema que dirige.

Tomar decisões erradas, não ter mais cabeça pra pensar, esquecer coisas importantes ou adoecer são algumas das consequências de um alto stress e do pouco ou quase nenhum espaço para “recarregar” energias. Sem contar que trabalhando muito é quase impossível você se manter atualizado e este poderá ser outro bom motivo para sua demissão.

Para finalizar, a exaustão é acelerada por conta de outros ingredientes do mundo moderno. O fuso horário, que não existe mais neste mundo globalizado, mas o respeito a ele existe sim, embora apenas acima da linha do Equador. Assim como férias regulares, permitidas a você, é claro, desde que sejam de 10 ou 15 dias e com o blackberry ligado, correto?

Tudo precisa ser assim em real time, on line, monitoramento contínuo e ininterrupto, conectividade 24 horas e 365 dias por uma questão de sobrevivência. Afinal a máquina não pode parar. Caso contrário, o acionista não apreciará e migrará seu rico dinheirão para outras paragens. E aí, como você fica?

Talvez com alguma chance de ainda salvar seu casamento, de ver e beijar seus filhos antes que sigam seus caminhos, de resgatar sua saúde plena, crescer em cultura, descobrir o que aprecia e de rever do quanto realmente precisa para viver com significado e dignidade. Ainda a tempo de resgatar sua identidade e o sentido e valor de sua vida.


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

Read More
Sem categoria

Treinamento: De consultoria interna para consultoria de performance

O tema está focado aqui para treinamento. Mas é difícil abordá-lo sem falar sobre o profissional de Recursos Humanos e sua responsabilidade neste processo. Na última década, um dos temas polêmicos tem sido a ‘consultoria interna’. Afinal, o que a caracteriza? É uma atribuição adequada? Representa o que de melhor se pode fazer?

O papel de consultoria interna pode não representar o se pode fazer em RH. Onde e como buscar referenciais para uma ação? Segundo Elliott Jaques, as ‘organizações são sistemas estruturados para conseguir que determinado trabalho seja alcançado’. As organizações são também sistemas que empregam o trabalho humano (a capacidade para produzir julgamentos), e normalmente se estruturam com base no princípio de liderança. Embora diferentes modismos tenham surgido nos 20 últimos anos sobre o que é uma organização (clube, hospital, orquestra, centro de aprendizagem?) e tenhamos vivido os efeitos da reengenharia, o que ainda prevalece é que as pessoas organizações são responsáveis por resultados. Em algum momento, alguém (ou um grupo de acionistas) tornou outro alguém responsável por um empreendimento. E este alguém, para conseguir seus objetivos, atribuiu novas responsabilidades em forma de cascata. Esse modelo parece ser universal e perene. Não dá para lidar com a complexidade sem uma estrutura que permita que diferentes funções, em variados níveis, sejam administradas. Diferentes outputs são produzidos continuamente através de processos verticais e de alinhamentos horizontais nas diversas cadeias que compõem o trabalho a ser gerenciado.

Quais são, então, os requisitos de tal sistema? Jaques interpreta o princípio básico das organizações como ‘estabelecer um sistema gerencial em que o trabalho possa ser feito com efetividade impar na produção de bens e serviços para satisfazer as necessidades da sociedade. E fazê-lo de tal maneira que torna possível às pessoas exercerem sua plena capacidade, e trabalhar sob condições que fortalecem as fronteiras da confiança mútua.’1 Alcançar esta condição não é apenas uma responsabilidade executiva mas uma questão moral.

Se esta visão for motivadora, alguns conceitos e princípios devem ser levados em conta para esse sistema gerencial, em geral conceitos e princípios interligados:

  • A natureza do trabalho humano, da tomada de decisão, e solução de problemas;
  • A natureza da capacidade humana para o trabalho, incluindo a capacidade para lidar com a complexidade;
  • O encontro ideal entre a complexidade da informação, os níveis da organização e os níveis do funcionamento mental;
  • A natureza do desenvolvimento individual e o crescimento da capacidade das pessoas;
  • Os princípios de reconhecimento e compensação justos pelo trabalho;
  • A natureza da liderança;
  • Os princípios de geração de competências.

Antes de falar em pessoas, antes de qualquer ação, abordamos os princípios de gestão, de práticas gerenciais. Elas constituem o pano de fundo para a questão da consultoria e, particularmente, do treinamento. Sem isto, as ações não terão muito sentido. Com esse pano de fundo, a questão da consultoria interna pode perder sentido, pois o profissional não se torna consultor e, sim, viabilizador dos princípios gerenciais. Passa então a ter uma intenção explícita e compartilhada de conseguir um ambiente voltado para a performance e realização do potencial humano. Você pode chamar isto de consultoria de performance, como existe uma tendência, modismo. Os profissionais de RH não devem se enxergar como ‘consultores’. Eles são parte da organização, compartilham valores, princípios, e são atores nos processos internos; são igualmente ‘cobrados’ por determinados resultados e por excelência no que devem fazer. Sem dúvida que a noção de consultoria procura captar o papel em sua dimensão qualitativa. Mas acho que essa leitura deve ser revista.

De qualquer maneira, a questão se impõe. Nos sistemas gerenciais orientados para a performance e o pleno uso da capacidade das pessoas, o ‘prestar serviço interno’ ainda se mantém. O sistema gerencial deve ter clareza sobre as ‘autoridades’ delegadas e as práticas gerenciais necessárias. Há empresas que afirmam ser responsabilidade gerencial a condução de pessoas, equipes. Mas, ao se observar a ‘autoridade’ delegada, verifica-se que elas não apóiam a responsabilidade esperada. Jaques é claro quando fala das responsabilidades gerenciais: primeiro, um gerente só é de fato um gerente quando é responsável pelo output de seus liderados. As coisas ora se invertem. Se um gerente é responsável pelos resultados de seus liderados, pode-se criar um ambiente de forte demanda para ações de RH. Mas isso, sozinho, não é suficiente.

Segundo aspecto: um gerente só é de fato gerente quando tem também autonomia e responsabilidades com base em princípios, para questões óbvias: compor uma equipe de trabalho (ter direito a veto), afastar alguém de sua equipe, avaliar e acompanhar a performance, praticar o reconhecimento por mérito, praticar a delegação. Digo praticar, isto é, estar investido da autoridade de, e não sugerir, ou consultar, pois isso tira a autoridade e sem ela não há reconhecimento de liderança.

É importante um esclarecimento com relação ao termo autoridade. No Brasil, infelizmente, a palavra traz inúmeras interpretações. Autoridade vem de ‘author’, isto é, ser autor, ter a condição de autoria. Dentro de princípios de performance e uso pleno da capacidade, a equipe de alta performance é um produto (autoria) da qualidade da gestão. E a liderança tem aí uma contribuição essencial.

Terceiro ponto. As práticas de liderança são dez: trabalho em equipe de duas mãos, definição de contextos, planejamento, atribuição de tarefas, avaliação da efetividade pessoal, revisão de méritos, coaching, seleção e indução, afastamento e demissão, e melhoria contínua. Nesse contexto, se quiser continuar utilizando o termo ‘consultoria’, apresento aqui dez áreas de oportunidade para esta prática.

O treinamento

Neste contexto, onde entra o treinamento? O que é treinamento?

O treinamento é uma ferramenta gerencial, voltado para acrescentar ou desenvolver uma habilidade, um comportamento, que pode ser aprendido (está ao alcance das pessoas a serem treinadas), e que irá reverter – ou contribuir para tal – uma situação de performance inadequada claramente definida. Se ficou claro, treinamento acontece quando tenho um problema definido (consigo medir as evidências de um problema e sei quais as suas causas, por isso, quero um treinamento para reverter). Assim, será possível uma intervenção e reversão de uma situação.

De quem é o problema de treinamento?

Quem tem um problema de treinamento é o gerente! Ele é o responsável pelo output de seus liderados. Ele deseja algum tipo de apoio para reverter uma situação de performance inadequada. Nesse contexto (existem muitos outros), o termo consultoria interna também é utilizado. Mas penso que deva ser importante enfatizar que se faz consultoria interna centrada naqueles princípios destacados. Assim, essa consultoria interna não se limita a prestar um serviço, quer desenvolver a capacidade e o desejo dos gerentes de se tornar responsáveis pelo output de seus liderados. E isto não é apenas prestar serviço. Passa ainda por influenciar as práticas organizacionais, ajudar a empresa a pensar seus modelos, visão de trabalho, pessoas, etc., para somente então, ‘entregar’ um serviço específico, que só tem sentido com uma visão mais ampla do que se está entregando e por qual motivo.

Medindo os resultados

Em seu livro ‘Evaluating Training Programs’, Kirkpatrick procura definir passos para avaliar os treinamentos. Foca especificamente a ação treinadora e define ‘os quatro níveis’: reação, aprendizagem, comportamento e resultados. Nada muito desconhecido da prática. A reação se mede sobre como as pessoas ‘sentiram’ o treinamento – satisfação com o processo. A aprendizagem é definida pela extensão pela qual os participantes mudaram de atitude, aumentaram seus conhecimentos e habilidades, pelo fato de participarem do programa. Comportamento é definido pela extensão pela qual houve mudança no comportamento, acontecido pelo fato de se ter participado no treinamento. Esta mudança no comportamento é um dos pontos críticos. Kirkpatrick destaca que para haver mudança no comportamento, quatro condições são necessárias: a pessoa precisa desejar a mudança, precisa saber o quê e como fazer algo, precisa trabalhar no ambiente e clima corretos, e precisa ser ‘recompensada’ pela mudança. Independentemente de certa visão behaviorista do processo, destaco a terceira condição – ‘trabalhar no ambiente e clima corretos’ como uma das condições importantes para a mudança. Ora, ambiente e clima adequados são responsabilidades gerenciais. Se o clima é negativo, ou se o treinando não tem um contexto adequado para aplicar o que foi ‘aprender’ com o treinamento, então temos um outro problema, o da eficiência gerencial. O quarto critério de avaliação, resultados, é definido como as conseqüências finais resultantes do programa, tais como aumento na produção, diminuição dos acidentes, queda nos custos, e mesmo aumento em vendas. Sem dúvida, esta é uma visão bastante pretensiosa do poder do treinamento.

Como podemos associar aumento de vendas a um programa de treinamento? De um lado, Kirkpatrick fala sobre o que acontece dentro dos limites da ação de treinamento (curso ou aula, com queiram chamar). Por outro lado, aumentar as vendas está além do controle dos participantes. Eles não têm controle sobre todas as variáveis que afetam o aumento das vendas. Desde as mais intangíveis como concorrência, clima, mudança de estratégia do concorrente, mudança de produto do concorrente, até as mais próximas, como ter ou não certos recursos financeiros imediatamente disponíveis para uma promoção, uma ação contingencial – os recursos necessários dependem de uma decisão gerencial de outro nível. Desta forma, Kirkpatrick comete um erro conceitual ao depositar no treinamento tal responsabilidade. E me parece tanto injusto como pretensioso atribuir tal responsabilidade ao treinamento . Vou explicar o motivo.

Primeiro, o treinamento tem seu maior poder em gerar conhecimentos e comportamentos, tem até o poder de motivar (dar novos contextos para a aplicação do que se aprendeu). Contudo, isto acontece dentro de limites (quatro paredes, por exemplo). Segundo, para que as mudanças aconteçam com maior eficiência, tanto os objetivos como os recursos para a mudança devem estar sob o controle do treinando. Terceiro, a gerência é a maior interessada no desenvolvimento dos conhecimentos e habilidades dos seus liderados e estes conhecimentos e habilidades devem ser vistos como novos recursos que se está disponibilizando para a gestão e solução de problemas. Assim, é responsabilidade da gerência garantir contextos e condições para que os novos comportamentos sejam utilizados como recursos. Treinamento é investimento, podendo ser bem ou mal utilizado.

Transcendendo este modelo de Kirkpatrick, encaro o treinamento como um recurso gerencial e, como tal, deve ser visto como uma ação exclusivamente voltada para desenvolver novos recursos. A responsabilidade da gestão e validação do novo recurso são da gerência. Claro, isto de uma maneira compartilhada, dentro do espírito cliente-fornecedor interno

Vejo, então, algumas fases para uma correta avaliação das ações de treinamento (Fig. 1).

Fase 1 – Avaliação da situação atual – ou avaliação diagnóstica

Objetivo: compreender o problema, suas evidências comportamentais e suas causas (falta de conhecimento, falta de habilidade, etc.). Esta fase deve ter uma mensuração de modo que os envolvidos saibam o ‘tamanho’ do problema e suas implicações. Apenas a percepção de que algo não está bem pode ser insuficiente.

Fase 2 – Desenho da intervenção

Tendo-se definido que a solução pode ser desenvolvida por um treinamento, desenha-se uma intervenção, dentro dos princípios andragógicos de ensino. Estes princípios requerem o envolvimento dos participantes no problema, a discussão de problemas reais, a produção de estratégias de aplicação por parte dos participantes, técnicas participativas de treinamento, reflexão profunda sobre as causas dos problemas e sobre as condições que o fazem perdurar, etc. O desenho do treinamento deve ser validado com a gerência e participantes se possível.

Um ponto importante nesta fase é a definição de objetivos do treinamento. Parte da frustração com relação a não se perceber resultados de treinamento é que o treinador acaba aceitando definições de objetivos (e conseqüentemente de responsabilidades do treinamento) por metas inalcansáveis. Por exemplo, aumentar as vendas em 20%. Este objetivo não é do treinamento. É um objetivo da gerência. A gerência quer aumento de 20% nas vendas. Pequena parte desta contribuição é desenvolver alguns conhecimentos e habilidades. Mas a gestão delas, em que contexto serão utilizadas, depende da visão e capacidade gerencial.

Fase 3 – Condução da intervenção

Esta fase deve ser caracterizada pelo que chamamos de avaliação de processo de aprendizagem. Dentro de um espírito investigativo de causas e solução de problemas, o instrutor (como queiram chamar), deve cuidar tanto da aprendizagem como do processo que gera a aprendizagem, usando os critérios andragógicos como referência.

Fase 4 – Avaliação de reação, aprendizagem e comportamento

Aqui entram os critérios de Kirkpatrick.

Fase 5 – Avaliação de resultados

A avaliação de resultados deveria ser um hábito gerencial, isto é, o maior interessado pelos resultados deveria ser o gerente e a equipe treinada. Para isto, as avaliações da nova situação devem ser realizadas para se comparar com a situação inicial. E um novo ciclo se inicia, podendo gerar novas demandas de treinamento ou outras ações. Estas avaliações podem e devem ter uma participação ativa do profissional de RH, junto ao seu cliente, procurando participar do entendimento do porque os resultados apareceram total ou parcialmente. E deve ser interesse do grupo compreender os limitadores e tentar controlá-los.

Este ciclo caracteriza uma espécie de ‘pesquisa-ação’ por parte do profissional. Não vejo como especificamente de consultoria, já que o profissional de RH é parte da cultura e está comprometido com ela.

Afinal, os resultados de treinamento são mensuráveis?

Talvez esta seja uma discussão sem um fim muito claro. Em última análise, podemos medir aquilo que acontece ‘dentro do ambiente direto de treinamento’ (sala de aula, por exemplo), ou dentro ‘da cabeça do treinando’, isto é, os conhecimentos adquiridos, as habilidades demonstradas, um entendimento mais amplo de algum conceito ou contexto. Mas estes produtos serão alocados em contextos muito mais abrangentes do que o dos treinamentos. As variáveis que operam neste contexto mais abrangente não estão sob o controle do treinamento.

Parte da dificuldade de se medir resultados, sem dúvida, vem de se aceitar objetivos acima do que um treinamento é capaz de produzir. Se trabalharmos com objetivos cujos resultados estejam sob controle do treinando, e cujos recursos que permitem a utilização dos novos conhecimentos estejam disponíveis, então podemos medir resultados. E quando digo recursos não penso somente em dinheiro, equipamentos, penso também no estilo de liderança, no espírito de equipe, nos valores que irão apreender os novos conhecimentos e tentar transformá-los em resultados.

Ainda assim, quem deve medir resultado de treinamento é a gerência, afinal é ela quem tem uma necessidade, uma performance para ser melhorada, os recursos, as metas de produção e de vendas. Portanto, o treinamento, visto como uma “ferramenta’ gerencial, deve ser tratado dentro da filosofia custo – benefício e como tal ser avaliado. Mas é de interesse tanto de RH como da gerência, que essa ferramenta seja utilizada com a máxima eficiência. Então, a avaliação é de interesse de ambos. E sempre haverá um ‘quê’ de percepção nesta avaliação, seja qual for a qualidade da relação entre cliente e fornecedor interno.

Referências Bibliográficas

1 Jaques, Elliott – Requisite Organization – Cason&Hall, 1998 (segunda edição)
2 Kirkpatrick, D – Evaluating training programs. Berrett-Koehler. 1996


Nota: Artigo publicado originalmente no antigo site do Instituto Pieron.

 

Read More
Sem categoria

Treinamento para competências, desenvolvimento para valores e transdisciplinaridade

Todas as organizações falam de competências e parecem ter seus modelos de gestão por competências. Curioso, parecem bancos competindo. A prática de um é rapidamente copiada. Em competências, ocorre algo muito parecido. Mudam alguns títulos das competências, mas a impressão que se tem é que todas as empresas, de segmentos diferentes, procuram as mesmas coisas. Senão, vejamos. Sua empresa procura pessoas com ‘alto foco em resultados’? Ou procura pessoas com ‘capacidade empreendedora’? Ou, curiosamente, com ‘visão geral, sistêmica’? Ou, ainda, quer perfil ‘desenvolvedor de pessoas’? Ou quer pré-requisitos como falar dois idiomas (guess what, english? español, si como no?), ter morado em outros países, ter disponibilidade geográfica, ‘ter competência cognitiva’. Enfim, diferentes expressões para focar coisas parecidas.

O mercado passou a – erroneamente – adotar o ‘CHA’ (conhecimento, habilidade, atitude) como explicação simplista para o conceito de competência. Não sei de onde isto foi tirado. Quando trabalhava no Senac – anos 70 – esta expressão já era utilizada.

Quem for mais às raízes, entenderá que competência envolve a articulação dinâmica de traços (personalidade), forças pessoais, motivadores, valores, conhecimentos, por meio de comportamentos que levam a um resultado. Os valores fazem parte do subjacente da ação humana. Há, no subjacente, aspectos inconscientes, não diretamente acessíveis à simples observação. Quem compreende assim competência saberá que a gestão por competências envolve a busca de resultados, mas não de qualquer maneira. Os resultados devem ser obtidos por meio da prática de determinados valores, inclusive.

Não há dúvida de que as pessoas se comportam como querem, fazem coisas como querem. Não há um controle automático sobre a ação por parte do ambiente. Há componentes e determinações inconscientes que não são simplesmente modificados pelos treinamentos. Precisamos entender o que é desenvolvimento. Desenvolvimento significa deixar ‘um determinado nível de envolvimento com um modo de ser, e passar a se envolver com um outro padrão de modo de ser’; isto é, ‘des-envolver’, desamarrar-se de um estado de coisas e envolver-se em outro estado. Se preferir, em outros modelos mentais, os quais envolvem padrões de valores. Não digo de novos valores. Não creio que existam ‘novos valores circulando pelos ares de modo que possamos caçá-los e trazê-los para nós’. Valores são produções do desenvolvimento humano, graus de significados mais e mais amplos. Diferentes valores podem ser observados no comportamento de animais, pessoas, grupos, filósofos, líderes.

A liderança centrada em valores sempre é praticada de alguma maneira, porque sempre somos guiados por eles, pelos valores. Daí que a questão passa a ser outra: que padrão de valores queremos? Comoqueremos que os resultados sejam obtidos?

Treinar para competências pode ser quase uma impossibilidade, se considerarmos que treinar envolve transmitir e exercitar rapidamente alguma habilidade. Desenvolver para competências pode ser uma possibilidade, mas que demanda tempo. Tanto mais tempo quanto mais profundos forem o sistema de valores buscado e a mudança desejada.
Transdisciplinaridade

A transdisciplinaridade agrega de muitas maneiras. Não aprendemos sobre valores por meio das teorias de marketing ou econômicas. Não aprendemos sobre gestão apenas lendo Drucker ou qualquer outro autor. Para discutir e mudar valores, precisamos de múltiplas teorias que compreendam pessoas em sua profundidade e comportamento social; agreguem questões antropológicas; considerem questões da determinação biológica; compreendam pensamento sistêmico e padrões de comportamento político, religioso, do uso do poder. É na totalidade que estão os valores.

A transdisciplinaridade envolve também o modo de se encarar a gestão. Se tomarmos como base o paradigma das ciências humanas, os modelos de educação, até então restritos aos âmbitos escolares, são agora demandas das organizações, ‘universidades corporativas’. Padrões de saúde psicológica antes restritos aos consultórios são demandas organizacionais. Falamos de coaching, counseling. A escola demanda padrões de gestão – professores precisam pensar em negócios! Os clínicos também querem se ver como ‘negócios’. Qual o custo da saúde? O conhecimento busca a totalidade. As universidades viram o conhecimento ser ‘dividido’, segmentado em disciplinas. Hoje, rediscute-se a ‘nova aliança’ entre os conhecimentos – ciências humanas e naturais. Há uma busca de integração que considera a totalidade.

Esta totalidade traz em si valores, valores que consideram o todo acima de si. Este todo pode ser o planeta. Colocar este todo acima dos desejos pessoais implica em assumir que certos valores devam predominar nas decisões. Nada simples de conciliar.

Na prática das organizações, o todo também poderia ser uma equipe – nada simples de praticar. Como reconhecer o mérito individual? Como dizer que a ‘equipe é detentora do mérito?’ Nossos valores foram, de certa maneira, muito desenvolvidos na individualidade. E haveria de ser diferente? Contratamos e demitimos individualmente. Não contratamos e nem demitimos um grupo. O contrato de trabalho é assinado individualmente. Ao decidir, pensa-se em si, no custo que se terá se a decisão for errada. É um ato solitário. Mas também se quer um ato solidário! Você quer mostrar que é capaz e pode crescer na carreira; você, não os outros! Equilibrar valores não é simples, envolve transcender, colocar certos princípios à frente. Daí que a prática de valores nas organizações requer lideranças.

Liderança tem a ver com visão de longo prazo. E enxergar assim envolve a disciplina de princípios mais elevados, para que possam guiar a construção de valores para a organização e da relação da organização com o sistema mais amplo a que pertence. Também envolve a liderança do país, considerá-lo no sistema mais amplo a que pertence, e como se quer inseri-lo!

Esta tarefa, de desenvolver valores, é hercúlea, senão demais demorada para uma organização, quase impossível. Requer tempo. Requer equilibrar os desejos do acionista, os desejos de cada um de nós como pessoa comum, as condições de trabalho, e o espírito coletivo de empreendimento. Este, difícil. Afinal, trabalhamos para seres abstratos, como acionistas, sócios, detentores de ações, pessoas que nunca vimos e talvez nunca conheceremos. Mas há que se agregar valor. Para o negócio. Para o resultado. Mas quais valores?

Não se trata, portanto, de um desafio para o treinamento das empresas. O desenvolvimento há que ser uma matéria transdisciplinar na gestão – compartilhada e missionária, para que seja perene

Read More